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    Loi, deixada para trás, prosseguiu devagar até o altar. Ao alcançá-lo, pousou a mão sobre a superfície empoeirada. A estrutura, desgastada pelo tempo, jazia coberta por barro e sinais de deterioração.

    A pele de sua mão assumiu o mesmo aspecto que teve no interior da tartaruga. Aos poucos, a sujeira e o desgaste começaram a desaparecer, enquanto ela observava em silêncio, carregando um pesar contido no olhar.

    Minutos depois, o altar exibia um aspecto renovado. Estava mais limpo, com o brilho sutil de algo quase sagrado, embora as rachaduras ao redor ainda denunciassem as marcas do tempo.

    — Mãe, cheguei — disse, com um sorriso a ensaiar-se no canto da boca, mas o cenho ainda franzido.

    Logo depois, afastou-se em silêncio e retomou o caminho com passos lentos. Ao atravessar o jardim, memórias antigas revisitaram — lembranças dos treinos ao lado da avozinha, envoltas pelo perfume das flores e pela voz serena que a guiava.

    — Avozinha, voltei.

    A caminhada prosseguiu até que ela desceu, contornando o local, até se deparar com o símbolo do clã gravado numa parede vermelha. Tocou a marca com a palma aberta, permitindo que suas chamas invisíveis fluíssem. A superfície respondeu de imediato.

    Abaixo do emblema, formou-se um círculo de contornos quadrados, e uma espécie de compartimento deslizou para fora, como uma gaveta antiga. No centro, um pequeno orifício começou a se expandir. De repente, jorrou um fio de água — tênue no início, depois mais firme — como se algo ali estivesse despertando de um longo sono. 

    — Torneirinha, eu voltei — alertou alegremente.

    Colocou a mão sobre a água e deixou que ela se acumulasse no berço dos dedos. Parte escorria pelas fendas entre as mãos ou transbordava pelas bordas. Sem hesitar, inclinou a cabeça até alcançar o líquido e o sorveu em pequenos goles.

    A cada gole, lembranças irromperam com força. Viu-se ao lado do irmão, ambos rindo durante uma disputa infantil para ver quem conseguiria derramar menos água no chão. Mesmo quando falhavam, a fortaleza absorvia tudo.

    Para aqueles com maior domínio sobre o fogo, a água podia jorrar por dois pontos distintos, afastando-se do pequeno recipiente no centro do símbolo.

    As memórias a invadiram com força. Lágrimas brotaram dos olhos e desceram sem controle. Em meio à dor silenciosa, a imagem do pai surgiu — um vulto pesado, marcado pelo fim trágico que escolheu. A tristeza a envolveu por completo. Depois de alguns instantes, afastou-se da fonte e limpou o rosto com as costas da mão.

    Seguiu adiante. Ao dobrar um corredor, avistou Dam sentado em seu canto, ocupado com as manutenções que costumava fazer para manter a mente ocupada. Diante de si, as três armas reluziam sob a luz fraca, e ele as fitava com atenção, murmurando seus nomes como quem repete um velho mantra.

    — Ham, voltei — avisou, com um sorriso leve.

    Dam, ao ver Loi aproximar-se, respondeu seco:

    — Vai embora.

    — Ham?

    — Não sou o Ham que conheces.

    — Não era por isso… — disse ela, hesitando. — Desculpa, agora és o Dam, certo?

    Nem sei mais quem sou. Ham ou Dam?

    Ele manteve-se em silêncio, alheio a qualquer tentativa de conversa, concentrado nas manutenções diante de si. Loi, ao notar a indiferença, não se afastou. Aproximou-se em silêncio e sentou-se ao lado dele.

    — O que são essas coisas?

    De novo?, pensou, fixando nela.

    — Que foi? Disse algo estranho?

    — Nada.

    — Então vai, conta mais sobre ti — pediu, com o olhar firme.

    — Interessante você pedir isso com um rosto tão sério. A Loi que conheço era bem mais alegre.

    Ela baixou a cabeça e respondeu, com a voz pesada:

    — Eu sei, mas enquanto houver demônios à solta e… o meu irmão, não consigo ser a Loi das tuas memórias.

    — …

    — Então ainda lembras bem de mim?

    — Infelizmente, lembro demais — disse, com um peso na voz. — E não é agradável.

    — Hum? Antes vinhas sorrindo, cheio de entusiasmo, mas agora somos só duas pessoas sérias, com os seus próprios fantasmas.

    — Concordo…

    Por um instante, o silêncio dominou, até que Loi quebrou o gelo outra vez:

    — Então, afinal, o que são essas coisas?

    — De novo… — resmungou Dam.

    — De novo? — repetiu, intrigada.

    Ele olhou nos olhos dela, depois para as armas, e falou:

    — Essa é a Diana, aquela é a Liana, e aquela ali, a Adriana.

    — O quê? — perguntou com desgosto. — Você dá nome de mulher pra… essas coisas?

    — Vejo que você ainda faz essa cara de nojo — respondeu. — Mas essas coisas são a minha vida!

    — Então são suas namoradinhas? Você mudou demais, Ham.

    — E qual o problema? E nem sou mais o Ham.

    — Aposto que todo esse tempo de seculos perdidos, essas namoradinhas foram seu consolo — ela se aproximou e sussurrou no ouvido dele: — Virgem centenal!

    — O quê?! — Dam gritou, todo atrapalhado e com vergonha. — Não inventa mentira, eu não sou virgem. Quem é virgem é você!

    — Percebi… você continua sendo o mesmo Ham que eu conheço.

    — Não é isso… essas memórias estão… me mudando.

    Loi pousou a mão no ombro dele e insistiu:

    — Aceita, Ham.

    Ele afastou a mão dela e gritou:

    — Não vou aceitar! Eu sou Dam!

    — Sim, mas também és Ham do clã Zura. Ham Zura — afirmou Loi.

    — Não.

    — Não?

    — Não pertenço mais a esse clã. Sempre fui e sempre serei Dam Hacraul. Um homem que pertence a si mesmo.

    — E as suas namoradinhas? — perguntou, séria.

    — Não, não as chame assim. Chame de preciosas.

    Loi sorriu de leve, no canto da boca, e perguntou:

    — Namoradas preciosas?

    Dessa vez, Dam a fitou. Em seguida, guardou cuidadosamente suas armas e se levantou, afastando-se em passos, carregando no semblante a frustração que preferia não expressar em palavras.

    Loi permaneceu onde estava. Mesmo com o rosto sereno, deitou-se no chão e voltou os olhos para o teto. Através das aberturas deixadas pela destruição, pôde ver a lua lançar seu brilho prateado sobre o que restava. Aos poucos, as cicatrizes do lugar começavam a ser remendadas.

    Léo, encostado a certa distância, observava em silêncio, mantendo-se à sombra.

    E agora? Tive várias chances de matar alguns aqui, mas aquele mestiço nunca baixa a guarda. Sempre que penso em agir, parece que ele está me olhando direto nos olhos. Será que é só o meu corpo com medo?

    Ao cerrar os punhos, a raiva marcava seu rosto. Naquele instante, Izumi, presente na mesma sala, lançou-lhe um olhar firme. Imediatamente, Léo encolheu-se, recuando diante da tensão que emanava.

    Como eu imaginei, ele está me observando demais… Não tenho mesmo escolha além de levá-los até aquele homem? Droga…

    Enquanto isso, a tartaruga prosseguia sua jornada, direcionando-se ao próximo destemido — ou melhor, à próxima energia negativa mais poderosa, caso esta se apresentasse.

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