Capítulo 55 – Revivendo histórias antigas
Após muitas intrigas, desafios e batalhas tanto físicas quanto psicológicas, o grupo Fênix finalmente chegou ao quinto andar, o penúltimo antes de Kyoko.
Como de costume, tudo continuava com a essência do gelo. Em volta, não dava para ver nada além de bambus e uma estrada de terra até o horizonte sem fim. Acima, uma luz transcendia a ideia de um sol próximo, era como estar à caminho de um santuário espiritual.
Junto aos companheiros, Minoru caminhava com as mãos atrás da cabeça, apesar de calmo, sua atenção era clara. — Não sei vocês, mas esse lugar me dá um mal pressentimento.
— Há tempos que não ando por um bosque de bambus, usava essas áreas para treinar o corte de uma espada, porém, não estava tudo congelado. Este chão também é bastante estranho, mesmo que seja gelo, está mais para uma areia entrando pela minha sandália.
— Pois é! Mas seja lá quem criou esse ambiente, a vista é maravilhosa! É um passeio tranquilo, não é, Akemi? — perguntou Nikko ao garoto atrás.
— Talvez…
— Qual ééé? Você anda borocoxô desde que saímos daquele labirinto. O que passa nessa sua cabecinha, hein?
— Não é nada, eu só… ando pensando em algumas coisas…
— Sendo assim… — Nikko virou-se, e com seu rosto alegre e confiante, encarou Akemi — você vai contar tudinho pra gente!
Os outros dois à frente também pararam, o foco estava no rapaz desconfortável.
— C-contar?
— Lembre-se de que somos um grupo, e se há um membro incomodado, devemos saber o que este indivíduo está sentindo!
Akemi começou a massagear o braço. — Olha, com todo o respeito, mas eu acho que seria uma perda de tempo preocupar com isso agora. Até porque esses problemas são coisas que quero resolver com o meu conselheiro.
— Uuh… então é uma conversa particular? — Nikko inclinou-se para olhar diretamente nos olhos do rapaz mais baixo — qual é o seu conselheiro da academia?!
— Meu conselheiro? Bom… é certo eu revelar?
— Claro que é! — A garota afastou o rosto e colocou os dedos delicadamente no centro do peito — por exemplo! O meu digníssimo e saudosíssimo conselheiro é o meu-
Cabisbaixo, Akemi não prestava atenção, as palavras chegavam abafadas em seus ouvidos. “Preciso muito conversar com o pai da Miyazaki, e aparentemente, esse caminho que estamos seguindo parece não ter fim, quanto tempo mais duraremos aqui?” Mas quando ele inclinou um pouco a cabeça para o lado. “Espera… o que é que…”
— É… pessoal, estão vendo aquilo?
Quando os olhares voltaram ao horizonte que haviam seguido, um amplo espaço circular em meio ao denso bambuzal foi revelado.
No coração daquela terra congelada e esquecida, bambus afastados temiam o que estava por vir, deixando à mostra um templo cerúleo ao fundo, onde o céu era cinzento como ferro gasto. Contudo, por trás daquelas nuvens carregadas, o “sol” insistia em brilhar, projetando lampejos de luz que destacavam a beleza azulada de uma paisagem entre a esperança e a desolação do espaço que previa um confronto épico.
— Haaah, legal — suspirou Minoru — agora entramos na história de uma lenda samurai.
— Talvez seja o seu ponto de conforto, né, ruivinha?
— Eu conheço aquele templo — afirmou Mayumi, seu rosto apesar de neutro continha uma admiração — provém de uma lenda asahiana, mas era apenas uma história conhecida por espadachins, talvez vocês nunca tenham ouvido antes.
— Realmente — dizia Minoru — vivi uma vida com monges e diversos tipos de sábios, mas nunca vi ou escutei algo que me lembrasse desse templo. Quem morava ali?
— Um ronin? Um espírito? Não importa a resposta que derem, a única certamente correta é que este templo era o lar de uma força implacável, a força de um homem que nasceu pra viver dos sentimentos mais sujos que traziam prazer. Dizem que seus olhos brilhavam como estrelas distantes, que sua armadura de ferro com panos negros o escondia nas sombras, e que suas habilidades eram representadas pelo uso simultâneo de três espadas com valores distintos.
— Ele possuía aura? — perguntou Akemi.
— Não, e esse foi o seu confinamento. Por ser trivial, ele foi tratado como impuro pelo seu clã de auras variadas, e perto dos dez anos de idade, foi banido de sua vila em Ousaka. Sua única companhia foi uma katana desgastada dada pelo seu pai, o homem que o pediu para buscar o significado da paz.
Minoru colocou as mão na barriga e riu. — Um trivial de dez anos aprendendo sobre paz e sobrevivendo em uma floresta de bambus? Tudo isso sozinho? Rá! Conta outra, garota!
— Exato, mas assim como você, ninguém esperava que aquela criança fosse tão dotada de inteligência e instinto de sobrevivência.
Nikko reluzia animação nos olhos e balançava as mãos fechadas. — E qual era o nome dele?!
— Ele não chegou a ser nomeado quando nasceu, mas contadores de histórias o chamam de Kenshi, o Caçador.
— O Caçador? — repetiu Akemi, imerso nos relatos.
— Correto, um título que é a representação de sua lenda. Tudo o que Kenshi conhecia além do bambu eram as armaduras, chalés, e dias de caça de seu clã, então, ele usou esses moldes para fazer suas próprias roupas, moradias e procurar comida. Com as lembranças de seu pai brandindo a espada, ele começou a treinar sozinho até aperfeiçoar seu corpo e alma contra os mais variados seres áuricos que ameaçavam sua paz.
Minoru ainda não continha o riso. — Ai ai, agora fala pra gente, o que esse cara entendeu sobre paz?
— Uma boa pergunta. Para ele, paz era o sentimento de estar literalmente sozinho, então, qualquer ser vivo que cruzasse o seu caminho era eliminado, um erro fatal que custou inúmeras vidas daquele bambuzal áurico. Porém, aos vinte e cinco anos, ele entreteu-se tanto com a adrenalina de causar mortes, que ceifar vidas denominadas poderosas transformou um homem sozinho e calmo em uma besta mutiladora, que desde criança, não esquecia de todo aquele ódio perante seu banimento. Os detalhes do abandono eram claros, o rosto de cada um que o reprimiu não se perdia em memórias. Mas Kenshi sabia que não estava pronto para voltar ao clã.
— Por quanto tempo ele continuou assim?
— O bastante para ser reconhecido. Com o passar do tempo, camponeses nas proximidades descobriram que a fauna áurica estava diminuindo drasticamente e tentaram investigar, mas quando chegaram na floresta de bambus e descobriram a existência de um ronin transtornado, já era tarde demais. Todos foram decapitados e tiveram as suas cabeças empaladas em bambus finos, um fato que repercutiu rapidamente até chegar nos ouvidos de shihais e áuricos da elite, e inclusive, o ex-clã de Kenshi.
— Um homem forte, isolado e com sede de vingança? Com certeza vivia sozinho — afirmou Akemi.
— Todos sabem que há até deuses que preferem se banhar de luxúria. Aquele guerreiro não só era temido, era amado… por muitas.
— Pera! Tá dizendo que ele tinha um harém? — indagou Minoru, seu clima não era mais de brincadeira.
— Exato. Um harém de kunoichis. Guerreiras letais e espiãs impecáveis, mulheres tão fortes que duvidar do poder delas poderia deixá-lo sem a língua… ou sem a cabeça, assim como Kenshi aparentava gostar.
Assim como os outros, Akemi não conseguia acreditar. — Mas qual é o sentido disso? Como ele poderia ter um harém se queria ficar isolado? Ele até matava quem ousasse se aproximar!
A informação era absurda, e realmente, como um homem isolado, afetado pelo desejo de ódio e vingança, conseguiria a companhia ou quem sabe até o amor verdadeiro de várias mulheres ao mesmo tempo?
— Essa é uma questão com várias respostas… eu particularmente gosto de uma, mas talvez você possa achar a legítima se perguntar para aquela alí — Mayumi apontou no alto, na direção da luz.
Algo vinha de cima.
Sem emitir som algum e de costas para a iluminação que representava o sol, uma silhueta feminina, baixa, esguia e dominada pelo preto, descia dos ares na pose dinâmica de um ninja.
O alvo era Akemi, o movimento final contava com o manuseio de duas kamas em ambas as mãos.
— I-ih! — Estar na mira do desconhecido logo o fez proteger o rosto.
Entretanto, a resposta foi rápida.
Em um salto após pegar embalo, Minoru girou no ar e desferiu um chute forte nas costas da silhueta antes que ela atingisse seu companheiro.
A aterrissagem do jovem foi estilosa, já a figura assassina voou longe até cair, rolar, e parar de bruços na terra de gelo diante do templo.
— Que que foi isso?! — Nikko arregalou os olhos quando notou a cena.
— Talvez uma das kunoichis de Kenshi — respondeu Mayumi.
Acreditava-se que aquele ataque viria de um ser consistente, com a furtividade treinada a níveis louváveis, porém, naquele momento, todos podiam ver a verdade: a figura era mais uma criação do gelo.
Minoru, batia as mãos para afastar a poeira gélida. — Acho que a nossa paz se foi, devemos ficar atentos a essas coisas.
A estátua derrubada somente deixava os olhos à mostra, o que deveria ser normal já que tratava-se de uma kunoichi com as vestes de quem se camufla na escuridão, porém, com as cores reluzentes do gelo. Nas costas dela, inúmeros tipos de armas, desde kunais até bastões, alimentavam o arsenal de combate.
“Essa é uma das mulheres que a Mayumi falou?! Era muito rápida! Se não fosse pelo Minoru eu não sei se estaria bem. Só que… que sensação é essa?”
O fatídico incômodo de estar sendo observado causou uma pontada na nuca; mas não era apenas um olhar pelas costas, parecia vir de todos os lados, como se as sombras espreitassem.
Quando Akemi finalmente decidiu verificar o que havia atrás de si, a cena que se revelou o fez recuar em passos lentos e cautelosos. — E-então, Minoru… em vez de achar, você deveria ter é certeza!
Todos ergueram a cabeça e avistaram inúmeros pontos azuis cintilando como olhos delicados nos vãos escuros entre os bambus. Eram olhos que observavam à distância, sem desviar o foco dos jovens… nem por um segundo.
Mayumi ajeitou o corpo e a espada, estava preparada para o próximo desafio. — Pelo visto a história terá que ficar pela metade…

– CURIOSIDADES DO MUNDO ÁURICO –
Há muito tempo, o nascimento de triviais excede o de áuricos. Então, o banimento de pessoas sem poderes de clãs formados por guerreiros com aura era bastante comum.
Os exilados normalmente aderiam-se à função de trabalhadores convencionais: camponeses, jardineiros, fazendeiros, até vendedores. Contudo, a ira marcou histórias de pessoas e até grupos que fixaram o seu propósito de vida como objetivo de vingança àqueles que lhes causaram dor e sofrimento.
Mas era óbvio, casos em que a negação de pessoas auto intituladas “superiores” não causasse rancor nos “inferiores” poderia ser rotineira; porém, após séculos e milênios sendo pisoteados, esses rancorosos treinaram e aperfeiçoaram a sobrevivência contra os mais fortes, criando armas e ferramentas que poderiam tirar a vida de qualquer mortal.
Chegou um ponto em que não seria mais possível subjugar triviais sem que o caos absoluto fosse instalado.
A dominação dos áuricos chegou ao fim no final do século XVII, quando governos, unidos, criaram o TEM (Tratado de Evolução Mútua). Esse tratado uniu áuricos e triviais na busca pelo desenvolvimento e construção das nações, utilizando suas capacidades mentais.
O TEM foi adotado por vários países ao longo do tempo, entretanto, algumas facções opressoras nunca deram trégua…
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