Capítulo 76 - ... a chama, ascende...
Akemi recuou impercebidamente; seus nervos elétricos faiscavam descontroladamente com calor aumentando. “É aquela forma de novo! Parece uma entidade de poder primordial! Só que… ela está me tirando o controle como se fosse um sol enaltecendo minha energia!”
Jin parou o processo de desmaterialização; quando lentamente voltou o olhar, percebeu:
Aquilo não deveria ser possível. Faltava algo. Algo que a daria aquele poder.
Uma curiosidade genuína brotou no militar. — Conseguiu alcançar a eternidade… sem a jóia? — Um brilho febril renasceu um prazer de guerra há muito adormecido, misturando uma emoção antiga na voz rouca e poderosa de um militar que falava consigo mesmo. — Oh, sim! Sempre procuro testar-me contra outro igual! As oportunidades foram poucas, mas cada uma delas… memorável! Uma batalha entre auras eternas. Vento e Fogo. Nada pode anulá-las exceto elas mesmas!
O marechal se perdeu por instantes no devaneio, a sede por um combate lendário mal cabia em suas palavras.
Através do véu de fogo que escondia o sangue em seu ombro, Miya não precisava dizer mais nada: seu rival já havia aceitado a proposta de continuar.
A determinação abriu um sorriso em Jin e o desapareceu no ar.
O chão estremeceu, e a vinte metros acima, a noite se contorceu.
Borrando a visão das estrelas, correntes de ar, vívidas como rios de vidro, arrancaram-se do horizonte e compeliram-se em espirais colossais e vertiginosos expandido do centro à todas as paredes do campo.
Eram ciclones que dominavam os arredores, causando uma tempestade de vento altamente capaz de triturar terras, sonhos e vidas, trazendo a onipresença convertida em uma voz divinamente poderosa. — Sua determinação me agrada, garota… Muito bem!
Os vórtices aceleraram, zunindo ensurdecedoramente.

Akemi perdeu a segurança, mas tirou os olhos do céu. “O que diabos é isso!? Ele enlouqueceu!? Ele pode fazer uma coisa dessas dentro da academia!? Aliás, não tem ninguém vendo isso pra interferir!?”
— Lançarei um desafio, Miyazaki! — A silhueta escura de Jin trovejou entre o caos nos céus — se permanecer de pé ao meu próximo ataque, voltarei em outro momento, bem quando defenderemos nossos ideais. Estarei ansioso esperando, claro, a depender da senhorita… pois! Se não aguentar, me retirarei da mesma forma… e espero jamais vê-la em meu caminho novamente, se não, terei de orquestrar o mesmo tratamento que ofereci antes à alguém que era importante pra você.
Embora a crueldade da ameaça, a forma de fogo permanecia focada somente no próximo ataque.
— Mostre-me se é digna de empunhar a chama que nunca se apaga!
No núcleo dos ciclones, brilhos translúcidas se adensaram1 em corpo semissólido, e bruscamente, como se o próprio céu tivesse apontado o alvo, os clarões se dispararam e convergiram para o centro acima de Miya. Daquele ponto único, um cometa de vento nasceu e foi lançado em queda livre, espiralando até o solo, em busca da chama que ardia.
Akemi via encantado cada detalhe da descida em giros contínuos e promessas de devastação. “Minha visão está acelerada, mas meu corpo não se mexe… Estou lento demais, a mesma sensação de quando acompanhei a velocidade da luz de Hikaru, mas porquê eu me sinto tão mais lento…? Será que Miya vê o mesmo?”
Em postura marcial, a chama sentia-se com todo o tempo do mundo para que se lembrasse do quão se preparou para aquele momento. O rosto da mãe sob a manhã dourada, o suor caindo do treino, os gestos corrigidos sem palavras, apenas por olhares e movimentos.
O cometa descia, a distância, encurtava.
“É difícil lutar contra o que não se enxerga”, Miya trazia o raciocínio que tinha desde a infância. “Fui atacada por lâminas, ondas, redomas. Enquanto isso, real oponente nunca se mostrou por inteiro. Mas a visão é apenas detalhe… Preciso sentí-lo.”
Na iminência do impacto, a silhueta alta, rígida e voraz de Jin, erguendo o punho fechado que procurava esmagar, ficou visível entre os véus do cometa de vento.
O júbilo percorreu o rosto flamejante. “Eu… consegui. Alcancei um patamar que só sonhava. Agora posso vê-lo por inteiro, como um oponente igual”, o reconhecimento de que havia transposto os limites da sua percepção a arrebatava. No entanto, o teste ainda não estava encerrado: naquele espaço em que os segundos se esticavam, era preciso uma resposta àquele ataque.
A mão direita, reta e espalmada, recuou e avançou, carregando a intensidade de um sol. As chamas expandiram-se em estilhaços escarlates e atravessaram o corpo translúcido do cometa, rasgando a muralha aérea como se fosse fumaça inofensiva.
O golpe buscava apenas um ponto: o centro do peito de Jin, onde num acerto, a labareda queimaria a farda branca e perfuraria o coração do marechal.
Os olhos amarelos incandescentes estavam frios, mas um detalhe imperceptível latejava sob a pele abrasada:
Aceitação.
Por trás da rigidez marcial, Miya sabia que não seria suficiente. A intuição lembrava-a de que a eternidade do fogo exigia mais que apenas ferir.
O cometa fragmentou-se num movimento impossível de seguir e desapareceu da linha ofensiva do fogo. Miya pressentiu, mas sempre teve em mente que nunca reagiria a tempo. O turbilhão translocou-se às suas costas, e junto dele, Jin.
O punho, envolto pela energia do vento e trazendo consigo toda a tempestade espiral acima em um só ponto, desceu como o veredito de um deus.
F-PWOSHHH!!!
Metaforicamente, os céu de ciclones desoladores caiu nas costas de uma só pessoa, reverberando o sopro estridente do vento em pressão e vibrando o solo com rachaduras estendidas em linhas tortas.
Rodeado pela poeira levantada, Akemi desabou no chão do alto do dojô, sua eletricidade foi-se, e por instantes, sua crença era de que havia sido soterrado junto da companheira; mas rapidamente voltou à preocupação e forçou-se a rastejar para onde podia enxergar o desfecho do embate. Quando finalmente conseguiu enxergar o centro da arena, seu coração travou. “Não, não… Não pode ser…”
Sob o céu normalizado, Miya mantinha-se na postura do ataque anterior, em pé; porém, a chama havia desaparecido, restando apenas sua figura exausta e ensanguentada, olhos vazios, e um corpo, que embora isento do tremor, estava prestes a despencar.
Atrás dela, Jin via-se quase intacto: uma única manga da farda branca se rompera com o ataque. — Hm… impressionante — murmurou o militar, reabotoando-se — ainda de pé, Miyazaki? — perguntou ele, pondo-se em descansar.
Akemi se enfurecia com a crueldade vista de longe. “Urr, o que ele quer agora!? Por que não aparece ninguém aqui!? Essa tranquilidade em uma ocasião como essa mais me irrita do que confunde, mas não entendo porquê que ele não vai embora logo!”
— Você está viva agora pois carrega o privilégio de uma aura rara. E se pensa que está superando limites, está muito enganada, afinal, de que serve uma chama que se recusa a apagar, se ela não percebe que ilumina somente a própria queda?
Não havia sinal de resposta da jovem além do sangue que secava em sua pele.
O marechal suspirou e fechou os olhos. — Insolentes… sempre insolentes. Miyazakis acreditam que basta desafiar o adversário para que tenham respeito, mas no fim, todos caem com um simples toque no ego. — Quando abriu os olhos, pôs frieza na voz. — Por mais que tente agir diferente, você não é exceção…
- tornar(-se) mais denso, mais espesso, mais compacto.[↩]
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