Notas de Aviso
Favor, leia o posfácio após a leitura completa do capítulo. Boa leitura! 😁
Capítulo 82 - Um novo desafio
[ 3 de maio de 1922, Campo de Treinamento 3, Dojo Abandonado, 21h30 ]
Ao lado de Miya, Akemi praticava pela terceira vez na semana o equilíbrio da “postura do cavalo” que exigia pernas abertas e semiflexionadas, formando um quadrado imaginário entre joelhos e quadril. As costas retas, os braços estendidos à frente, e a respiração controlada, simples na teoria, infernal na prática.
Contudo, se fosse apenas aquilo, o desafio seria suportável.
Os músculos rasgados e os ossos já dilacerados pelos treinos da tarde, traziam a lembrança das torturas disfarçadas de exercícios físicos que o instrutor Yura chamava de “preparação básica”.
Horas atrás, no campo de treinamento, Yura havia moldado equipamentos de pedra com sua aura: blocos retangulares, lisos e pesados. O chão ao redor estava repleto deles, dispostos em fileiras organizadas para que cada aluno ficasse em cima.
— CINQUENTA FLEXÕES! E ZERO USO DE AURA! SÓ-FORÇA-BRUUUUTAA!!!
Os alunos se posicionaram: mãos no chão, pés esticados, corpo reto. Primeira repetição. Segunda repetição. Terceira repetição.
Akemi sentia o corpo se rebelando, seus braços tremiam violentamente, o suor escorria pelo rosto, pingando no solo empoeirado. “Dez. Onze. Doze.”
Ao redor, a facilidade assustadora de alguns alunos: Kentaro já passava das cinquenta; Minoru, velozmente, ultrapassava as cem; Mayumi, controlada, alcançava a quantidade mínima com exatidão.
Mas como de costume…
“Quarenta e oito. Quarenta e noooove… CINQUENTA!!!”
Pof.
Um corpo cederam.
— LEVANTE-SE, ZERO UUUM!!!
— Eu… Uff… cheguei nas cinquenta, senhor!
Yura surgiu ao lado dele num piscar de olhos e agarrou o colarinho do aluno, suspendendo-o do chão com brutalidade. — Completou as cinquentinha com esse esforço todo!? Patéééticooo!
“Pra quê esse histerismo!?” Tremendo os lábios, Akemi engasgava enquanto balançava os pés no vazio. — Ma-mas e-eu consegui!
Yura aproximou o rosto, a ira o tirava pingos de cuspe durante os gritos. — É O MÍNIMO QUE SE ESPERA DE UM ESTRUME HUMANO COMO VOCÊ, ZERO UM! MAS SE ACHA QUE ESTOU SATISFEITO COM SEU ESTADO, ESTÀS DEVERAS ENGANADO!
— N-não estou, senhor!
— EXCELENTEEE!!! — Yura jogou o aluno de volta ao chão, derrubando-o em tosses. — MAIS VINTE FLEXÕEEES! AGOOOORA!!!
Com tremor, a ordem foi obedecida.
E enquanto ocorria a dor e agonia de uns, Yura continuava gritando números ao fundo: — ZERO TRÊS! CENTO E SESSENTA E SEIS FLEXÕES! BOM, MAS HÁ MAIS FIOS DE CABELO NESSA SUA CARECA DO QUE REPETIÇÕES FEITAS…! DEZ! DUZENTAS E CINQUENTA FLEXÕES!? EXCELENTE! CONTINUE ASSIM E CONSEGUIRÁ EMPURRAR O PLANETA ATÉ O SOL COM SUA DOBRA DE TERRA…! ZERO SETE! CONTEI NOVENTA E QUATRO DE VOCÊ! DECEPCIONANTE! ESPERAVA MAIS DE UMA SANADA…!
Akemi mal ouvia o resto, seus ouvidos zuniam, sua visão embaçava.
“Sessenta e nove… setenta!”
Desabou novamente.
Yura se aproximou, seus olhos verdes, encarando o aluno de cima a baixo, esvaziaram-se pela decepção. — Você é fraco, zero um. Mas pelo menos você insiste…
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Os próximos exercícios foram os agachamentos. Pedras gigantes e redondas moldadas por Yura eram colocadas nas costas dos alunos. O peso esmagava os ombros, comprimia a coluna, testava os limites do corpo humano.
Akemi aguentou oito repetições antes de cair de joelhos.
Próximo, levantamento de halteres improvisados: blocos de pedra presos a barras de ferro; e então, a corrida de sempre, quinhentos metros no mesmo circuito infernal que Yura havia criado no primeiro dia. Subidas íngremes, descidas traiçoeiras, obstáculos que surgiam do nada.
Akemi completou o percurso, mais uma vez vomitando quando cruzou a linha de chegada.
Quando finalmente olhou para o totem de classificação onde era classificado o desempenho dos alunos, alívio.
Últimos colocados:
– 15º: Aruni Yamamoto
– 14º: Sho Yamamoto
– 13º: Teruo Kenzo
– 12º: Rin Kurosawa
Mais uma vez, Akemi em décimo primeiro, ainda por um triz da “zona abaixo do limite”.
Yura batia na terra firme do totem co m força. — OS QUATRO ÚLTIMOS! VOCÊS RECEBERÃO UM TREINAMENTO ESPECIAL AMANHÃ! E PROMETO QUE SERÁ O PIOR DE TOOODOS!!!
Escondendo o rosto, Aruni choramingava baixo; Sho, pálido, a envolvia num abraço trêmulo; Teruo, tomado pelo nervosismo, seguia com sua mania incessante pelos ajustes nos óculos; e Rin, de braços cruzados, ignorava a todos, embora o brilho úmido na testa entregasse o desgaste que tentava mascarar.
Aliviado pelo nome longe da zona, Akemi perdeu o peso nas costas, contudo, ganhou a curiosidade: Miya estava presente no campo durante todo o treino, observando de longe, às vezes conversando com Yura, mas nunca participava dos exercícios.
O nome da garota sequer constava no totem.
“Por quê?”
Mantendo a postura do cavalo no dojo, Akemi via progresso em seu equilíbrio, uma evolução mínima, porém, real. Seu corpo tremia menos, sua postura estava mais firme, e os golpes para correção já não eram necessários.
A posição foi compreendida e estabilizada junto a respiração áurica.
Ainda assim…
Pof.
Mais um desabamento, e Akemi, ofegante, concluiu consigo que, apesar do avanço evidente, ainda existia um longo caminho pela frente.
Miya suspirou, e descontraída, estendeu a mão. — Levanta.
— Obrigado, hehe… — de pé, ele coçou a nuca. “É agora.” — Miya… por que você não participa dos treinos do Yura? Você está sempre lá, mas… nunca treina.
— Aquele major prefere que eu não participe. Nunca vi uma pessoa tão cega pela minha família.
A resposta direta surpreendeu.
— E por que o Nihara participa?
— O major acredita que o tratamento às mulheres da família Miyazaki deve ter mais honra comparado aos homens.
— Hm, pelo orgulho do Yura, não o imagino pensando assim.
— Às vezes, até o mais orgulhoso pode se render ao mais honrado. Hihi, não me leve a mal, é apenas uma metáfora.
“Honra?” Akemi lembrou-se da luta dela contra Jin. Era inegável que Miya possuía um nível avançado de técnicas de combate, e por mais que Jin a tivesse nocauteado quando quis, ela deixara uma marca de dor naquele marechal. Poucos conseguiam isso.
— Não quero ser grosso, mas se você é tão avançada, por que está em uma turma desta academia…? É só para ficar mais próxima dos segredos que o exército esconde?
— Tenho meus métodos de treino, contudo, não estou aqui apenas por segredos. Queria encontrar alguém que fosse capaz de me acompanhar nessa jornada.
— … Oh! Entendo… Vo… você segue vasculhando pistas pela academia quando some por aí?
— Não somente isso.
— Hum, você esconde coisas demais. Por que não me leva mais com você?
— A saída de Jin colocou novos guardas por toda a academia. A maioria deles são alunos das turmas superiores. Daqui a pouco, as turmas F também serão treinadas para fazer rondas… — uma breve pausa recalculou palavras. — Então, achei melhor não te levar mais. Menos exposição.
— Está dizendo que a ASA era menos segura com Jin?
— Não. Mas pra mim, é mais fácil lidar burocraticamente com uma pessoa do que com centenas.
— Compreendo… Espero que um dia eu chegue ao ponto de poder te acompanhar de novo, e que… principalmente, eu consiga chegar ao seu nível.
A perseverança esbanjada à sua frente agradou a garota. — Confio que você conseguirá.
O apoio contagiou positivamente, entretanto, havia uma preocupação por parte do pupilo. — Fico feliz que confie em mim, mas preciso ser verdadeiro, no andar da carruagem, ainda passarei por muita dor. Nos últimos dias, só treinei o corpo e essa postura infernal, que é sempre a pior parte do dia.
Miya claramente cansou-se das reclamações. — Quer mudar para o próximo estágio do treinamento?
— Quero! Mas… eu estou pronto?
— Você quem precisa saber.
O jovem apertou os punhos, pensando nos desafios, na dor, na exaustão; mas também, pensou em Miya, nos mistérios da academia, na promessa de se tornar mais forte.
— Aceito.
— Hihi, pois então, venha comigo.
Miya levou Akemi até uma construção ao lado do dojo, que por fora, estava completamente abandonada: paredes rachadas, madeiras escurecidas, aranhas subindo pelas estruturas. O telhado parecia parcialmente destruído, revelando vigas expostas ao céu noturno. Janelas altas, algumas quebradas, deixavam a luz da lua filtrar para dentro.
O lugar cheirava a mofo, poeira e esquecimento.
Na ponta dos dedos de ambas as mãos, Miya, num movimento suave, empurrou as grandes portas duplas.
A poeira espalhou-se como uma névoa marrom e densa.
Akemi tossia, cobrindo a boca com o braço. — Kof! Kof! Quê isso, esse lugar tá aos pedaços, hein… — Quando finalmente olhou para frente, foi paralisado pela vista.

Era a entrada para outro mundo… um mundo afundado no exílio.
Paredes de madeira escura, detalhadas com faixas vermelhas e douradas desbotadas, formavam um salão amplo e imponente. O teto aberto, onde apenas vigas espaçadas de madeira sustentavam a estrutura, revelavam o céu estrelado e a lua cheia que banhava o ambiente com sua luz prateada e fantasmagórica.
Plataformas de madeira partiam da base das quatro paredes, elevadas cerca de um metro e meio do solo, formando uma moldura ao redor da área central rebaixada acessível por escadas.
Entretanto, naquela sala abandonada, detalhes agarravam a atenção como unha na carne, impossíveis de desviar, impossíveis de fingir que não estavam ali.
A cada segundo de análise, calafrios atingiam Akemi.
Sobre as plataformas laterais, formas pesadas pendiam do teto: clavas metálicas, aros espinhentos, correntes que rangiam, tudo enegrecido, queimado, gasto por usos inimaginavelmente perigosos.
No centro rebaixado, seis cordas grossas cruzavam o salão, imóveis como serpentes adormecidas. Atrás delas, um grande objeto circular e côncavo na estrutura lembrava um casco de tartaruga soterrado pelo pó, e mais adiante, inúmeros bonecos de madeira articulados para treino marcial estavam espalhados proximamente, alguns tombados, outros firmes, todos encarando o vazio com membros espinhados. Na parede oposta à entrada, fileiras de pequenos orifícios esperavam na escuridão, como olhos invisíveis que observavam sem que piscassem.
Mesmo sem passos, a madeira rangia sob os pés dos jovens e o peso invisível de história dolorosas, e possivelmente, aprendizados inesquecíveis.
O lugar alertava perigo, um simples erro: hospitalização… ou morte.
Miya caminhou para a direita; Akemi permaneceu hipnotizado, fascinado e aterrorizado ao mesmo tempo pelo o que via.
Fora de vista, a garota contava o passado. — Este é o Salão de Fogo. Ao longo dos anos, este lugar passou por muitas expansões e refinamentos compartilhados dos desejos e filosofia do instrutor de artes marciais da época. Porém, a versão atual foi projetada pelos Miyazaki.
As cordas intrigavam o curioso.
— Pelos… Miyazaki?
— Devido à nossa natureza rigorosa, esta instalação é considerada a mais perigosa, difícil e aterrorizante de toda a história da ASA. A maior parte das dores causadas por meros objetos foi construída aqui. Meus ancestrais construíram para ter um ambiente de treinamento melhor e para ajudar a melhorar as artes marciais dos alunos.
— E funcionou?
— Alguns melhoraram, só que muitos tiveram dificuldades: alunos desajeitados, desinteressados… fracos demais, todas essas características levaram ao abandono deste local.
— Nós vamos usar este lugar pra treinar?
— Claro! Mas antes…
De repente, um balde passou rente ao chão e acertou o pé de Akemi, que pulou de susto e ligeiramente olhou para o lado.

“Ah, não…” Mesmo com o esfregão e os baldes espalhados ao redor de Miya deixando tudo evidente, o receio aflorou a curiosidade de Akemi por uma confirmação melhor. — Nós vamos… lavar tudo?
Hihi, quase isso — Miya se aproximava, chutando um balde no chão para que a acompanhasse. Próxima ao rapaz, ela empurrou o esfregão contra o peito dele. — Você vai limpar todo este salão. Sozinho.
— … O QUÊÊÊ!!!???
Quando soltou o esfregão e obrigou Akemi a segurá-lo, a garota abaixou-se para que organizasse os itens de limpeza no chão, um por um. — Não vou te ajudar a limpar, não é serviço destinado a mim, e sim àqueles que buscam desafios de verdade à altura do que podem.
A desconfiança confundia e irritava o encarregado do trabalho. — É sério isso? Esses equipamentos… por mais que pareçam inativos, são imprevisíveis demais! E se algum deles me machucar feio!?
— Não há maneira melhor de conhecer o equipamento do que limpando-os… — Percebendo o silêncio e a hesitação diante de si, Miya pousou uma mão ao ombro alheio. O objetivo era a entrega de conforto. — Akemi, na vida de um shihai, com certeza, em algum momento, você terá de entrar em território inimigo sem saber quais são as habilidades deles. Então fique tranquilo, nesta sala, você terá no máximo que lidar com objetos sem vida, o que é infinitamente menos pior do que enfrentar inimigos com intenções reais de te eliminar.
Akemi concordou com a cabeça, embora a insegurança seguisse.
— A partir de agora — anunciava a garota — os treinos serão das 20h até as 21h30. Os outros trinta minutos faltantes serão usados para que você limpe esta sala. Não se preocupe com água, há uma torneira funcionando no canto da parede, e sobre sabão, se vire pra achar.
— Você é tão motivadora né?
— Se você acha que tô brincando, me teste com falta de compromisso. Agora me diga, até quando acha que termina o serviço?
O local foi analisado novamente, a limpeza foi prevista somente pelo mínimo necessário. Demorou, mas a conclusão chegou.
— Talvez… talvez três dias?
Três dias? Não, nunca que alguém acreditaria nisso. Akemi percebeu o desastre no mesmo instante. Nem parecia uma previsão, mas uma tentativa falha por uma prova de capacidade.
Todavia, o problema tornou-se outro.
A irritação ferveu Miya. A seriedade distorcida em algo quase demoníaco conduzia avanços diante do rosto do garoto, forçando-o a recuar a cada palavra. — Você sabe que terá que limpar hastes, objetos pontiagudos e desequilibrantes, vigas do teto, e até mesmo os orifícios e rachaduras mais estreitos e profundos que você já viu na vida, né!?
Akemi recuou até que encostasse numa coluna de madeira. — T-talvez… uma semana?
A pressão foi aliviada.
— Uma semana — confirmou Miya com um joia — mas se você falhar… Todo o trato que fizemos quando nos conhecemos será desfeito.
— … Como é?
— Isso mesmo.
— … Pe-p-pe-pera aí! Você estaria disposta a se desfazer da nossa amizade em troca da limpeza de uma sala abandonada?
— Bom, já disse que você é um garoto de bom coração, Akemi — Sorrindo, Miya virou-se em direção à saída — mas para que você possa me acompanhar daqui pra frente, precisa ser mais esperto, cauteloso, e concentrado no objetivo. Independente do medo ou defeito, você precisa ser minimamente capaz de lavar uma mera sala.
Ombros caíram pelo cansaço. — Você fala como se fosse fácil…
— Hihi! Não morra no processo, viu! — Miya passava pela porta, e quando virou-se para o amigo, continuou motivando. — Quando terminar, você será finalmente capaz de me acompanhar novamente! E também terá um presente!
— Presente? Que presente!?
— Quando tudo aqui estiver limpo, você saberá. Irei tomar um banho depois de tocar nesses panos imundos. Boa noite!
Bap!
As portas foram fechadas num estrondo surdo único, espalhando mais poeira.
Sozinho no Salão de Fogo e cercado por sombras, sujeira, e equipamentos mortais que ainda não entendia, Akemi olhou para os esfregões em suas mãos e inspirou fundo. — Uma semana…
A madeira rangeu sob seus pés, e o desafio em forma de treinamento começou… duraria dias…
Aposto que quem chegou até aqui já percebeu que Shihais assumiu um ritmo mais contido nesses últimos… talvez 50 capítulos. PORÉM! Prometo resolver por completo o desafio de Akemi já no próximo.
O treinamento proposto por Miya será crucial, pois tocará em pontos importantes da evolução do protagonista e expor falhas naturais de alguém que ainda engatinha no mundo áurico. Os aprendizados com Yura e Miya sobre fundamentos do corpo e da aura seguirão juntos do andamento da limpeza.
Espero que gostem, e até o próximo capítulo!
Muito obrigado por ler até aqui! 💗

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