Índice de Capítulo

    A vista acima era um quadro tranquilo, pintado em tons de azul claro e pincelado por nuvens preguiçosas que deslizavam lentamente nos céus.

    Para iluminar aquela arte, um sol brilhava ameno, onde a luz era filtrada por folhas de outono no alto de pinheiros.

    “Uma… floresta?”

    Cantos distantes de pássaros chegavam aos ouvidos de Akemi, logo, o coaxar de sapos complementava a melodia daquele ambiente vivo e… um tanto surreal.

    “Onde estou?”

    O rapaz recebeu uma brisa leve no rosto, e num piscar de olhos, percebeu-se caminhando sobre folhas secas, como se já estivesse no meio de uma jornada há muito tempo iniciada. 

    Estranhamente, ele não se lembrava de ter começado a andar, e ao olhar para frente, uma cena o intrigou.

    Uma figura fina e graciosa, iluminada pela luz solar, passeava pelo caminho de folhas caídas entre pinheiros e arbustos. Tratava-se de uma garota com cabelos escuros com imperceptíveis toques vermelhos e kimono laranja.

    Por um momento, Akemi pensou em não incomodá-la, uma incerteza o atingiu. “Uma… menina…? Quem é? E por que ela parece tão familiar?”

    A garota virou o rosto, e num lampejo, foi reconhecida. O brilho nos olhos, o sorriso meigo… vinha de Hiromi Miyazaki.

    — Miya…?

    Ainda em silêncio, Miya voltou o olhar para o caminho adiante, onde o fenômeno de momiji1 embelezava o cenário.

    — … Miya, por que estamos aqui?

    — Vou te mostrar o caminho correto. Não me perca de vista, ok? Apenas me siga.

    Akemi acenou positivamente, mas não durou muito até perder o foco. Seus olhares voltaram aos arredores, admirando a beleza da floresta. “Estranho, parece que há algo mágico aqui.” Seu corpo ficou mais leve, o simples ato de andar lhe trouxe uma calmaria indescritível.

    O coração estava em paz.

    “Por que estou com essa sensação? É como se tivesse alguma presença divina por perto… Me observando…”

    A natureza acolhia o jovem, tornando-o um com a floresta outonal. Uma mente estava dominada. 

    Entretanto…

    “Espera! O-onde ela foi?!”

    Miya havia sumido…

    Naquele momento, Akemi deu-se conta de que estava sozinho. Ele olhou ao redor, mas seus olhos só encontraram troncos de árvores e arbustos.

    Tudo parecia igual, tudo parecia… solitário.

    — Miya! Onde você foi?! — Pensamentos aceleraram junto de passos. — Miya!

    “Caramba! Não achei que ela fosse desaparecer do nada! Onde ela está?! Por que ela sumiu sem me avisar…? Ela me deixou?”

    — Miya!

    Complementando a falta de respostas, a floresta mergulhou em um silêncio abissal, uma quietude assombrosa.

    O garoto começou a suar frio. “Calma, Akemi! Ela só deve ter se escondido! Mas por que? Por que?! Pra… pra me… assustar…? Ééé…! Ela tá querendo me assustar! Só pode ser isso, hehe…” Um sorriso trêmulo apareceu em seu rosto. Seus olhos não paravam de checar os arredores enquanto caminhava pelo desconhecido.

    Até que finalmente, um farfalhar2 quebrou o silêncio próximo a um arbusto avermelhado.

    Akemi parou e virou o rosto rapidamente, alerta. “O-o que foi isso…?! Tem alguém ali?”

    O brilho de um par de olhos verdes entre as folhas trouxe um grande alívio.

    “Ufa… ela está ali, claro que é ela! Quem mais poderia ser?”

    — Miya! — chamou Akemi, de braços abertos — por que você tá se escondendo aí? Não adianta mais tentar me assustar, eu estou te vendo — tomado pela curiosidade, ele se aproximava devagar, mesmo que suas pernas tremessem um pouco. “Por que ela não diz nada? O que ela está fazendo?”

    Com a proximidade, o sumiço das respostas aumentou a suspeita. — Miya, não faça todo esse suspense comigo. Anda, saia daí.Uma pressão crescente não o permitiu disfarçar o medo.Algo estava errado. Muito errado.

    Os olhos verdes não piscavam. Eles continuavam fixos, imutáveis, e o arbusto começou a se agitar.

    “… Mas o que é isso?”

    Algo grande se mexeu nas folhas, e a atmosfera reagiu à presença. Uma onda invisível fez o ar ao redor do arbusto vibrar.

    A floresta inteira pressentiu a vinda de algo inevitável, algo poderoso.

    Pássaros dispararam voos dos galhos, soltando gritos agudos; outros animais escondidos entre as folhagens se agitavam, emitindo mais sons aterrorizantes.

    Assim, uma ameaça emergiu do mato. Uma figura colossal, um tigre feroz, com músculos ondulantes sob a pele alva e listras pretas. Afetando o ar distorcido, uma aura negra, opaca e pulsante, envolvia a fera, tornando-a um ser ainda mais imponente ao engolir a luz do sol.

    Em choque, Akemi caiu de cóccix no chão coberto de folhas. O que estava diante dele não era humano, nem sequer um tigre comum; e não, definitivamente não era uma besta qualquer.

    “Um… Byakko!”

    Segundo a lenda, o Byakko era um espírito guardião que aparecia somente quando o mundo estava em paz e não havia guerras, um símbolo de força, poder e proteção.

    O ser lendário reluziu seus olhos como duas esmeraldas polidas, mas o que deveria ser a representação da nobreza, desta vez, mostrava-se tudo menos puro.

    O Byakko estava corrompido…

    “E-eu achei que espíritos não existiam! E se existem, eles não deveriam ser bons?! Isso aqui quer é me matar!”

    Dentes afiados e imensos se revelaram lentamente, uma arcada felina prestes a mostrar a morte para um jovem.

    Cada passo que o ser feroz dava tornava a floresta ainda mais escura; ele estava consumindo a própria luz.

    Akemi percebeu que o Byakko não o olhava nos olhos, mas sim, na alma. Era um olhar profundo, algo mais do que simples ferocidade; era um olhar que compreendia, que reconhecia o temor da presa.

    — … A-ag… — o jovem tentou gritar, mas sua voz não saiu direito. “Eu não consigo pedir ajuda… Eu estou sozinho… O que eu faço?!”

    O espírito aproximou-se, e cada vez que se movia, crescia mais e mais.

    “Eu… e-eu tenho que fazer alguma coisa!” Akemi queria correr, queria gritar, mas o corpo não respondia, sentindo-se um mero brinquedo das garras que lentamente avançavam de forma implacável. O peso do terror o mantinha preso ao chão como uma âncora invisível, e naquele instante, o Byakko estava tão perto que o jovem conseguia sentir a respiração quente em seu rosto.

    Mas quebrando as leis do que era intrínseco, o ataque da fera nunca vinha.

    — Ngh! — Akemi fechou os olhos, finalmente aceitando um destino trágico… Todavia, quando os abriu novamente, percebeu que seria melhor se tudo aquilo fosse realmente um sonho…



    [ 28 de abril de 1922, Sala 1F, às 6h da manhã. ]

    Enquanto Akemi permanecia entre o mundo dos sonhos e a realidade, um medo pairava sobre ele. A mente continuava pensando no pesadelo que tivera…

    Aos poucos, uma luz tentava entrar em seus olhos fechados, mas era outra sensação estranha que o incomodava. “O que é isso? Tem algo em cima de mim?” Ele questionava a própria sanidade antes de finalmente abrir os olhos para a realidade e se deparar com o inesperado.

    Em cima dele, Nikko o encarava como uma fera prestes a dar o bote. Nos olhos verdes, pupilas dilatadas de um predador eram iluminadas por um instinto selvagem.

    Na garota, uma ira representada por uma densa aura escura era emanada, uma sombra de fúria…

    Mas na realidade, esses detalhes exagerados não passavam de uma miragem criada por um jovem amedrontado.

    “Ai, caramba! Pelo visto tudo aquilo não era falso!”

    — Ah! Olá, Nikko! É… Bom dia?

    Mesmo com o cumprimento do garoto, a intenção assassina e a luz vingativa nos olhos não cediam.

    Vagarosamente, Nikko se aproximava ainda mais perto de seu alvo, fazendo o alvo prender a respiração. — … Você é um garoto muito corajoso — disse ela, um tom ameaçador.

    Akemi continuava afetado pelo medo e, obviamente, pelo constrangimento, afinal, não era todo dia que uma pessoa estava literalmente em cima dele. — Então… Posso saber o que aconteceu?

    Nikko afastou o rosto, estufou o peito e colocou as mãos na cintura. — Você ainda tem a audácia de me perguntar?! Tá ficando maluco?!

    Akemi piscava, perdido; já a garota, embora irritada, se normalizava nas vistas do rapaz que tentava entender o que causou tanta intriga.

    “Mas… o que eu fiz? O que será que eu… Pera aí…”

    A resposta começava a se formar.

    “Droga…”

    Lembranças do que fizera antes de pegar no sono lhe davam um profundo sentimento de culpa.

    — Ah! Hehe… Olha… eu não fiz por maldade. É que-

    Mas antes de completar, Nikko agarrou o colarinho de seu gakuran, puxando-o para mais perto.

    — Quer escapar dessa, é? Achou mesmo que eu não iria descobrir?!

    POR FAVOR, ME PERDOA!!! — Akemi uniu as mãos, desesperado para confessar. — ESTAVA MUITO BOM E EU JÁ NÃO ME AGUENTAVA MAIS!!! EU PRECISAVA MUITO DAQUILO!!!

    VOU ARRANCAR SEUS CABELOS!!! — gritou Nikko, agarrando o couro cabeludo de Akemi e dando fortes puxões, sacudindo-o para frente e para trás de forma impiedosa. Fios castanhos eram ainda mais bagunçados pela ajuda de leves rajadas de vento; aparentemente, uma aura podia estar prestes a sair de controle.

    A-AI AI!!! O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO???!!! PARA!!! — O garoto lutava para afastar as mãos que o prendiam, mas seus esforços eram em vão. A cada tentativa, a esperança de se libertar deixava claro que ele não seria solto tão cedo. “Essa menina é o demônio!”

    Entretanto, em meio ao caos, a porta do dormitório foi aberta, revelando alguém na entrada.

    — Que barulheira é essa? — Já com o seifuku da ASA e suas presilhas de chamas, Miya entrava no local com uma leve preocupação, mas quando olhou à sua direita… — Gente! O que deu em vocês?!

    Nikko não tirava os olhos e as mãos de Akemi. — ESSE DESGRAÇADO COMEU TODOS OS MEUS TAIYAKIS!!! EU VOU MATAR ELE!!! — berrou ela, continuando o ataque.

    Sem conseguir conter o histerismo entre um puxão e outro, Akemi tentava se defender. — EU ESTAVA COM FOME! ME DISSERAM QUE EU PODIA COMER! EU JÁ PEDI DESCULPAS!!!

    Miya cruzou os braços em uma pose crítica. — Akemi! Eu disse que você podia comer só os que te entreguei!

    No entanto, talvez essa não fosse a melhor das respostas…

    Subitamente, Nikko parou suas ações e encarou Miya. As pupilas de caça retornaram. — Então foi você quem explanou o esconderijo dos meus bolinhos?

    — Você literalmente deixou na gaveta de cima do seu criado-mudo, chama isso de esconderijo?

    COMO É???!!! — Com um olhar fulminante, Nikko soltou Akemi de uma vez. — EU VOU TE PEGAR, SUA BISCATE!!! — E sem perder um segundo, ela saltou da cama e disparou em direção à recém-chegada, que mal conseguiu esconder o susto ao ver a ameaça iminente.

    Num segundo, Miya saiu do dormitório e fechou a porta numa batida.

    Bam!

    Nikko tentou puxar a maçaneta, mas a força do outro lado se sobressaiu.

    Bam, bam, bam!

    A garota alterada batia na porta. — Ei, larga essa porta!

    — Ni, para com isso! — respondia Miya, sua voz doce porém preocupada não era afetada por esforço algum — já são quase seis da manhã e vocês ainda não se arrumaram! Não temos tempo pra isso, se apressem logo!

    Após momentos de hesitação, Nikko finalmente soltou a maçaneta, alongando o silêncio em uma pausa dramática. Ela respirou fundo, inflou as bochechas e cruzou os braços, batendo o pé no chão de forma impaciente. — Hmpf! — Olhos fechados esquivaram-se para o lado, evitando qualquer contato visual com Akemi, que por sua vez, reagia instintivamente, tremendo e encolhendo-se debaixo do cobertor, onde apenas seus olhos espiavam assustados, refletindo o pavor de um pequeno animal encurralado.

    Com isso, ficou entendido sobre nunca pegar a comida de Nikko…

    1. Momiji: uma palavra asahiana que significa “folha vermelha” ou “folha de bordo”, e se refere principalmente às folhas de outono.[]
    2. Som de folhas ou ramos se mexendo.[]
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