Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 71: Reunião na Sarjeta
No instante em que Duncan tirou o amuleto do sol, instalou-se um breve silêncio na cena. A frase casual que ele proferiu, ‘sou um dos seus’, dissipou-se no ar, deixando para trás um ambiente tenso. Dez pares de olhos se cruzaram, cheios de surpresa e cautela. Finalmente, o homem alto e magro, que parecia ser o líder do grupo, abaixou a voz e disse apressadamente:
“Guarde isso! Seja cuidadoso, pode haver espiões da Igreja por perto!”
Esse amuleto realmente funciona? É tão convincente assim entre os devotos do Sol?
Duncan divertiu-se com o pensamento, mas manteve sua expressão séria e a metade do rosto encoberta, adotando uma postura misteriosa. Enquanto guardava o amuleto, comentou com desdém:
“Se realmente há espiões da Igreja por aqui, um grupo tão grande como o de vocês reunidos chama muito mais atenção do que meu amuleto.”
Assim que terminou de falar, um homem barbudo do outro lado abriu a boca por reflexo:
“Não, nós no máximo atraímos o xerife. Ele pode nos acusar de perturbação da ordem pública…”
“Cale a boca!” O líder alto e magro interrompeu imediatamente o subordinado tagarela e, em seguida, voltou seu olhar para Duncan. “Isso é apenas uma precaução necessária. Afinal, esta cidade está muito perigosa agora. Caminhe até aqui, mas sem movimentos bruscos.”
Duncan caminhou calmamente na direção deles, enquanto o grupo o observava atentamente. Após analisá-lo por um longo tempo, o líder perguntou em tom baixo:
“Você é um fiel que mora nesta cidade?”
Duncan refletiu por um momento e então assentiu:
“Sim.”
O antigo dono do corpo, de fato, vivia na cidade. Ele também residia ali agora. Por isso, decidiu responder com a verdade em questões tão evidentes.
Seu plano era simples: infiltrar-se entre esses cultistas, coletar o máximo de informações sem se expor, e, caso fosse descoberto, deixar Ai se transformar e dispersar todos eles.
O homem alto e magro não fazia ideia dos pensamentos perigosos que se passavam na mente de seu ‘irmão de fé’ à sua frente. Ele apenas continuou:
“Pelo que sei, há poucos dias a Igreja do Mar Profundo atacou…”
“O local de reunião nos esgotos. Naquela ocasião, estávamos realizando um ritual do sol, mas o ritual saiu de controle. Perdemos muitas pessoas. Eu, porém, consegui escapar”, Duncan respondeu sem hesitar. Enquanto isso, observava as reações dos cultistas ao redor. Ele percebeu que a tensão inicial deles havia diminuído significativamente, embora o líder ainda mantivesse a cautela. “Três outras pessoas também escaparam comigo, mas nos separamos. Não consegui mais contato com a Igreja… até encontrar vocês. Foi o Sol que me guiou até aqui.”
O homem alto e magro grunhiu em aprovação, mas logo fixou o olhar no ombro de Duncan:
“O que é isso?”
“Meu animal de estimação”, respondeu Duncan de imediato. “Não está vendo? É apenas uma pomba comum.”
Ai balançou a cabeça no momento certo, emitindo um sonoro ‘Coo! Coo!’.
“Essa pomba é barulhenta…” O homem alto finalmente relaxou a postura. Talvez tivesse subconscientemente concluído que um seguidor da Igreja, tão rígida em suas regras, jamais andaria pela cidade carregando uma ave. Ele assentiu e disse:
“Venha comigo. Conversar aqui fora não é seguro.”
Duncan suspirou aliviado. Sentiu que havia passado na primeira etapa de sua infiltração.
Logo depois, seguiu os cultistas até o interior do beco.
A viela era ainda mais profunda do que Duncan imaginava. Ela parecia levar ao coração sombrio e esquecido daquela área degradada da cidade. Os cultistas guiavam Duncan por caminhos tortuosos, passando por sistemas antigos de tubulação que soltavam vapor constantemente e atravessando ruas inundadas de esgoto. Por fim, chegaram a um aglomerado de prédios baixos e em ruínas. Quanto mais se aprofundavam, mais evidente ficava para Duncan o lado sombrio e deteriorado daquela metrópole movida a vapor.
Ele achava que o bairro onde vivia com Nina já era a parte mais pobre da cidade, mas agora percebia que a loja de antiguidades, mesmo decadente, ficava em uma área ‘respeitável’ do subúrbio.
As casas ao longo do caminho estavam, em sua maioria, abandonadas há muito tempo, transmitindo uma atmosfera mórbida. Contudo, nas sombras de algumas residências, era possível perceber olhares vazios ou hostis. Parecia haver moradores sem-teto escondidos naquela parte esquecida da cidade, observando os intrusos com indiferença.
Por fim, aqueles olhares frios e ameaçadores logo se retraíram. O grupo de mais de dez pessoas liderado pelo homem alto e magro era o suficiente para incutir medo nos vagabundos que se escondiam naquela área.
“Está vendo? Esta é Pland, a cidade-estado mais próspera do Mar Infinito”, murmurou o homem de preto que inicialmente chamara a atenção de Duncan. Ele parecia falar consigo mesmo, mas talvez estivesse direcionando as palavras a Duncan. “É o mesmo em todo lugar: em Lensa, em Porto Frio e até mesmo em Porto Brisa Leve, aclamada pelos elfos como o ‘refúgio de paz e justiça’… Eles dizem que o chamado ‘Sol’ ilumina o mundo de forma justa, trazendo luz e ordem a todas as coisas, mas que luz pode chegar a estes esgotos?”
Duncan não respondeu. Ele apenas ergueu os olhos, observando o emaranhado de tubulações de vapor e combustível que se estendiam desde os distritos superiores e industriais, cruzando sobre os telhados das construções em ruínas. Válvulas gigantes e estruturas de pressão, como bestas colossais e estranhas, pairavam sobre as construções decadentes. A luz do sol atravessava as frestas entre os tubos, iluminando a água suja acumulada nas ruas e exalando um odor desagradável.
Essas águas vinham principalmente de vazamentos nos canos das proximidades, condensadas do vapor da cidade. Com o tempo, misturavam-se com os produtos químicos das fábricas e se acumulavam nos distritos mais pobres.
Duncan não precisou viver muito tempo naquela cidade para deduzir como esses ‘abscessos urbanos’ se formavam.
Ele lançou um olhar silencioso ao homem de preto, que murmurava com indignação, mas manteve sua expressão impassível.
Fossem seduzidos pelas Proles do Sol ou forçados pelas dificuldades da vida, esses cultistas tinham seus motivos para existir. Mas, e daí?
Esses mesmos cultistas, que acreditavam ser oprimidos pela cidade-estado e forçados a viver nos esgotos, acabavam voltando ao distrito inferior para capturar os pobres e desamparados, oferecendo-os como sacrifícios humanos. No local de sacrifício que ele havia descoberto, nenhum dos miseráveis vestia roupas que lembrassem os ‘respeitáveis’ cidadãos dos distritos superiores.
Como um ‘forasteiro’ que ainda não compreendia bem aquele mundo, Duncan sentia que não era seu papel fazer julgamentos sobre a cidade-estado. No entanto, como alguém que já fora uma vítima, achava que esses cultistas eram desprezíveis.
Em silêncio, ele finalmente chegou ao esconderijo dos cultistas.
O local ficava no subsolo de uma fábrica abandonada.
Esses cultistas, que viviam se esgueirando pelos esgotos, pareciam ter um talento especial para encontrar os lugares adequados e transformá-los em bases. Ou talvez fosse a própria cidade a vapor próspera que tivesse uma infinidade de esgotos, perfeitos para abrigar coisas obscuras e profanas.
O grupo passou por um muro meio desabado ao redor da fábrica e abriu uma porta de ferro que levava à estrutura subterrânea. Duncan pretendia observar a fábrica com mais atenção para satisfazer sua curiosidade sobre a ‘era do vapor’, mas não teve chance. Foi levado diretamente por uma escada inclinada até a ‘base secreta’ dos cultistas.
Aquele lugar talvez tivesse sido um depósito ou uma sala de máquinas, mas agora estava completamente vazio. Restavam apenas as tubulações no teto e os suportes de lâmpadas a gás inutilizadas nas paredes. A escuridão era perigosa, e até mesmo os cultistas sabiam disso, por isso acendiam lâmpadas alimentadas por óleo de baleia em várias partes do espaço subterrâneo. Sob a luz dessas lâmpadas, Duncan viu que havia pelo menos outros dez cultistas reunidos ali.
Depois que a Igreja destruiu um dos locais de sacrifício, como tantos seguidores do Sol ainda conseguiam se reunir assim? Será que esses cultistas brotavam como cogumelos ou musgos, bastando haver um esgoto para eles surgirem?
Duncan ficou surpreso ao ver tantas figuras naquele porão amplo. Por sua vez, os cultistas observavam-no com curiosidade e cautela, intrigados com o estranho recém-chegado.
Então, o homem alto e magro se aproximou novamente, seguido por alguns cultistas altos e robustos, que logo cercaram Duncan.
Duncan franziu o cenho:
“O que foi? Agora que entrei, vocês vão me revistar de novo? Não sabia que havia essa regra.”
“Se você fosse mesmo um espião da Igreja, revistá-lo não adiantaria de nada”, disse o homem alto e magro, tirando do bolso um pedaço de tecido sujo e entregando-o a Duncan. “Relaxe. É apenas uma verificação mais rigorosa, uma precaução necessária. Já perdemos muitos irmãos e irmãs ao longo dos anos por diversos motivos. Pegue isso e repita comigo.”
Duncan olhou para o objeto que lhe fora entregue: era apenas um pedaço de pano sujo, aparentemente arrancado de uma roupa velha. Estava manchado com marcas escuras, de cor marrom-avermelhada, que pareciam sangue seco.
Era outra ferramenta usada pelos seguidores do Sol para identificar aliados?
Duncan ficou surpreso, admirando, em parte, o profissionalismo dos cultistas que viviam sob constante perseguição. Embora sua força de combate não parecesse grande coisa, suas habilidades em evitar infiltrações externas e traições internas estavam claramente bem desenvolvidas.
Sem demonstrar suas reflexões, ele pegou o pedaço de pano e ouviu o homem começar a murmurar:
“Em nome do Sol, que a luz radiante do Senhor nos banhe…”
Duncan imediatamente reconheceu aquelas palavras. Não fazia muito tempo que outro cultista havia recitado exatamente o mesmo mantra para ele — e até lhe dera um amuleto1.
Discretamente, ele levantou o dedo, e uma chama verde e invisível infiltrou-se no pedaço de pano em sua mão. Mantendo a expressão séria, ele repetiu as palavras do mantra junto com o homem alto.
O pedaço de pano, aparentemente manchado de sangue, permaneceu inerte em suas mãos, sem apresentar nenhuma reação.
O homem alto e magro observou o pano atentamente. Após um momento, finalmente assentiu levemente. Pegando o pano de volta das mãos de Duncan, sorriu e disse:
“Bem-vindo de volta à luz do Senhor, irmão.”
- Isso ocorreu no Capítulo 38[↩]
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