Índice de Capítulo

    Mayumi acomodou suas sandálias de madeira no arenoso solo azul; a estaca de gelo eterno assumia a postura de uma katana real.

    Kenshi, a estátua-viva de presença esmagadora, mantinha a sua nodachi1 na mão esquerda apontada diretamente para a garota; no punho direito, uma katana normal pronta; entre uma das bainhas, outra espada esperava sua vez de ser sacada.

    Mayumi sentia o olhar inotável do ronin sobre si. O tempo esticava-se naquele instante de análise silenciosa. “Ele é mais alto e robusto, mas uma nodachi exige muita força e precisão, há a possibilidade dos ataques saírem lentos, e se ele errar o tempo, posso achar uma brecha.”

    Kenshi lançou-se em um salto impulsionado; o primeiro golpe: um corte ascendente com a nodachi, vinha com uma potência assustadora.

    O ar assobiou e o espaço entre a aluna e a lâmina de gelo foi varrido por um rastro cerúleo: Mayumi esquivou-se para a esquerda, a longa espada parou no ar ao quase tocar sua pele.

    “Ele já esperava esse movimento.”

    Kenshi deslizou o pé direito e usou a outra katana para converter o ímpeto do golpe anterior em um corte horizontal.

    O som gélido quase metálico ressoou pelo ambiente, o gelo afiado acertou alvo.

    — Nada mal — murmurou Mayumi, ajeitando a pegada na espada improvisada que bloqueava a arma do adversário.

    Mesmo que a jovem não parecesse forte fisicamente, sua resistência ao aguentar a contra força de uma figura com quase o triplo do seu tamanho era surpreendente!

    Entretanto, nada daquilo faria a estátua regressar.

    Ao raspar o fio da katana na arma de Mayumi, o ronin aproveitou a nodachi suspensa e tentou um corte descendente.

    A mesma esquiva de antes era efetuada, o frio de uma lâmina passava rente a olhos verdes.

    “Como imaginei, ele usa esta para abrir a minha guarda… e depois.”

    Quando a grande espada foi cravada no solo, a segunda arma buscou uma estocada direta no abdômen da garota.

    Um bloqueio em dois tempos permitiu um breve afastamento.

    “Se ele ditar o ritmo, terei problemas com esta katana menor entrando. Devo achar uma janela para contra-atacar.”

    Kenshi atrasou um pé e posicionou as espadas.

    Mayumi soube naquele instante: suas ações estavam apenas sendo testadas. A única opção era também se preparar, então, como de costume da espadachim, a pose escolhida foi defensiva.

    Em mais um impulso rápido, o próximo ataque foi iniciado.

    “Devo encontrar um ponto cego.”

    Outra esquiva evitou o ataque ascendente… porém, de maneira diferente.

    Durante o desvio, daquela vez, para a direita, Mayumi, com as duas mãos firmes, preparava sua espada levantada; o musculoso braço esculpido pelo gelo deveria ser cortado.

    “Agora.”

    Mas quando fez…

    Crsshhhhhh

    “… Quebrou?”

    Ao ver sua arma improvisada partir-se em mil estilhaços, seus olhos esmeralda se arregalaram.

    O pior cenário virou realidade.

    Abaixo do chapéu de palha, Kenshi olhou diretamente para a jovem. Olhos azuis brilharam. Sequencialmente, a nodachi levantou a areia cristalina e cortou o ar onde Mayumi estava bem antes de inclinar o corpo para trás.

    Uma abertura surgiu, e a arma secundária iniciou um ataque de cima a baixo.

    Desequilibrada, a garota aceitou a queda do corpo, e ligeiramente, ao bater as costas, rolou para o lado e escapou do pior.

    O perigo formou-se. Enfrentar aquela estátua viva diretamente não mostrou-se uma ideia plausível. Dito e feito. Mayumi levantou-se e começou a correr em passos rápidos, deixando para trás um rastro de gelo revirado. Curiosamente, seu olhar era uma mistura de preocupação e concentração. O receio que sempre pairava sobre sua ex-espada virou realidade. “Ah, isso não é bom. Preciso encontrar outros meios!”, pensou ela, focada na corrida.

    Chegada uma certa distância, seu corpo deslizou e, instintivamente, virou-se e manteve-se alerta. A mente debatia, a respiração cedeu à irregularidade.

    De longe, observava-se o ronin parado com a nodachi suspensa lateralmente e a katana no solo, a visão de uma escultura samurai lendária.

    “Era de se esperar, aquela arma era inútil. Se não posso cortar, não posso defender, nem atacar. Desarmada me torno apenas um nada. Inaceitável… Talvez eu tenha que recorrer aos outros, mas… depender de aliados para algo que deveria ser somente minha responsabilidade… essa é uma ideia que rasga a honra de um Sanada. Mesmo assim, enfrentá-lo sozinha agora pode ser um erro fatal, e eu não posso me dar ao luxo de errar.”

    Se sua lâmina tortuosa já era ineficaz, como poderia vencer? Como poderia sequer sobreviver a essa luta? Reavaliar, buscar ajuda, reunir forças com os outros, todas essas alternativas seriam as melhores opções.

    “Talvez eu realmente tenha que voltar ago-”

    Mas antes que a linha de pensamento ganhasse forma, um som sutil interrompeu o passo retrógrado. 

    Kenshi mexeu-se, e ao virar-se para a garota, deslizou ambas as lâminas de volta às bainhas, o aço rangeu antes do clique final.

    “O que ele está fazendo?”

    Certamente, um movimento inesperado de um ronin acostumado a ataques incessantes, e o que veio a seguir foi ainda mais impensável: a katana inutilizada foi sacada e, sem receio, atirada na direção da desarmada.

    A espada voou vertiginosamente, um zunido áspero seguiu até a lâmina cravar-se bem à frente da que considerava fugir.

    Sustentada por uma empunhadura enfaixada, a lâmina reta marcada pelo desgaste implacável do tempo, chamava.

    Sem que Mayumi pudesse compreender por completo o ocorrido, Kenshi sacou novamente as duas espadas. A katana parou sobre seu ombro, enquanto a nodachi apontou mais uma vez à ruiva. A expressão do ronin permaneceu oculta sob o chapéu de palha, mas a mensagem era clara: o embate ainda estava de pé, e era somente ela quem ele queria.

    O maior erro: pensar em correr, fora cometido. O maior medo, deveria ser enfrentado.

    Não havia tempo para lamentações, uma solução precisava ser encontrada.

    Aquele era o momento para redimir.

    A garota suspirou fundo. — Correto, não tenho outra escolha — assentiu ela, caminhando até a espada fincada.

    A arma enviada foi aceita e analisada pela nova dona.

    “A espada com a experiência de mil batalhas, onde cada golpe ao longo das eras fora marcado em seu fio. Fascinante…” Mayumi brandiu brevemente a sua nova escudeira, e após recua-la na lateral da cintura e recuar um pé para selar a postura ofensiva, avançou.

    Os passos ligeiros guiaram um corte ascendente mirando o centro do samurai. Porém, antes que fosse atingido, Kenshi cruzou suas espadas em um bloqueio sem falhas e absorveu o impacto.

    O som do choque deu a entender que as armas do ronin tremeram brevemente. A nova arma era mais efetiva.

    A jovem dobrou levemente os joelhos e partiu para um corte lateral com a canhota.

    Kenshi usou a katana e rebateu o golpe.

    Embora o clima fosse frio, a batalha ficou mais quente… e Mayumi não queria esfria-la.

    Poucos instantes após o contato, a garota recompôs-se, girou sua lâmina e tentou uma estocada. Kenshi foi obrigado a deslocar sua postura para compensar, mas deixou escapar um fator crucial para sua vitória: a distância.

    Manter-se próxima do adversário florescia uma vantagem mínima para Mayumi: a lâmina maior de difícil manejo a curtas distâncias estava anulada.

    A partir dali, Kenshi só poderia usar a katana para defender-se dos ataques velozes de uma espadachim canhota, que não parava de avançar e obrigar o rival a recuar cada vez mais.

    Uma dança de espadas percorria em frente ao templo congelado. A representação glacial do aço contra aço reverberava.

    “Não posso deixá-lo afastar-se de mim, não posso parar nem por um milésimo. Foco.”

    No entanto, à medida que os ataques se sucediam, Kenshi parecia acostumar-se cada vez mais à frequência da luta. Defesas tornavam-se mais naturais, investidas perdiam intensidade.

    Uma batalha para ver quem quebrava a postura do outro primeiro era travada, o ronin estava ganhando.

    Mayumi captou a mudança de ritmo instantaneamente. O teste de habilidades transformou-se no aquecimento para finalização.

    “Eu deveria usar as duas mãos para aumentar a força, mas se eu optar por isso, perderei velocidade.”

    Lâminas encontravam-se de novo e de novo, aço contra aço. Faíscas azuis dispersavam-se, os ataques eram velozes, os bloqueios eram reflexos afiados pela necessidade de sobreviver. 

    Contudo, um fim estava próximo.

    Diferente de uma estátua áurica sem emoções, a humana sentia a pressão de ver o próprio ritmo diminuir drasticamente. “Vamos, preciso de um único golpe certeiro!”

    Kenshi achou uma janela.

    A katana menor tentou acertar o alto do torso protegido por fios carmesins, forçando Mayumi recuar para evitar ser eliminada. Seguidamente, o ronin trouxe as duas espadas em um golpe vertical por cima.

    O reflexo veio no último instante; ambas as mãos humanas uniram forças para um bloqueio horizontal. O ar comprimiu-se entre as lâminas acima de uma cabeça, o solo arenoso espaço-se pelo impacto.

    Os olhos esmeraldas finalmente puderam mirar nos brilhos azuis no rosto escuro abaixo do chapéu de palha.

    Naquele instante de equilíbrio, forças testavam-se.

    Os músculos do guerreiro de ar fantasmagórico não se relaxavam e pressionavam mais. 

    Mayumi absorvia o peso avassalador sobre seu corpo; suas pernas afundavam levemente, a tensão espalhava-se por seus ombros.

    Ela mordeu os lábios. “Se ele quisesse, já teria me esmagado.”

    O sentimento de incapacidade afetava sua mente, ver aquele colosso esbanjando toda sua superioridade em uma luta de corpos desproporcionais extraia um sentimento irritadiço de uma conhecida pela serenidade no olhar e nas palavras. 

    Por mais que quisesse, suportar toda aquela pressão por mais tempo seria impossível para uma áurica que reservava seus poderes, então, por que aquela estátua não apenas terminava a luta? 

    A resposta só poderia estar na busca pelo máximo da aluna…

    Cansado daquele bloqueio, o ronin retraiu as armas e usou a ombreira de sua armadura despedaçada para empurrar a adversária para longe.

    Quando a combatente caiu, Kenshi não atacou de imediato, mas avaliava, media-a como se calculasse o verdadeiro alcance das habilidades dela.

    Logo, Mayumi levantou-se. “Arg, isso é patético”, um fio de suor desceu pela têmpora. “Ele praticamente dominou a luta inteira desde o primeiro movimento. Somente ele consegue forçar esquivas… Não posso continuar assim.” Era preciso mudar a abordagem antes que Kenshi tomasse o ritmo completo do combate; para isso, a jovem começou a observar a própria arma repousada em suas mãos. “Esta katana reta em minha posse, mesmo usada, é fácil de manejar e bastante leve. Impressionante. Quem dera não fosse de outro dono…”, o agarre da empunhadura enfaixada teve a força ampliada. “Mas… não sou eu quem devo confiar totalmente nela… é ela quem precisa confiar tudo em mim…”

    A katana de aspecto desgastado foi erguida pela mão canhota e ajeitada horizontalmente acima dos cabelos ruivos em um ângulo defensivo ao adversário. A mão destra seguiu a direção e estendeu-se esbeltamente para frente com a palma virada para cima.

    Olhos fecharam.

    “Devo me unir de forma definitiva a esta espada. Compreendi suas fraquezas, agora, preciso forjar suas capacidades…”

    Mayumi esperava mais um ataque para contra-atacar, seu semblante, apesar dos olhos cerrados, estava preparado… Porém, não era exatamente isso que passava na sua mente.

    Calmamente, a ponta de sua lâmina desceu; o paradeiro: a mão livre suspensa.

    “Assim como a folha se entrega à corrente do lago, devo permitir que a lâmina conheça minha pele.”

    O fio de corte passava lentamente pela pálida e delicada palma aberta. Tratava-se de uma espada antiga suficiente para transformar aquele simples toque em ferimentos, tudo dependia da dosagem de força.

    Quando o guarda-mão encontrou uma barreira, restava analisar se o plano a ser feito era o correto.

    “Faz muito tempo desde a última vez… mas se o fio não corta, eu devo fazê-lo cortar.”

    O foco dos olhos verdes firmou-se, e em um movimento transversal para trás, o fio desgastado rasgou a carne entre o indicador e o dedão da mão direita. O sangue escorreu do corte profundo e encharcou o fio da lâmina.

    Novamente, percebeu-se que aquele fluido não era comum: o brilho seguia intenso, como tinta carmesim recém-derramada sobre o celeste reluzente da espada.

    Havia algo de hipnótico naquela cor vívida, uma força latente despertada, talvez, a verdadeira essência de uma aura sanguínea…

    A garota respirava forte e mantinha-se na defensiva, segurando a espada recuada com a mão dominante e suspendendo outra palma ensanguentada. A dor do corte foi superada.

    Kenshi notou que a aluna, aparentemente, mostrava-se mais preparada, mais forte, e principalmente, apta a atacar.

    Mas ele foi quem atacou primeiro…

    O mundo dissolveu-se em velocidade quando Kenshi impulsionou-se para frente em uma estocada certeira com a nodachi.

    Era isso que Mayumi precisava.

    “O único caminho… é para frente…”

    Ela não recuou diante do golpe, em vez disso, avançou.

    A lâmina de gelo eterno banhada por sangue áurico deslizou pela nodachi, raspando seu gume como se fosse a casca de uma fruta.

    Os primeiros indícios de que a situação havia mudado apareceram.

    Uma abertura ínfima foi encontrada durante o contragolpe, e com um único movimento, o som de um corte ecoou quando os combatentes atravessaram-se e, de costas um para o outro, pararam e renderam-se ao silêncio…

    Então, como vidro estalando, um leve brilho vermelho irradiou do peito de Kenshi que, ao abaixar a cabeça, observou o próprio peito rachado por um corte diagonal onde a armadura não protegia. Ele virou o rosto, e olhando acima dos ombros, analisou Mayumi, a garota que havia acabado de cruzar a linha.

    Mas não foi só isso.

    Repentinamente, o brilho percorreu todo o corpo do ronin, fissuras abriram-se como se o gelo estivesse rachando sob as ramificações infernais.

    O som de estalos intensificou-se, e quando Kenshi percebeu o inevitável, já era tarde demais.

    Num instante, toda a estrutura do ronin… despedaçou-se. Daquele guerreiro de gelo, restou apenas cacos brilhantes espalhados pelo chão.

    Mayumi permanecia de pé, passando o dedo pela lateral da lâmina.

    O gume impregnado por sangue provou a capacidade da áurica de olhos concentrados.

    A batalha havia terminado, a garota era a vitoriosa.

    Todavia, a guerra estava longe de acabar.

    RUIVINHA!!!

    1. Uma espada asahiana longa, uma arma de campo de batalha maior que a katana.[]
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