Capítulo 142 de 37 – Até mais, mestra
Ham, ao olhar naquela direção, encontrou uma bela mulher de pele alva que reluzia sob o sol intenso. Contudo, o encanto desfez-se num instante; ao piscar os olhos, deparou-se com uma velha decrepita diante de si.
— Eita… bateu forte, hein? Tá apaixonado, é? Hehe!
O rosto dele voltou ao normal, impassível, e nem se acreditava por um instante esteve encantado pela beleza daquela mulher.
— Sem chances — disse, encarando qualquer coisa que não fosse a pessoa à sua frente.
Lai, subitamente expeliu sangue e começou a desfalecer. Ham, tomado pela preocupação, conseguiu ampará-la antes que atingisse o chão. Com o rosto tenso, perguntou:
— Mestra… tá bem?
Ela riu baixinho, o sorriso leve mesmo na dor:
— Hehe… ficou preocupado comigo? Ficas ainda mais bonito assim.
Ele se virou num impulso, a voz tomada pela urgência:
— Alguém! Alguém cura a minha mestra, agora!
Entre eles, Loi aproximou-se rapidamente. Sem dizer uma palavra, iniciou o processo de cura. No entanto, ao conduzir sua aura pelo corpo da Lai, a expressão transformou-se em incredulidade.
— S-Seus órgãos…
— Irmãzona? O que foi? Tem… tem alguma coisa errada?
A velha, ciente da própria condição, levou a mão ao rosto do discípulo e, com um leve sorriso, respondeu:
— Ei… não se culpe, tá bom?
A mão dela desceu gradualmente, enquanto os olhos se fechavam lentamente. Quando tocou o chão e o olhar se apagou por completo, lágrimas escorreram pelo rosto de Loi. Com a voz tomada pelo pesar, disse:
— Ela morreu…
Ham paralisou naquele instante. Uma culpa imensa tomou conta de seu peito, e a mente se encheu de remorsos por suplicar à mestra que lhe mostrasse a técnica que o levou à morte. Incapaz de conter o peso da emoção, gaguejou:
— N-não… não pode ser… é minha culpa… minha culpa…
Dam e Loi permaneciam imóveis, sem saber como agir. Foi então que Léo surgiu de súbito e gritou:
— Seus idiotas! Ainda tem uma chance!
Sem esperar resposta, correu até a velha, a ergueu nos braços e sumiu do lugar.
— Chance…? — disseram Ham e Loi ao mesmo tempo, confusos.
Outro membro do clã se aproximou e comentou, em tom sério:
— Ele deve estar falando do ritual do Banho de Fogo.
Ele franziu a testa, completamente perdido:
— Banho de Fogo?
— Sim — respondeu Loi, o olhar cheio de esperança. — Talvez… talvez a minha avozinha possa voltar com isso. Dizem que quem passa por esse ritual… pode até recuperar órgãos perdidos.
— Órgãos perdidos? Como assim?
Loi cerrou os dentes com leveza e reuniu forças para responder. Fitou seu irmãozinho, que a observava com um olhar carregado de esperança.
— O coração dela… e parte do pulmão… haviam desaparecido — respondeu, com a voz embargada.
— Isso não faz sentido! — gritou, a revolta explodindo. — Ela estava bem! Esses dias todos, ela tava bem!
— Eu não sei! — berrou ela de volta, quase em desespero. — Mas foi o que senti, tá?! Eu senti isso!
Ham cerrou os dentes, tomado pela culpa, e murmurou com a voz falha:
— É minha culpa… Se eu não tivesse pedido aquilo… nada disso teria acontecido…
Loi o encarou por um instante e, como irmã mais velha, sentiu que precisava confortá-lo, mesmo com a própria dor pulsando no peito. Com lágrimas que escorria dos olhos, pousou a mão sobre o ombro dele e disse:
— Não se preocupa, tá? A minha avozinha é forte. A mais forte de todas. Ela vai sobreviver.
— Irmãzona…
Ele descansou a cabeça no peito dela e chorou, compartilhando o sofrimento com ela. Uma hora se passou, e ambos se encontravam diante de uma porta guardada por dois vigias, aguardando ansiosos por uma resposta. Logo, Léo saiu da grande sala. Ham, seguido de Loi, se aproximou rapidamente e perguntou sobre o estado da sua mestra.
Porém, Léo franziu a testa e, com pesar, deu a notícia mais dolorosa que poderiam ouvir naquele momento: Lai, uma das anciãs do clã, faleceu.
Ao ouvir aquelas palavras, Ham não derramou mais lágrimas, mas apertou as mãos com força e correu, sem olhar para trás. Enquanto corria, as lágrimas começavam a se acumular em seus olhos. Seguiu pelo corredor, desceu a escada circular, passou por mais corredores e, finalmente, entrou em seu quarto.
Ele mergulhou na cama e cobriu o rosto, enquanto sua mente vagava por todas as memórias que compartilhou com sua mestra, até mesmo as mais desagradáveis.
Ele desejava, com toda a intensidade, que ela retornasse, mesmo que isso significasse reviver todo aquele sofrimento. Durante aquele momento de tristeza, algo se revelou em seu coração: ele a amava, profundamente, com uma força que nem imaginou poder sentir.
Passaram-se três dias, e Ham não saía do quarto, nem aceitava a comida que lhe ofereciam. Certa hora, Loi foi até lá, tentando mais uma vez incentivá-lo. Embora tivesse passado por um sofrimento semelhante, ela notava que seu irmãozinho parecia carregar um peso ainda mais difícil de suportar.
Sua irmã bateu na porta do quarto, mas não obteve resposta. Sem hesitar, entrou e encontrou Ham, que, com os olhos vazios, parecia mais perdido do que ela mesma. Em cima da mesinha, havia comida intocada.
Ele estava no canto da cama, sentado, com o olhar distante, como se estivesse imerso em um vazio profundo. Diziam que ele permanecia nessa posição desde o dia da morte de sua mestra.
Loi então se sentou ao lado dele e segurou suas mãos, mas ele não reagiu. Ela já havia tentado antes incentivá-lo, mas nada parecia surtir efeito.
— Ham… escuta. O funeral da avozinha Lai vai começar daqui a pouco. Não quer ir se despedir dela? Ver ela uma última vez?
Ele não demonstrou nenhum interesse, como de costume. Loi, sem saber exatamente o que fazer, decidiu, naquele dia, adotar uma nova abordagem.
— A avozinha Lai… ela gostava muito de você. Muito mesmo. Todos os outros discípulos desistiam depois de alguns dias de treino… Mas você, Ham… aguentou quase seis meses. Incrível, né?
Ham, que não havia demonstrado qualquer emoção ou sequer movido o corpo, teve a boca ligeiramente movimentada naquele instante. Ela percebeu que, de algum modo, suas palavras começavam a surtir efeito nele.
— Ela te amava demais, sabia? — disse, com um sorriso triste. — Sempre que eu ia visitar a avozinha, ela falava de você. Dizia como, mesmo reclamando, você continuava ali, aguentando os jeitos dela. Você era como um filho pra ela… mesmo sendo de outra mãe.
— Mas… eu… matei ela…
Loi arregalou os olhos, surpresa por ele finalmente responder, e gritou com força:
— Não! Ela fez aquilo porque acreditava em você! Ela me disse com todas as letras: “Ham vai ser mais forte do que eu.” E dizia isso com um brilho nos olhos, sabia?
— Não… — murmurou ele, a dor transbordando. — Isso não muda nada! Eu matei ela! — gritou, sufocado pela culpa.
Ela enfiou as mãos no bolso e tirou algo pequeno. Pegou as mãos dele, abriu-as com cuidado e colocou o objeto ali.
— O que é isso?
— O legado da minha avozinha — respondeu, firme. — Vai destruir isso também?!
Ham apertou a pedra com força, os olhos cheios de conflito:
— Você… você não entende nada…
— A minha avozinha apostou a própria vida para te ensinar aquela técnica! — rebateu, a voz embargada de raiva e dor. — Tá dizendo que ela morreu à toa?!
— N-não foi isso que eu quis dizer… — murmurou e se encolheu na própria culpa.
— Então prova! — exclamou Loi, encarando-o. — Mostra que aprendeu. Me mostra o que ela te ensinou… e me explica o porquê valeu a pena.
Ele hesitou por um momento, mas logo compreendeu o que sua irmã estava tentando dizer. A culpa o consumia, pois acreditava que a morte de sua mestra foi resultado de sua própria fé cega na ideia de que ele poderia alcançar aquela técnica final.
Ao abrir as mãos enquanto aquecia a pedra, Ham disse:
— Esse é o começo… o aquecimento. Quanto mais aqueço, mais vermelha ela fica, até pegar fogo de verdade.
— Entendi. — respondeu. — Continua.
A pedra que antes flutuava na mão de Ham e se transformava em chamas e depois começou a se comprimir.
— Ao comprimir, consigo materializar a chama e moldá-la no formato que eu quiser. Tipo isso — disse, mostrando o que havia criado.
— E… o que é isso? — perguntou.
— Não faço ideia. Mas minha mestra disse que era uma bala.
Ele então olhou diretamente para sua irmãzona:
— Me dá a outra pedra.
Sem dizer nada, Loi enfiou a mão no bolso e entregou ao irmão mais novo.
— Se eu comprimir e aquecer a pedra no mesmo nível… talvez eu consiga atingir o que a minha mestra queria. Mas… — a pedra trincou em sua mão e se desfez.
— Continuo longe de alcançar minha mestra.
As lágrimas começaram a se acumular nos olhos de Ham. Foi então que Loi se aproximou, com um gesto delicado, e pousou a mão sobre a cabeça dele.
— Então o legado da minha vó ainda vive — disse com um sorriso suave. — Ela sabia que ia partir… por isso te pediu para não se culpar.
— Eu sei, mas…
— Nada de mas! — interrompeu. — Honra o que ela te deixou! Segue o legado da Lai, a mais forte de todas! E se tu não te tornares o mais forte do clã… então, Ham, juro que vou te culpar pela eternidade!
Ele assentiu, limpando o rosto com a manga:
— Sim…
— Vamos. O funeral tá esperando.
— Sim. — respondeu ele, mais firme.
Mesmo imerso em sua depressão, foi até o funeral. O local ficava no topo da fortaleza, no jardim das flores. Várias pessoas estavam paradas ao redor de um altar de pedra, onde sua mestra repousava. Com as mesmas flores do jardim, todos começaram a depositar suas flores ao redor da velha e expressava suas afeições.
Ham, ao colocar a sua flor, pensou em silêncio: não deveria ser assim o fim.
Loi, com os olhos marejados, se aproximou do corpo da Lai, sua voz carregada de respeito e emoção:
— A minha avozinha… ela foi uma pessoa forte, que se preocupava com todos ao seu redor, mesmo sendo travessa com muitos. Ela viveu mais do que a maioria, mais do que muitos que já se foram.
Ela olhou para os presentes, o semblante decidido.
— Em nome dela, decidi não chorar. Vou seguir em frente com o seu legado, e carregarei a lei do gêmeo dentro de mim. — Fechou os olhos e, com um suspiro profundo, disse: — Descanse em paz, vovozinha!
Léo se posicionou ao lado dela, com um olhar mais contido.
— Eu nunca tive um vínculo tão forte com a anciã Lai, mas… carregarei as chamas que ela deixou entre nós. — Ele se curvou levemente perto do altar, a voz firme e respeitosa. — Descanse em paz, anciã Lai.
Quando Léo terminou de falar, ele acendeu as flores, iniciando um fogo no altar. Um mecanismo foi acionado, e as chamas consumiram lentamente o corpo da anciã. Enquanto o corpo se queimava, vários membros do clã choravam, observando com pesar a velha desaparecer entre as cinzas, deixando para trás somente a memória de sua presença.
— Até mais, mestra… — murmurou Ham, com a voz embargada, os olhos cheios de dor.
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