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    Pegadas. Palavra comum aos ouvidos de muitos, mas reverenciada por poucos. Alguns as viam como sinal de uma presença que já se foi; outros, de forma mais direta, como marcas deixadas por um ser vivo. Havia ainda quem as resumisse ao simples rastro de pés sobre a terra.

    Pés podiam tocar qualquer superfície e ali deixar vestígios. Em algumas, tornavam-se invisíveis; noutras, quase não deixavam lembrança. Mas naquele lugar, onde tantos passavam, marcas se multiplicavam sob o olhar atento de quem sabia ver.

    A areia, viva e leve, se erguia a cada passo. Os rastros formados indicavam sem dúvida a passagem de uma figura esguia, feminina. E, na dança silenciosa entre o chão e os passos, o cenário ganhava a beleza de um instante preservado.

    Sentado sobre uma esteira, banhando-se sob o sol escaldante, Max se mostrava ansioso. Os olhos atentos acompanhavam a cortina que, pouco a pouco, subia, revelando silhuetas femininas ainda envoltas em mistério.

    Dizem que, ao ver alguém pela primeira vez, o olhar se volta ao rosto — olhos, boca, talvez o contorno do pescoço. Para ele, no entanto, isso não passava de convenção. O que de fato chamava sua atenção eram as pernas.

    Não se tratava de preferência exclusiva ou simples fetiche. Havia algo mais intricado naquele gosto. Como o pai, via uma beleza diversa nas mulheres, sem rigidez de padrões. Feições comuns, ausência de curvas ou traços considerados ideais jamais lhe pareceram defeitos. 

    O que importava era o conjunto, a harmonia do corpo, e, acima de tudo, o desejo que aquela figura poderia despertar.

    Olhar primeiro para as pernas era, para ele, uma forma de alimentar o desejo. Um estímulo inicial que acendia fantasias. 

    Como seria o corpo por trás daqueles pés bem firmes? Haveria seios fartos? Cintura fina? Ou talvez curvas acentuadas no quadril? Essas perguntas cruzavam-lhe o pensamento enquanto os olhos deslizavam, lentos, dos calcanhares até o início das coxas.

    No instante em que a cortina revelou as primeiras pernas, a mente de Max se agitou. Quais daquelas teriam as coxas mais convidativas? A saliva se acumulou; engoliu em seco. O calor e a expectativa o levaram a apertar os próprios músculos, mãos firmes sobre as coxas nuas.

    À frente, os corpos femininos ondulavam ao ritmo de uma dança que fazia os quadris girarem com precisão hipnótica. Dez mulheres se moviam em sincronia, e nenhuma delas ainda revelava o rosto. Ainda assim, ele começava a imaginar a quem pertenciam aquelas silhuetas.

    Quando a cortina revelou as coxas e insinuou, com sutileza provocante, a beirada do fruto proibido, Max teve certeza de quem eram aquelas mulheres. Ainda assim, nomes pouco importavam. O que verdadeiramente lhe interessava era o desejo que elas despertavam, e a fome de saciá-las.

    A cortina enfim subiu por completo, mas os rostos seguiam ocultos sob um véu fino de tom vermelho. As vestes, do mesmo tecido, tremulavam com os movimentos dos corpos, e isso bastava para acender-lhe ainda mais o entusiasmo.

    Duas, no entanto, destoavam do conjunto. Uma trajava um short justo e um top simples; a outra, vestia-se de modo quase formal. Aos olhos dele, aquela sensualidade disfarçada, fazia delas as mais provocantes.

    Peça por peça, as vestes foram cedendo lugar ao corpo nu. O ritmo era lento, quase cerimonial, e cada gesto carregava um convite silencioso. Quando os tecidos íntimos — biquínis, calcinhas de rendas e cetins — vieram à mostra, Max sentiu-se à beira do limite. O desejo em si já era um gatilho armado, prestes a ser disparado.

    Completamente despidas, elas se aproximaram. Mãos macias percorriam-lhe a pele, tocando-o em cada curva, cada contorno. O calor aumentava, a respiração pesava, e o autocontrole se desfazia.

    Sem conseguir conter-se, envolveu com firmeza a bunda de uma das mulheres ao lado — uma neguinha — e, com um sussurro rouco, murmurou:

    — Você… primeiro você…

    Naquele dia, a noite não caiu. O tempo, rendido aos instintos, esqueceu-se de girar. Por horas incontáveis, Max mergulhou num torpor febril, sem conhecer descanso. Ainda que, em algum canto da consciência, algo sussurrasse que havia pecado no que fazia, ignorou o aviso. 

    Entregou-se por completo, como se quisesse provar ao mundo — ou a si mesmo — que era, de fato, digno do sangue de Castiel.

    Mais de um ciclo inteiro se passou quando, enfim, o silêncio voltou a reinar. Ao seu redor, corpos exaustos repousavam. Algumas mulheres dormiam sobre seu colo, outras permaneciam deitadas próximas, envoltas pela calma que vem após a tempestade.

    Foi então que uma figura surgiu, aproximando-se em silêncio. Seus passos não perturbavam a areia, mas sua presença pesava no ar. Max ergueu o olhar, ainda envolto na languidez do prazer, sem saber se estava pronto para o que viria a seguir.

    — Vamos Max, agora é minha vez.

    Ao notar o pedido daquele homem, as mulheres recusaram a proposta em uníssono. Entretanto, esboçando um sorriso enigmático, ergueu-se lentamente e proferiu:

    — Me desculpe meninas, mas agora é hora dos machos brincarem.

    Elas choravam com a partida dele. A cada passo que ele dava para longe, os corpos femininos começavam a desaparecer, como se a lembrança delas fosse levada pelo vento.

    Logo, apenas ele e o outro permaneciam. E juntos, como nos velhos tempos, entregaram-se a brincadeiras simples — pega-pega, corridas sem fim pela areia dourada. Max se esforçava, mas parecia incapaz de alcançar o irmão.

    Quando decidiram mudar de jogo, a diferença ficou evidente. Enquanto Izumi moldava apenas duas bolas de areia com entusiasmo distraído, Max construiu um castelo inteiro, com torres e muralhas, como se a memória o guiasse.

    De repente, o irmão disparou na direção contrária. Max foi atrás. O cenário, então, começou a se transformar. A areia tornou-se barro úmido, e em volta, flores amarelas começaram a brotar do chão. Um calor antigo tomou seu peito — conhecia aquele lugar.

    Sem aviso, Izumi pulou sobre ele. Rolaram juntos, cobertos de terra e risos, numa daquelas lutas infantis que ignoram o tempo e a gravidade do mundo. Entre cambalhotas e gargalhadas, tudo parecia mais leve, como se a infância jamais tivesse ido embora.

    Mais uma vez o cenário se transformou. Agora, a chuva caía constante, e o chão se cobria de lama espessa e fria. Max, curioso, olhou ao redor e reconheceu o lugar: uma das áreas destinadas ao treinamento dos soldados.

    Izumi abaixou-se, moldou uma bola de lama e arremessou-a com precisão no rosto do irmão. Surpreso, levou a mão ao rosto, sentindo a umidade escorrer entre os dedos, e sorriu. Revidou com um gesto rápido, e os respingos alcançaram o peito de Izumi.

    A guerra de lama prosseguiu, acompanhada de risadas altas e genuínas, que pareciam afastar o peso do mundo. Naquele instante, Max desejou que o tempo se detivesse, que aquele momento pudesse durar para sempre.

    Foi então que, numa poça de água acumulada, seu reflexo chamou sua atenção. Olhou com cuidado e viu um rosto mudado, diferente e mais novo — mas ainda seu.

    — Esse rosto…

    — Finalmente notou… como és lerdo, Max — respondeu Izumi, com um sorriso de canto.

    — Izumi, o que está acontecendo? Onde estamos? E por que meu corpo está assim? — a voz dele tremia, tomada pela preocupação.

    — Calma… vamos devagar. Primeiro, eu não sou o Izumi que você conhece.

    — Como assim?

    — Olhe bem… esse sou eu, antes daquele pesadelo acontecer — aos poucos, o rosto calmo e transparente mudou, distorcendo-se em pura fúria. — Eu vou matar todos!

    — Esse rosto… essas memórias? — Max tentou entender. — Elas não existem.

    O rosto de Izumi voltou a ficar calmo, quase sereno, e ele falou:

    — Tem certeza? Ou será que está negando que seu irmãozinho quis te matar naquele dia?

    — Não… — respondeu, confuso. — Ele estava me protegendo.

    — Por isso mesmo és um lerdo. Sempre guarda só o que te convém. No fundo, você odeia o Izumi.

    — Não inventa… Não tem como eu odiar meu irmão — disse, tentando sorrir, mas os lábios tremiam.

    — Se enganando de novo. Você tem inveja dele, mas nega por causa dessa tal admiração falsa que cultiva. Max, você é um falso.

    — Não vou dar ouvidos a uma… uma coisa como você.

    — Como eu? Ainda não percebeu que eu existo, Max? Sua lerdeza e essa negação pra se proteger estão consumindo você. Olhe bem… diga quem eu sou.

    Max, com os olhos firmes, perguntou:

    — Quem é você?

    — Vai me negar até quando? — respondeu com voz cortante. — Aceite o que você é: um hipócrita!

    Max acumulava explosões pelo corpo, como se aquilo fosse tão natural quanto respirar. Mal percebeu que já havia alcançado a forma mais poderosa sem precisar detonar. Posicionou-se para a batalha e, com voz firme, perguntou novamente:

    — Quem é você?

    O rosto e o corpo de Izumi começaram a mudar gradualmente. Sentou-se no chão, apoiou o cotovelo nas pernas e levou a mão ao queixo. Então, respondeu:

    — Eu sou você!

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