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    Não havia norte, não havia sul; nem leste, nem oeste. Estar suspenso na ausência de tudo era experimentar a inexistência. O corpo parecia imóvel, mas até isso soava como uma ilusão.

    Mãos erguidas à frente não revelavam nada; balançar os braços? Também não adiantava. Não havia diferença entre olhos abertos ou fechados; a visão, como conceito, estava apagada.

    O frio era uma agonia persistente, um aviso de que a camada de gelo abaixo era a única barreira entre aquele espaço e um abismo insondável. Talvez fosse uma estrutura sólida, ou quem sabe, um oceano congelado escondendo segredos nas profundezas.

    Mas, independente da verdade, cada passo se tornava uma aposta arriscada, pois um caráter predatório habitava o que estava abaixo, pressionando consciências com sua presença silenciosa e ameaçadora.

    Não se sabia como, quando, nem onde esse ser fora criado, um monstro invisível que desbravava pelo gelo, com deslocamentos erráticos e imprevisíveis, revelando-se somente um predador que brincava com seus alvos, prolongando o suspense antes do ataque.

    A incerteza envenenava pensamentos, espalhando um tipo de medo que não se podia conter.

    A quietude do ambiente obscuro era uma rainha; captar qualquer indício dos movimentos da criatura era o maior dos desafios, agravado pelo som da própria respiração, que traía como um inoportuno ao se tentar localizar qualquer tipo de ruído estranho.

    O perigo, ironicamente, reluzia, iluminado pelo brilho inspirado de espécies abissais. Embora o local exato de sua origem permanecesse oculto, havia a certeza de que ele retornaria, inevitavelmente; e quando viesse, talvez não houvesse refúgio, apenas o confronto com o que não pertencia ao domínio da luz…

    E essas eram as sensações de Akemi Aburaya.

    QUE MERDA FOI ESSA!!!???

    — Não sei, mas não quero descobrir como é a vista dentro daquela coisa! — disse Nikko, sua voz brincalhona mascarou o nervosismo.

    Akemi continuava preocupado. — A instrutora não era apenas uma médica?! Como ela faz coisas assim?!

    Minoru demonstrou sua impaciência ao suspirar. — Haaa, vejo que já não posso esperar menos daquela mulher — posteriormente, assumiu um ar analítico — uma tenente-coronel pode ter poderes inimagináveis, mas criar todo um certo tipo de dungeon em um castelo de gelo? Ah, isso já é demais pra mim.

    Sorrateiro… — murmurou Mayumi, ignorando o comentário do outro. Um passo à frente foi audível, talvez ela estivesse vasculhando o nada no chão. — Eu não escutei nada… Nenhum som. Nenhuma pista… — analisou ela, pensativa, e em seguida, sua voz voltou firme ao falar com um do grupo. — Aburaya, você ouviu?

    “Ela… E-ela sabe o meu sobrenome?! Como ela lembrou?!” As palavras de Mayumi cravaram um peso nos ombros de Akemi. — Eu… — Um barulho sugeriu uma coçada na nuca — eu não sei, eu… achei que todos tivessem ouvido.

    — Ouvido, o quê? — indagou Nikko, confusa.

    — Era pra gente ter escutado alguma coisa?

    — V-vocês realmente não ouviram?!

    — Não ouvi nada — revelou Minoru, com uma honestidade que só aumentava a sensação de estranheza.

    — Eu também. Nadinha. E não pensem que eu estava com a cabeça na lua! Eu estava prestando muita atenção!

    Akemi sentiu o coração apertar. “Então… Por que só eu ouvi?” Desde o momento em que sua aura despertara, ele sabia de algo diferente. Ele não a sentia há semanas, mas os efeitos… eles permaneciam. “Quando me tornei áurico, minha capacidade de perceber o mundo ao meu redor… é como se tudo isso tivesse evoluído para níveis sobrehumanos… E quando pude perceber a velocidade da luz… aquilo também foi… surreal…”

    Novas conclusões foram chegando à sua mente. “Instintos? Talvez agora eu tenha novos instintos?”

    — Aburaya — o chamado de Mayumi cortou os pensamentos do rapaz.

    — A-ah! Desculpa… Eu estava lembrando coisas.

    — Como você o escutou?

    — Bom… foram meio que vibrações… Elas estavam vindo de baixo para cima, bem sob os pés da Nikko… Mais um pouco e eu não conseguiria avisá-la.

    — Realmente! Você salvou minha vida! Te devo uma por isso, hein?

    — Sem mais — interrompeu Mayumi — precisamos pensar em um plano. Estamos sendo cercados aos poucos por aquele monstro, e se quisermos sair daqui vivos, não podemos nos dar ao luxo de brincar.

    — Tááá, mas como faremos isso no escuro? Nem consigo enxergar o meu próprio nariz!

    — Devemos nos render aos nossos outros sentidos.

    — Tato, olfato, paladar, visão… — refletiu Minoru, logo concluindo — tá tudo ferrado. Só sinto o chão, meu nariz só pega ar gelado, minha boca tá seca como um deserto, e não vou nem falar da visão. Agora, audição? Alguém além do nosso querido amigo aí consegue escutar algo além das nossas vozes?

    mrrrmmmm… mrrrmmmm…

    Tá vindo… — murmurou Akemi, seu tom trazia a impressão de choque. Mas logo, esse medo foi ultrapassado pelo foco. — SUZUMURA!!! DESVIA!!!

    CRRUUUUMMMMM!!!

    O chão explodiu, e a luz azul novamente tirou os espaços da escuridão. Em um desvio ágil e deslizante, Minoru conseguiu se safar do ataque por baixo.

    As mandíbulas da criatura no ar abriram-se, sem emitir nenhum som além do quebrar do gelo.

    — Aí! Pode me chamar de Minoru! É mais rápido de pronunciar! — disse o rapaz com o corpo atento para novos movimentos.

    — C-certo! Você também pode me chamar de Akemi!

    — Parem de cerimônias e corram! — gritou Mayumi, iniciando uma corrida junto do grupo em direção ao portão, uma localização que não era de muito mistério.

    A criatura mergulhou ao interior do solo, seu próximo ataque era um novo suspense.

    De volta à escuridão, os jovens corriam lado a lado; porém, o mais afoito esforçava-se para acompanhar o ritmo. — O que a gente faz com aquela coisa?!

    — Talvez assim como o troll ele tenha um ponto fraco! — apontou Minoru.

    — Exato! Tudo tem um ponto fraco! Inclusive eu! Não posso ver um gatinho ronronar que eu fico molinha, molinha.

    — … E isso é hora de dizer uma coisa dessas, garota?!

    — Olha quem fala! Não era você quem estava se apresentando enquanto um monstro de 7 metros pairava na sua cabeça?

    — Foco, os dois! Precisamos escutar a próxima investida!

    NIKKO, NA SUA FRENTE!!!

    O monstro surgiu em um salto voraz, abrindo suas mandíbulas em um ataque frontal. Era rápido, mas Nikko, antecipada, superou. Por um instante eterno, a garota desafiou as leis da gravidade, inclinando o tronco para trás ao limite, o suficiente para que o monstro passasse a centímetros de seu rosto.

    O impacto da volta ao gelo gerou uma nova explosão de estilhaços, pedaços brilhantes que mantinham os últimos resquícios da luz azulada.

    A visão era quase bonita, se não fosse aterrorizante. Nikko, no entanto, não tinha tempo para admirar. A garota tentou retomar a postura quando a criatura passou… entretanto, seu tênis escorregou. — Âââh! — Ela se equilibrava com uma perna, mas a velocidade não ajudava. O gelo foi quem amorteceu o impacto. — Ai, nossa! Esse bicho gostou de mim, hein?

    Antes que Nikko conseguisse se levantar, ouviu-se a voz de Minoru. — Levanta, Ichikawa! Não perca o ritmo!

    — Ritmo? Eu lá tenho cara de patinadora, garoto!? — retrucou Nikko, aparentemente enquanto se levantava — mas bem que eu poderia aprender, né? Seria útil nessas situações.

    Eles continuaram correndo juntos.

    — Quase na outra extremidade da arena! Continuem! — gritou Mayumi.

    O monstro estava desaparecido novamente no gelo, deixando apenas o som de estalos que apenas Akemi podia escutar.

    SANADA, SUA ESQUERDA!!!

    Reagindo a mais um ataque por baixo, a ruiva de reflexos afiados girou sobre o calcanhar, desviando. A breve iluminação deu a perceber que uma parte pequena do gelo irrompido cortou o tornozelo exposto da garota, mas isso não a parou.

    O monstro escondeu-se, e o seu próximo alvo era certeiro.

    Ah, Akemi, o pobre garoto não era exatamente um exemplo de destreza ou coragem — pelo menos, não quando estava cara a cara com uma monstruosidade gelada.

    mrrrmmmm…

    Ele sentiu a criatura antes mesmo de vê-la. Seus instintos assumiram o controle. “AGORA SOU EU!!!”

    Tentando se concentrar, Akemi tropeçou, quase caindo, mas milagrosamente se manteve de pé. Abaixo de seus pés, o monstro estava próximo, tão perto que se podia imaginar o bafo gelado do predador.

    Com uma coragem que mais parecia covardia, o rapaz jogou-se no chão, escorregando de barriga como um pinguim improvisado. O bote falhou mais uma vez, mas havia uma outra chance.

    A criatura ainda no ar girou de forma antinatural, seu corpo não obedecia às regras usuais de ossos e músculos. A cauda e o tronco escamosos dobraram-se enquanto a cabeça grotesca mirava o rapaz no chão.

    Deslizando deitado, Akemi pressentiu o monstro mergulhando em sua direção; dentes desciam para transformá-lo em lanche.

    Contudo, perante o pânico absoluto, o surpreendente aconteceu.

    — N-não hoje! — gritou Akemi, embora sua voz saísse desesperada. Sem pensar, ele girou o corpo para o lado, mas não com a graça de um herói de ação, e sim, totalmente desengonçado. Incrivelmente, isso o livrou da morte à espreita, que passou como um trem fantasma; o vento gelado que acompanhou a passagem foi tão forte que bagunçou o cabelo castanho.

    De barriga no gelo, o rapaz viu-se salvo pelo desespero e pura sorte, sentindo-se ainda mais desamparado. — Hahaha! Isso foi… totalmente planejado! — murmurou ele para si mesmo, embora ninguém estivesse ouvindo direito.

    — Anda logo, Akemi! — A voz de Nikko mostrou-se distante.

    “Eles já estão tão longe assim?!”

    — Ei! Não me deixem pra trás!

    mrrrmmmm…

    “Ah, essa não…”

    CRRUUUUMMMMM!!!

    Como uma orca caçando uma foca em um iceberg, a criatura iniciou ataques subsequentes na busca de Akemi. O garoto não podia fazer mais nada além de tentar sobreviver com toda a destreza que “tinha”.

    AI, CARAMBA!!! ALGUÉM ME AJUDA AQUI!!!

    Um tanto distantes, os outros três do grupo analisavam o momento.

    — Acho que a gente devia ajudá-lo — propôs Nikko.

    — Nah, aquele cara consegue antecipar os ataques daquela coisa. Confio que ele consegue se virar.

    — Chegamos — anunciou Mayumi.

    Enquanto Akemi “se virava”, o grupo finalmente alcançou a extremidade oposta da arena. O grande portão de gelo destacava-se contra os lampejos azuis. Uma força áurica emanava dele, mas, para o grupo, era um alívio.

    — Então essa é a saída? — perguntou Minoru, com um sorriso de canto.

    Nikko passou na frente. — Só há uma maneira de saber! — Inicialmente, ela tentou empurrar a porta com as mãos, mas foi inútil. Sua segunda opção foi tentar empurrar com a lateral dos braços, usando toda a força do corpo. — Grrrr…! Nossa! Como isso não se mexe?!

    — É, com certeza deve ter uma chave.

    Em um canto do portão, Mayumi passou a mão pelo portão; estava percebendo relevos. — Parece que há ideogramas neste portão… — A ruiva tateava a meia altura do portão, da esquerda para a direita — “O Guardião do Silêncio… Hyokai.”

    Terminada a leitura, os jovens refletiram.

    — Hyokai? Então o nosso companheiro de gelo tem um nome.

    — Não só um nome como um título! Mas, eae, ruivinha? Algo a mais?

    — Sim, estão vendo? Há um buraco bem no meio do portão. Novamente, um formato hexagonal.

    — A chave? — perguntou Minoru.

    — Creio que seja. Mas onde essa estaria?

    — Gente! Quando fui atacada pela segunda vez, vi que os olhos da criatura tinham um formato parecido como este!

    Todos voltaram os olhares para o que seguia atacando Akemi, um pobre garoto que tentava desesperadamente desviar de ataques subterrâneos, correndo de um lado para o outro.

    Agora era possível notar que os reluzentes olhos de gelo atendiam ao que era suposto.

    — Talvez seja a resposta — comentou Minoru.

    — Legal! E como pegaremos aqueles olhos?

    — Algum de nós deve subir naquilo, mas aceitar um de seus ataques pode não ser uma boa ideia. Temos que alcançá-la no ar.

    — Gostei da ideia, Sanada. Talvez usando a aura da Ichikawa, conseguiremos ser impulsionados até lá.

    — O-olha, eu posso até tentar ajudar, mas… tenho que admitir que sem a minha arma, acabo ficando com um peso limite no qual eu conseguiria impulsionar algo. Sou pesada demais para me jogar ao ar com as próprias mãos. Esse garoto é muito alto, e a ruivinha…

    — Não é necessário mais ponderações. Fico feliz que compreenda minha relutância como cobaia dessa ideia.

    — Interessante. E quem mais poderíamos usar?

    O grupo se olhou por instantes, até que suas retinas foram atraídas pelo brilho anil, onde lá, Akemi continuava esbaforido e agoniado por ajuda.

    CRRUUUUMMMMM!!! CRRUUUUMMMMM!!!

    ALGUÉM FAZ ESSA COISA PARAR!!!

    Um riso assentiu a ideia de Minoru. — Acho que encontramos nossa alternativa…

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