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    Minoru perdeu força, o ferimento aberto em seu peito jorrava sangue sem controle. Se ele tombasse para trás, não haveria volta. 

    — N-não! — Akemi colocou um joelho no chão e segurou o companheiro pelos ombros, sustentando-o com o máximo que conseguia. Mas quanta firmeza um corpo trêmulo poderia oferecer? — Minoru! Você tá bem?! Consegue me escutar?!

    Cof. Com você gritando desse jeito, fica difícil de não ouvir.

    Os olhos de Akemi tremiam, ofuscados pela imagem de Minoru à beira da inconsciência. “Isso não pode tá acontecendo… Isso é real?! Ele realmente foi atingido?! Não, não, os instrutores… eles não deixariam um de nós morrer assim, né?! Mas… por que ele fez isso?!” 

    — Por que entrou na minha frente?! Você não precisava agir dessa forma! Podia ter me deixado tomar as dores!

    — Olha, cara. Cof. De onde eu venho, somos criados para sermos protetores, independente da região, raça ou religião. Somos um grupo, então tenho o dever de ajudar. Cof.

    — Mesmo assim, era mais fácil me perder do que perder você!

    Após mais uma tossida, Minoru abriu um sorriso. — Cof. Sabe… Não me leve a mal, mas… você me lembra pessoas que não fui capaz de salvar. Depois de certos apertos que você passa na vida, o tanto que você treina pra não errar de novo faz esse furinho não parecer nada, ha ha.

    — Minoru…

    — Fica tranquilo, o que eu fiz não é nada mais do que instintivo. Além do mais, você está sendo muito egoísta por não me deixar sentir a sensação de realmente conseguir proteger alguém.

    — Não, não, não, você não pode morrer! Não por minha culpa! — Subitamente, a culpa golpeou Akemi com uma força impossível de suportar. “Eu tenho que pedir ajuda, mas…” Desesperado, ele olhava para os lados à procura de qualquer sinal de escapatória… Nada, somente era possível ver mais kunoichis cercando e se aproximando lentamente, com suas lâminas refletindo a luz pálida da morte. O pavor que atrapalhava sua mente o fez fechar os olhos…

    Em outra batalha não tão distante, Nikko lutava entre as adversárias com um sorriso determinado. Sua barra de gelo zunia e deixava trilhas geladas no rastro das fortes ventanias. 

    O combate era incessante.

    — E lá se vai uma! Outra! Eeee… mais uma! — Pelo visto, ela gostava do que fazia. — He hiii! Isso tá fácil demais! Sério, é só isso que vocês têm? Esperava mais do que só essas poses de malvadonas! — zombou a garota, com um movimento ágil para reposicionar. “Nossa, isso chega a ser terapêutico! Aposto que os outros estão se divertin-”, Entretanto, sua concentração no combate se foi quando seus olhos voltaram.

    A vista apagou qualquer resquício de diversão: Minoru, ajoelhado, com o peito sangrando tanto quanto a boca; atrás, Akemi não queria nem olhar o que viria a seguir.

    Nikko parou, seu sorriso se desfez, os brilhos verdes em seus olhos fraquejaram. “O quê…?”

    Uma das kunoichis tentou aproveitar a distração para atingi-la com um corte, mas Nikko? Já não era mais a mesma.

    A garota apertou o bastão com mais força, sua reação veio no último segundo: a arma de gelo bloqueou o ataque. A urgência queimava no olhar, e a única coisa clara era uma verdade inegável: se juntar aos aliados o quanto antes…

    Akemi aproximou Minoru contra si. O calor do sangue amigo era real demais. — Aguenta firme, cara…

    O ferido queria dizer algo, mas uma tosse escorreu mais sangue.

    Ambos observavam as kunoichis se aproximando, uma nova realidade vinha à tona.

    Uma das estátuas preparou o primeiro ataque. A lâmina avançou; porém, somente o ar, encontrou.

    Fwooshh!

    Uma densa corrente de vento separou as kunoichis do restante do grupo, erguidas contra sua vontade. No meio do turbilhão, Nikko deslizou baixo até pousar com uma perna estendida, uma mão apoiada no chão e a outra segurando o bastão. Logo, ela ergueu-se e começou a girar a arma velozmente entre os dedos, de um lado para o outro, preparando-se para proteger os companheiros atrás dela das milhares de estátuas que vinham.

    A concentração e seriedade no seu rosto era algo nunca antes visto de uma garota tão descontraída. Ela estava diferente.

    — N-Nikko?

    A jovem continuava rodando o bastão, o vento ao seu redor ficava mais forte a cada movimento. — Me desculpem pela demora… — Fw-Fwooooosssshhhhh! Com meio giro para um lado e um giro completo para o outro, o ar acumulado liberou dois tufões que seguiram uma trajetória curva até se unirem em uma força maior.

    O grande ciclone formado iniciou um traçado de estraçalho à todas as kunoichis restantes, levantando-as em voos até se tornarem brilhos azuis entre o cinza escuro.

    Cabelos balançavam pelo vento uivante que agia em defesa do grupo. Akemi via a cena com brilho nos olhos, pois nunca imaginara a força daquela garota. Talvez, o problema pudesse ser resolvido em instantes, mas a negligência e a falta de experiência de alguns ocasionou um desastre inesperado.

    Aprendizados vêm com erros…

    O ciclone desvaneceu-se quando todas as estátuas foram destruídas. Mas não havia espaço para acalmar os ânimos.

    Nikko largou o bastão e virou-se rapidamente, ajoelhando-se ao lado de Minoru, que, embora ofegante e de olhos fechados, ainda estava consciente.

    — O que aconteceu aqui?

    — O Minoru… eu estava em perigo e ele me salvou em troca de ser perfurado por uma espada…

    Nikko ergueu-se e começou a tirar os tênis. — Por que não pediu socorro antes?

    A pergunta atingiu Akemi em cheio, e seus olhos, já úmidos, reluziram ainda mais, prestes a transbordar. Apesar da pergunta simples, dizer a resposta poderia ser o maior desafio para um garoto que nunca passou por uma situação tão controversa. — Ah-m… eu não sei, eu… queria ajudar… Foi tudo culpa mi-

    — Argh, chega! — bradou ela quando tirou os próprios meiões — não temos tempo pra discutir culpa. Anda, pega isso e me ajuda a tapar esse buraco!

    — C-certo!

    — Eles são de um material bem elástico, então podem ser úteis — comentou a garota, enquanto amarrava as extremidades.

    Com o esforço dos dois, o ferimento foi coberto.

    — Ah, não…

    Todavia, o sangue continuava.

    — Não tem jeito, ele precisa de assistência médica urgente — a seriedade na voz de Nikko chegou a amedrontar.

    — M-ma-mas como a gente pode ajuda-?

    Crsshhhhh…!

    O som de mil pedaços de vidro se partindo alcançou os ouvidos dos jovens, e ao desviarem os olhares, lá encontraram Mayumi, a vencedora que passava os dedos banhados em sangue na sua nova katana ao derrotar o oponente maior.

    Nikko, sem durar mais um milésimo apreciando a energia vitoriosa da companheira, agiu. — RUIVINHA!!!

    Mesmo chamada pelo apelido, Mayumi percebeu a veracidade da voz. Ela virou o rosto, e assim pôde ver a situação.

    Com a katana de gelo em mãos, passos rápidos foram dados até que o problema fosse alcançado…

    — Ruivinha, ele foi perfurado por uma espada e não para de sangrar. Consegue ajudá-lo?

    Perto de Minoru, Mayumi também flexionou os joelhos para analisar. — … Precisamos estancar esse sangramento. Consegue me ouvir, Suzumura?

    De olhos fechados, o rapaz respondeu com um único aceno de cabeça.

    — Correto. O que vai acontecer agora pode ser um pouco desconfortável, mas você precisa confiar em mim.

    O silêncio serviu como uma resposta positiva.

    — Abra a boca.

    Minoru realizou o pedido, e em sequência, Mayumi estendeu o braço com a mão cerrada. O sangue na palma, causado pelo corte da katana de gelo em sua batalha anterior, ainda escorria.

    — Agora, preciso que você beba isso — a garota apertou os dedos com mais força, e o próprio sangue escapou entre eles como o suco rubro de uma fruta esmagada.

    O rapaz não tinha outra escolha a não ser beber.

    — Ruivinha! Onde você se cortou assim?!

    — Em certas batalhas, o verdadeiro valor não está em vencer com preservação, às vezes é necessário se sacrificar. Percebi que se eu não usar minha aura, não serei útil nesta academia. A partir de agora, tomarei reconhecimento de tudo com novos olhos.

    — Ele irá melhor com isso? — perguntou Akemi, preocupado.

    Quando o sangue parou, Mayumi recuou a mão. — Não tenho certeza, tenho que checar a integridade dos órgãos dele — ela fixou ainda mais os olhos em Minoru. — Suzumura, preciso que você puxe todo o ar.

    A ruiva fechou os olhos e pousou a mão no abdômen do companheiro. — Isso mesmo. Inspire e expire devagar… preciso que meu sangue flua com o seu — seu semblante continha o foco absoluto, os músculos do rosto levemente retesados pela exigência da técnica revelavam isso. “Consigo percorrer o corpo dele… analisar o ferimento por dentro.” Um fio de preocupação passou por sua mente. “Porém, se algum órgão vital foi atingido, não poderei fazer milagres.”

    — Mayumi… e então?

    — Ruivinha?

    — … Ele ficará bem — revelou Mayumi ao abrir os olhos com um sorriso confiante.

    — Ufa… — aliviaram-se os dois preocupados.

    — Por sorte, a perfuração passou por um espaço mínimo entre o coração e a ponta do fígado, nenhum ponto vital foi afetado… Se sente melhor, Suzumura?

    — Haaah, sim, as fraquezas diminuíram. Mas me diz ai, que magia você usou, hein?

    — Apenas reabasteci o sangue que você perdeu. Seu corpo ainda está debilitado, então não force demais.

    — E o seu sangue misturado no meu não pode me dar problema?

    — Meu sangue pode não ser universal, mas não precisa se fundir ao seu para cumprir seu papel. Ele está circulando pelo seu corpo, levando oxigênio e nutrientes onde são necessários, além de estancar a hemorragia do seu peito. No entanto, essa técnica não passa de uma solução temporária. Assim que sairmos daqui, será crucial que você receba o tratamento adequado de especialistas.

    — E onde tá a saída?

    — Notei que aquele templo tem uma passagem ascendente atrás, talvez seja uma escada para o último andar.

    — Ah, legal, não vejo a hora de vazar daqui… argh — desabafou Minoru, tentando se levantar.

    — Ow, espera aí, garoto! — alertou Nikko, recolocando os sapatos — não vai se arrastar até lá sozinho, né? — Ela usou os ombros para sustentar o peso do companheiro.

    Mayumi observava Nikko e Minoru caminhando em direção ao templo. Seu olhar fixo nos dois carregava um alívio discreto, mas verdadeiro. Se havia algo que aquela situação reforçava, era a necessidade do uso da aura, sem ela, não haveria salvação.

    “A situação pode se tornar ainda mais perigosa para os alunos que tiverem suas auras debilitadas,” pensava a ruiva, “esses não têm a mesma força dos que podem confiar no próprio poder a qualquer momento para se proteger… mas, ao mesmo tempo, a maioria dos áuricos treinados só causam dores…” Ela suspirou em silêncio. “Imagino como seria o mundo se não houvesse essa maldição, quem sabe… poderíamos viver em paz e sermos mais felizes.” A tristeza invadiu seu peito por um instante, mas logo se afastou, não permitindo que aquela melancolia a consumisse por completo.

    Mas seus pensamentos foram interrompidos por um som inesperado: um choramingo.

    Mayumi franziu a testa; na cabeça dela, o momento havia se acalmado: Minoru foi tratado, Nikko permanecia firme, e ela mesma acabara de resolver sua batalha. Não havia motivo para alguém chorar agora.

    Porém, aquele som era sufocado, típico de quem havia atravessado o limite da racionalidade e se afundava em desespero.

    Ela olhou para trás.

    Akemi estava sentado, de corpo encolhido e mãos na cabeça como se tentasse arrancar um tormento.

    A resposta ficou óbvia: ele precisava de ajuda tanto quanto Minoru.

    Ainda armada, a ruiva se aproximou, e ao parar diante do garoto, olhando-o de cima a baixo, disse sem rodeios: — Levante-se. Precisamos seguir com o desafio.

    snif… E-eu não posso seguir com vocês…

    — … Não pode seguir com a gente, ahn?

    snif… Podem pensar o que for, mas eu não tenho condições de acompanhá-los, snif… Se for pra causar problemas em todas as vezes que tivermos que passar por situações de vida ou morte por minha causa… é melhor que eu fique por aqui.

    O olhar de Mayumi se estreitou. — Entendo…

    O silêncio surgiu entre os dois. Akemi manteve os olhos grudados no chão, incapaz de encarar qualquer coisa ao seu redor. Seus ombros tremiam.

    — M-mas eu… eu tentei…! — a voz dele quebrou — eu juro que tentei! Mas no momento crucial… eu… não consegui agir! O Minoru… ele quase morreu por minha culpa! Eu queria salvar alguém pela primeira vez! Eu queria ser útil! Mas tudo o que fiz foi me tornar um fardo de novo!

    A cada palavra dita, seu peito afundava ainda mais em angústia. Ele não queria mais ser assim, mas também não via um caminho de luz.

    Sua sensação era de que não era possível mudar.

    — Eu sempre sonhei em estar aqui, mas não imaginei que poderia passar por situações tão perigosas assim. Eu sei que parece até que eu sou uma criança quando digo que pensava as coisas assim, mas… eu realmente nunca pensei que era eu quem poderia estar do lado da moeda da pessoa que não está lá para salvar os outros e sim ser ajudado! A verdade é que eu nem consegui reconhecer a situação e pedir ajuda direito! Isso quase custou a vida de alguém! — Seus dedos agarraram os cabelos com força, soluços voltaram a atrapalhar sua fala. — Eu… eu prometi… snif… prometi que seguiria em frente. Mas eu não estou conseguindo! Eu não sei quando isso vai mudar! Eu não sei quando eu vou mudar! Eu… eu preciso de um tempo…

    Mayumi escutou tudo, sem uma única interrupção. Seus olhos sérios não demonstravam qualquer compaixão forçada, apenas análise.

    Então, ela se agachou na frente do desespero em pessoa.

    Seu braço se ergueu. Sua palma se abriu. Por fim, o vento passou pelo espaço entre os dois.

    O estalo do tapa ecoou pelo local.

    A cabeça de Akemi virou para o lado, o choque estampou-se no olhar arregalado. A ardência na bochecha era intensa. As lágrimas que caíam pararam sem que ele percebesse.

    — P-por que…? — murmurou, os dedos tocando o local atingido.

    Mayumi jogou a espada para longe e deu um passo à frente, apontando um dedo na cara dele. — Porque você é deplorável! — Sua voz, pela primeira vez, se contrariava em ira. — Você se encolhe, reclama, se afoga em um poço de autopiedade, e ainda tem a audácia de esperar que por um milagre tudo mude sozinho?!

    Akemi tremeu a boca, mas a garota abriu os braços e não deu espaço para réplica.

    — Sabe como você pode mudar?! Com atitude! Você acha que precisa de uma aura funcional para isso? Você acha que o que te atrapalha é o fato de não ter um poder ou uma personalidade forte?! Seu maior inimigo não é a falta de aura, Akemi Aburaya! Seu maior inimigo é você mesmo!

    O garoto estremeceu.

    — Você realmente acha que precisa esperar o desafio acabar? Que precisa esperar pelo amanhã para mudar? A mudança precisa acontecer agora! Neste exato instante! — A garota abaixou-se, seus olhos penetraram os dele com ferocidade. — E não se iluda. Aqui, ninguém se importa com quem é o elo mais fraco, até porque, não sabemos de onde você veio, quem te moldou, como você foi criado, tampouco como chegou nesta academia, o que sabemos é que, do jeito que está, chorando e se queixando de problemas que foram feitos para serem superados por soldados, seu destino aqui é claro: fracasso!

    O olhar afiado manteve-se por mais alguns segundos, até virar-se.

    Sem mais uma palavra, a ruiva começou a caminhar em direção ao templo.

    Akemi ficou para trás. Seu coração pulsava forte.

    Ele sentia vergonha, sentia medo, sentia tudo aquilo se misturando em um redemoinho que parecia sufocá-lo.

    Mas, acima de tudo… sentia uma escolha se formando diante dele.

    Agir…

    Ou ficar.

    O que ele faria?

    Akemi fechou os olhos por um segundo. O tapa ainda queimava, mas algo dentro dele queimava ainda mais.

    Finalmente, ele levantou.

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