Capítulo 155 de 06 – Não viaja
Alguns dias haviam se escoado, e a tranquilidade reinava na fortaleza. Não faltava água, tampouco mantimentos, graças aos recursos guardados nos espaços ocultos pelos membros do clã Zura, oriundos da longínqua Mangolândia.
Mas o sossego se quebrou. Tartas soltou um rugido estrondoso, sinal costumeiro de ameaça próxima. O alarme foi imediato. Por ordem da Loi, todos se posicionaram junto às janelas, espalhando-se pelos quatro cantos da fortaleza.
Loi subiu até o topo, alcançando a cabeça de Tartas. Lá do alto, compreendeu o motivo do alarme. Aqueles que ocupavam janelas próximas à cabeça da criatura também puderam intuir o motivo do rugido.
De volta à sala do trono, todos se reuniram. Foi então que percebeu algo estranho — Izumi permanecia imóvel, no mesmo lugar de antes. Intrigada, aproximou-se e perguntou:
— Izumi, você ficou aqui o tempo todo?
— Fiquei. Algum problema?
— Não, não… Pode continuar tranquilo — disse, abanando a mão com um sorriso.
— Hum!
Loi sorriu, pensando consigo mesmo:
Bem que Ham me disse. Ele não segue ordens.
— Loi — chamou Max, se aproximando.
— Fala.
— Essa tartaruga não consegue escalar?
— Não consegue. E mesmo que conseguisse, o tamanho dela torna perigoso.
— Parece que não temos escolha, então.
— Pois é — concordou Loi.
— Do que estão falando? — perguntou Ui, chegando perto.
— Talvez do problema — respondeu Idalme, ao lado dela.
— As duas foram para atrás da Tartas, né? Então, não vai rolar seguir com ela.
— Como assim? — Idalme quis saber.
— Tem vários…
— Aglomerados de montanha à frente — cortou Max.
— Eu ia dizer isso — avisou Loi.
— Sim, mas sou o líder! — declarou firme.
— O quê? Vai bancar a criança pelo cargo agora?
— Não, só quero deixar minha posição clara.
— Huuummmm…
Enquanto o diálogo prosseguia, Ui e Idalme trocavam cochichos a respeito da ousadia de Max. Comentavam o quanto ele se mostrava direto, sem rodeios. No entanto, ao ouvir da companheira que Izumi era o verdadeiro líder, a conversa transformou-se em discussão.
Nesse momento, Dam adentrou na sala em silêncio, erguendo a mão para chamar atenção.
— Tenho uma sugestão.
— Sugestão? — Idalme cortou, ríspida. — Você não tem direito a sugestão, seu depressivo. Vai lá cuidar dessas suas lutas internas de ansiedade. Max é o líder, ponto final.
— …
Dam não disse nada, só olhou para o chão e falou:
— Votação…
— Votação? — Ui arregalou os olhos. — Não vai ter votação nenhuma. O líder tem que ser forte. Izumi é quem merece esse posto.
— Ui, você tá enganada — cortou Loi. — Um líder não é só força. Ele tem que guiar o time, e isso o Izumi não sabe fazer.
— Cala a boca, sua mocreia safada! — Ui gritou, apontando.
— Mo-mocreia? — perguntou, incrédula.
— Você é uma mulher indigna que fica de olho nos homens dos outros! — ela disparou. — Vai matar tua seca com teu irmão depressivo amante de armas!
— Eu não sou mocreia nem safada! — Loi retrucou alto. — Você que é uma puta escrota que fica esfregando no Izumi na frente de todo mundo!
— Quê?! Eu esfrego mesmo. E daí? Pelo menos tenho alguém pra isso. E você? Tem alguém? Sua velha!
Idalme colocou a mão no ombro de Ui e disse, firme:
— Acalme-se. Já passou dos limites.
— Você também! Todo dia, toda hora! Vocês dois não cansam de transar?! — ela explodiu. — Já esqueceram que eu tenho boa audição e escuto tudo? Seus gemidos fodendo minha paz? Tenham um pouco de consideração, sua puta degenerada!
Lágrimas começaram a escorrer dos seus olhos. Ela se encolheu no chão, murmurando:
— Vocês podem transar… e eu não…
— Desculpe, eu tinha esquecido — disse Idalme, meio sem jeito.
— Esqueceu nada. Sua falsa.
Max se aproximou de Izumi, que estava encostado na parede, e apoiou a mão no ombro dele.
— Mulher, né, irmãozinho?
— Nem começa — respondeu seco.
— Devias fazer uns agrados pra ela, meu caro. Não é todo dia que se acha uma mulher tão esbelta assim. Faz isso aí crescer.
— Cala a boca.
Ui, prostrada no chão, ergueu o olhar na direção de Izumi. Os olhos marejados lembravam os de um gato em súplica. Esperava algum gesto, uma palavra, qualquer coisa.
Mas ele, exausto de tudo aquilo, sumiu. Evaporou-se sem deixar sinal, como se jamais tivesse estado ali.
— Ele se foi — disse Max. — Foi mal, Ui, não consegui convencê-lo.
— Ui! — chamou Loi. — Quero um pedido de desculpas.
— Pedido de desculpas? Só falei a verdade.
— Sua…
— Chega! — Max bateu palmas, impondo silêncio. — Vamos continuar com a votação. Tenho uma sugestão: cada um aqui aponta quem quer como líder. Pronto, eu já me aponto.
Todos se entreolharam por um instante, até que Idalme rompeu o silêncio, estendendo o dedo na direção de seu amado. Ui, desanimada, sequer reagiu.
Loi, com um gesto sutil, indicou a si mesma e esperou que Ham a seguisse com o olhar. No entanto, ele somente se virou e partiu, deixando-a atônita diante da recusa.
Depois de tanto tempo junto e me abandonas justo agora, Ham?
Dam que estava afastado, pensou:
Sua idiota! Se eu me meter nisso, vai saber o que Ui vai dizer sobre mim.
Max sorriu degeneradamente e levantou o dedo provocativamente para Loi e falou:
— Eu ganhei.
— Tá bom, eu admito, você é o líder. Satisfeito?
— Muito — se aproximou de Idalme e apertou sua bunda. — Muito satisfeito!
— Aqui não… — murmurou ela, meio sem jeito.
— Seu safado — declarou Loi, ao cruzar os braços.
Enquanto Max e Idalme se afastavam, Ui os observava com olhos tristes e murmurou:
— Lá vão eles transar de novo…
Max virou e olhou para Loi, com um sorriso maroto:
— Ah, e esqueci de avisar: como novo líder, ordeno que todos se preparem. Partimos em uma hora.
— Não, pera — olhou para sua amada e riu — duas horas, hehe!
Ao vê-los se afastarem, Loi não conseguia conter o repúdio. Sentia nojo das atitudes dele com alguém do próprio clã. Para ela, era inconcebível que uma guerreira se curvasse diante de um homem como aquele.
Por um instante, pensou se o tempo não havia, de fato, mudado. Talvez os clãs de outrora tivessem se corrompido, tornando-se sombras do que foram — submissos ao prazer, frágeis diante do desejo.
Espero que Ham seja diferente.
Duas horas se passaram, e o grupo já se encontrava preparado para partir, trajando as vestes de costume. Loi despediu-se de Tartas com um último olhar, e logo todos pararam diante da montanha que se erguia diante deles.
Aquela elevação parecia tocar o céu, suas encostas abruptas cobertas por pedras irregulares e trechos de vegetação escassa, como se a própria natureza hesitasse em se firmar ali. O vento cortante soprava entre as fendas, trazendo consigo o cheiro frio da altitude e o eco distante de alguma vida selvagem.
Max fitou aquela gigantesca muralha da terra com um misto de respeito. O caminho que teriam pela frente prometia ser árduo e extenuante. Voltou-se para o irmão, e com um suspiro, perguntou:
— Consegue cortar isso, Izumi?
— Não viaja.
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