Capítulo 77 - … e o desfecho, se cala.
Sentindo-se inteiro e com ar de vitorioso, Jin lentamente caminhava para que finalmente acelerasse a queda da garota com um empurrão pelas costas e concluísse o embate.
“Não… Não posso deixar que ele toque nela!” Faiscando, Akemi correu para descer a escadaria. Mas nunca chegaria a tempo. — Miya! Reaja! Não permita que ele te derrube! — Mais uma tentativa inútil.
O marechal estava convicto do que pensava ser uma reles vitória, pois simplesmente adicionaria outro nome de uma lista interminável de derrotados.
O objetivo era somente derrubá-la… e ir embora.
Todavia, desde o princípio, havia algo que jamais o convenceu: por que uma simples garota, ainda que privilegiada por um status elevado e por um poder de linhagem, ousaria desafiar tudo o que um shihai de alto grau erguera e aspirava erguer? Pior, por que faria isso dentro de uma academia militar tida como o coração de toda a sua autoridade, onde até mesmo o que os outros vêem pode ser facilmente manipulado?
— Miya! — Enquanto Akemi alertava, Jin seguia pensando no propósito de tudo aquilo.
“Sabe, por que ela começou a tomar o meu tempo…? Sempre tentei procurar a resposta nas ações dela, mas só encontrei um desejo óbvio por vingança e uma intensa motivação por fazer o que acha moralmente correto. Porém, nenhuma dessas revelações encaixam com exatidão na minha mente. Não é arrogância, mas alguém que já enfrentou um grupo de milhares de homens e uma ameaça mundial sem sequer jogar a farda fora não deveria estar testando a força de uma menina.”
A mão do vento aproximou-se centímetros do ombro da jovem, mas antes do toque, uma conclusão.
“Negativo, não é esta garota que está me preocupando. É ela… aquela maldita aura eterna das chamas… Se ela realmente se reencarnar em uma pessoa motivada desde o início a duvidar da soberania do império, não conseguirei contê-la de novo. Mesmo com a ajuda dele-”, subitamente, a visão de Jin pulsou. Seu coração o golpeou num compasso único, tão brutal que o fez estatelar os olhos, apertar os dentes e recuar um passo com uma mão livre no peito.
Antes que ponderasse, sua farda branca, bem no centro do peito, incendiou-se em brasas até restar apenas um círculo de bordas negras no tecido e a pele exposta sob o buraco ardente.
Outra pontada súbita o curvou para que uma tosse rompesse em um jorro sanguinolento cuspido contra o chão, quantidade o bastante para encher as conchas de duas mãos.
A poucos metros, Akemi interrompeu a corrida. O choque o congelou quando viu o fraquejo do marechal, que atônito, encarava o próprio sangue no chão. O vermelho escorria da boca e do peito, tingindo o uniforme branco com uma ironia cruel: pela primeira vez em décadas, o invencível lembrava-se de ser homem, humano, pois a lembrança da última vez em que sangrara já era tão distante que se confundia com lendas mal contadas.
A falta de crença no que via trazia sentimentos enterrados pelo militar: a confusão que atrapalhava o raciocínio, a dor que dominava seu corpo, e o medo que ocultava o caminho da razão.
A eternidade do vento, que já esmagara batalhões inteiros com um único ataque, fora atravessada por uma jovem, o que para o superior, não deveria ser possível… nem em teoria, nem em prática. Porém, era tudo real.
“O que aconteceu? Foi um equívoco meu? Não, mesmo com efeito tardio, essa garota passou da minha defesa e implementou um golpe sem que eu percebesse… Com certeza ela usou o limite de sua capacidade… Mas eu jamais deveria chegar a este ponto. O que eu deveria ter feito? O que faço agora? O que farei depois? Devo aproveitar a chance e eliminar essa garota aqui e agora? Será mesmo que minha hegemonia está em risco?”
Enquanto cobria-se por dilemas, Jin desviou os olhos para onde Akemi mal percebia o próprio tremor das pernas, escapando eletricidade em estalos ansiosos. O medo da mente e a coragem da aura conflitaram tão puramente o garoto, que arrancaram do marechal uma nova reação.
Os lábios trementes pararam; a fúria transformou-se em riso. — Magnífico! Kohf! Kohf! — exaltou Jin, tossindo o sangue que pingou e desenhou mais círculos rubros na terra — há anos não sentia isso, a adrenalina e o gosto da vida! Vocês, jovens insolentes, ainda conseguem despertar em mim algo que jurava estar morto!
Akemi não acreditava no que escutava. “Ele está… feliz!? Depois de tudo, ele está sorrindo!? Isso é insanidade! Mas, para alguém do nível dele, essa dor significa vitória?!”
Jin ergueu a postura aos poucos, sua mão sangrando agarrou o pano rasgado no peito. — Aproveitarei cada instante com vocês… Até que me façam sentir vivo de novo! — A mão ensanguentada segurou firme o rasgo na farda, demonstrando a grandiosidade que quem não se importava com o sangue entre os dentes. — Como sou um homem de palavra, partirei agora… mas para que, um dia, eu possa sentir novamente o que vocês me deram neste breve instante!
Akemi notava a irritação queimando junto ao medo, palavras lhe faltavam.
— Quero deixar meu reconhecimento a você, Hiromi Miyazaki. Gravarei esse nome na memória até meu último dia — as pupilas estreitaram-se com uma reverência antes da mudança de foco — já você, Aburaya — o sobrenome foi pronunciado com gosto — torço para que um dia alcance o patamar de sua colega. Mas pelo que vejo, terá de engolir um caminho longo e amargo à frente! Hohoho!
Akemi fechou os punhos, ainda impotente para responder.
— Hoho… já que não possuem mais nada a dizer, irei-me embora. Antes! Vos deixo um presente! A partir de hoje, a estadia de vocês nesta academia jamais será a mesma! — O abrir dos braços arrastou a poeira e ativou uma ventania ao redor do militar. — Espero que compreendam… e aproveitem.
Na sequência, sua forma dissolveu-se no vendaval. O marechal desapareceu, restando apenas os dois jovens no calar da noite…
Akemi permanecia parado por um instante entre o alívio e o terror: os elogios e motivações disfarçados de ameaças assombravam sua mente. Porém, a hesitação não poderia perdurar, alguém precisava de socorro.
— Miya! — Ele correu até a companheira, mas quando parou diante dela, não soube o que fazer. Sua respiração disparava, gestos errôneos nem tocavam.
O corpo da garota, manchado de sangue, sustentava a postura do golpe derradeiro, os olhos abertos, porém apagados, inibiam reações.
— Miya… fala comigo! — implorou, inseguro de tocá-la.
A chama que antes tomara o corpo dela já se extinguira, restava apenas a fragilidade quase transparente de tanto esforço.
Akemi baixou a cabeça, um estalo de eletricidade escapou da pele como reflexo de sua irritação contra si mesmo. Lágrimas quase caíam de seus olhos. — Desculpa… — murmurou ele, abafado pela frustração — eu queria te ajudar… quem sabe proteger, mas… sempre acabo só olhando… sempre.
Quando acreditava que ninguém o ouviria, chegou-se a resposta de uma voz arranhada pela dor:
— Você… viu? Consegui… feri-lo.
Akemi ergueu a cabeça de súbito com a esperança renascida. — … Miya? — Ele avançou um passo, mas ainda receoso de tocá-la. — S-sim! Eu vi! Você foi impressionante!
— Mas, eu falhei… Não fui perfeita. Errei no ponto crucial da defesa… Me perdoe…
— Não! Não diga isso! Sua força é… — Akemi vislumbrou as chamas de Miya em sua mente, buscando palavras para descrevê-las. — Sua força é incrível! Muito além do que eu poderia sonhar, então, ninguém pode te duvidar… — ele virou o rosto, pensando no vento que adquiriu sua abominação. — Talvez, quando chegar a hora que Jin tanto espera, provaremos de vez nosso valor em cima dele.
Um sorriso suave curvou o rosto cansado de Miya. Porém, os olhos dela não estavam no garoto. A distância da expressão enxergava um mundo distinto. — Você… sente orgulho de mim? — perguntou ela, fraca, mas firme o bastante para alcançá-lo.
Quando escutou a pergunta, Akemi, mantendo a cabeça na lateral, estreitou os olhos. O fato de que jamais esperava aquela pergunta tornou respondê-la um desafio. Então, sem coragem de encarar diretamente, o rapaz embaraçado disse: — B-bem… claro que sinto orgulho de você… Ainda estamos aprendendo sobre nós, mas já tenho certeza de que você é a pessoa certa para se ter ao lado. É forte, inteligente e, acima de tudo… corajosa. Acho que ainda passaremos por muitos outros momentos juntos… só que… eu queria pelo menos uma vez conseguir protegê-la- opa!
Miya tombou no peito do rapaz, obrigando-o a segurá-la por reflexo.
Enquanto a garota sorria, uma lágrima solitária escorreu pelo canto do rosto exausto. — Obrigada… mamãe.
E assim, a chama se apagou.
Mas não para sempre…
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