Capítulo 170 de 21 – Sim… tens razão
Idalme, aflita com a amiga, armou um amontoado de tecidos grossos no chão, juntamente com algumas almofadas, e conduziu Ui até lá. Ela encarou Izumi com um pouco de hesitação. Max, que assistia à distância, propôs-se a auxiliar, contudo, o relacionamento entre eles ainda permanecia tenso.
Dam, sozinho no canto, aconchegou Loi em seus braços e, ao perceber o movimento dos seus seios, ele engoliu em seco. Dirigiu-se ao outro grupo e, tal como Idalme, preparou uma cama básica para ela. No entanto, peituda a observava com desgosto.
— O que vamos fazer? — perguntou Max, aflito.
— Você é o líder — respondeu Dam. — Cabe a você decidir.
Naquele instante, sentiu a responsabilidade de liderar o grupo e, por um momento, desejou não ter sido o líder. Ele encarou Loi e teve a sensação de que precisava se vingar, porém, após se acalmar um pouco, compreendeu que iria precisar dela.
— Mas talvez a Loi saiba como trazê-los de volta — disse o atirador.
— Sabe? — perguntou Idalme, com um fio de esperança na voz.
— Sim. Ela me contou que as leis dentro do corpo dos dois estão corroendo até a morte.
— Então… se ela parar isso… os dois podem ser salvos? — questionou Max, as mãos levemente trêmulas.
Dam olhou para ele e respondeu:
— Não sei… só a Loi pode dizer.
— Entendo… — murmurou Max.
Idalme então foi até ela, agarrou-a pela camisa e rosnou:
— Vamos acordar essa vadia e perguntar.
Ela começou a esbofeteá-la sem piedade. Dam tentou impedir, mas Max ergueu a mão, segurando-o.
— Acorda, vadia! Acorda! — gritava, batendo nela outra vez.
Aos poucos, os olhos dela começaram a se abrir. Ela começou a observar o ambiente enquanto peituda a encarava com desdém.
— Vadia, cure minha amiga agora!
— Hum? Amiga… está falando da aberração?
Ao ouvir isso, Idalme a ergueu, derrubou no chão e gritou:
— Aberração?! Aberração é você! Ela… ela não fez nada de errado… não pediu pra nascer assim!
— Justamente por isso. Ela nem devia ter nascido.
— O quê? Você! Seu pai devia ter te matado quando teve a chance!
Loi começou a se erguer com dificuldade enquanto seu rosto voltava a se fechar, olhou para Idalme e afirmou:
— Diz isso de novo!
— Você nunca foi amada! A própria família te odiava… achei que a gente podia se entender, mas me enganei. Você é igual ao seu pai… uma escrota.
Cansada de ser comparada ao seu pai, correu em direção à peituda, mas foi impedida por algo. Naquele instante, todos ficaram vigilantes. Um indivíduo que estava no chão naquele instante se aproximou e abraçou Loi.
— Irmão…
Max encarou Slother, o demônio estava perplexo com o que acabou de ocorrer. Idalme sacou sua flecha e arco e Dam empunhava sua diana.
— Irmão, é você?
Aquele abraço apertado, aquele jeito especial de se envolver em um carinho. Aquela pressão forte era impossível de deixar no passado; ela tinha a certeza de que, na verdade, era seu irmão.
Entretanto, o corpo, como quem escapa de um abraço apertado, se distanciou repentinamente e fez surgir labaredas em seu dedo indicador, fazendo com que todos retomassem a atenção de imediato.
Então, essa figura flamejante traçou letras no ar com suas labaredas, afirmando com um “Sim” que aquele era, sem dúvida, o Léo. Contudo, apenas o Loi estava mergulhado nessa lorota.
O corpo rapidamente se virou, como se estivesse fazendo uma varredura no ambiente e, em seguida, anotou mais uma vez: fique tranquilo, eu vou a convencer.
— Irmão?
Ele se voltou para a sua irmã e escreveu: Loi, por favor, desligue o mecanismo de proteção da Lei.
— Mas, irmão… eles são demônios.
— Eu sei. Mas lembra? Quando todo mundo te odiava, ainda havia quem se importasse com você. Nossa mãe… nem eu, nem mesmo a mestra te julgamos por ser diferente.
— Mas isso é diferente! Eles são outra coisa… são demônios. Podem acabar se unindo aos deles.
— Irmã… nós somos de outra era. Os tempos mudaram. Não podemos julgar o presente com os ideais do passado. E não se esqueça: eles são os nossos salvadores.
— Eu… mas…
— Como aquela garota disse… Loi, você quer mesmo ser igual ao nosso pai? Um homem que te chamou de aberração sem nem te conhecer? Irmã, justamente você devia ser a que mais entende isso.
— Eu sei… mas os demônios tiraram tudo de mim… me usaram como boneca durante séculos. Não tem como perdoar.
— Sim… mas quem garante que esse grupo não passou pelo mesmo?
— O quê? Eles… passaram?
Léo virou-se lentamente, o olhar sério, e escreveu no ar com traços firmes:
— Me desculpem… mas poderiam contar a versão de suas histórias?
Idalme vacilou. Suas mãos tremiam, a boca se abriu, mas nada saiu. Foi então que Max deu um passo à frente. Sua voz ecoou grave, gravida de mágoa:
— Não tenho um passado tão triste quanto alguns aqui… mas se não fosse pelo meu irmão, eu estaria morto. Morto pelas mãos de membros do vosso próprio clã.
— O quê? — Loi recuou, surpresa. — Nós nunca faríamos isso!
— Nunca? — Max estreitou os olhos, um sorriso amargo surgindo em seu rosto. — Vocês fariam sim. E fizeram coisas ainda piores. Meu irmão foi a maior vítima disso.
Ele respirou fundo e tentou conter a raiva, mas sua voz se tornou mais dura:
— Desde pequeno, por ser diferente, ninguém da cidade o aceitava. Todos o queriam morto. Todos! Vocês não imaginam como é crescer sem confiar em ninguém, carregando apenas o ódio dos outros. Hoje ele até parece melhor… mas o que você sofreu não se compara à dor que ele sentiu ao perder a nossa mãe.
O silêncio caiu como uma lâmina. Loi levou a mão à boca, os olhos marejados, incapaz de sustentar o olhar de Max.
— Eu… eu não sabia… — murmurou.
Idalme, que até então permanecia rígida, finalmente abriu a boca. Sua voz saiu fraca, mas cheia de lembranças:
— No meu clã… — ela hesitou, como se engolisse espinhos antes de prosseguir.
Todos a olharam fixamente e ela olhava para baixo enquanto pensava fundo.
— Somos divididos em linhagens. — Começou Idalme, a voz embargada. — Quem não passava no teste de fogo era marcado como lixo. Desde então, nossa vida não nos pertencia mais… Éramos forçados a servir como escravos para a primeira linhagem, aqueles que conseguiram adquirir a chama.
Ela respirou fundo, lágrimas tremiam em seus olhos, mas continuou:
— Aos quinze anos, não tínhamos escolha. O destino era decidido por eles. Éramos designados para famílias que nos usariam… como escravos sexuais.
— O quê?! — Loi levou a mão à boca, o rosto pálido. — Nosso clã… fazia isso?
— Sim — respondeu Idalme com frieza amarga. — E isso é apenas uma das poucas atrocidades. O mesmo clã que tanto defendes com orgulho… fazia coisas piores do que os demônios que tu condenas.
As palavras caíram como facas no coração de Loi. O corpo dela fraquejou e ela caiu de joelhos, o olhar perdido. Seus lábios tremiam, como se recusassem a acreditar. Finalmente, virou-se para Dam, os olhos suplicando:
— Isso… isso não pode ser verdade…
Dam, porém, não desviou o olhar. Sua expressão era sombria, mas firme:
— Não olhe para mim com esses olhos. Tudo o que ela disse… é a mais pura verdade. Nós éramos escravos naquele lugar. Por isso eu fugi.
Léo se aproximou, pousou a mão no ombro dela e escreveu:
— Loi… agora entendes?
— Sim… — respondeu ela, a voz hesitante. — Mas eu não consigo gostar dos mestiços… O que faço, irmão?
— Não precisa gostar. Só aceite como eles são.
— Como eles são?
— Sim. Aceite que aqueles dois… não são seus inimigos.
Após ouvir aquilo, as lágrimas brotaram de seus olhos e ela desabou em prantos, igualzinho a um neném desamparado. Contudo, todos a encaravam como se fosse um fantasma em uma festa de aniversário sem bolo. Entretanto, ela de imediato se inclinou na direção deles e afirmou:
— Me perdoem… eu estava errada…
— Cala a boca, vadia! — gritou Idalme, a voz cortante. — Não é a mim que deves pedir desculpas! — Ela apontou para o casal caído no chão.
— Sim… tens razão.

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