Capítulo 14 - A Imperatriz
Durante a viagem de volta, no meio da noite, um senso de tranquilidade permeava a estrada. Niko estava dentro da carroça lendo o mesmo livro de antes, agora nas páginas finais, enquanto Evellyn tocava músicas calmas com seu violão, o que deixava os dois relaxados, aproveitando o tempo da longa viagem. Tudo estava bom e calmo, parecia que os dois ficariam desfrutando dessa paz durante horas.
Evellyn terminou de tocar sua música, olhando para trás na sequência.
— Quando a gente voltar para casa, vai fazer o que para tentar descobrir sua identidade?
— Eu acho bom colocar alguns cartazes nas ruas para saber se alguém me conhece. “Você conhece esse albocerno?” e uma foto minha em baixo. O que acha? — respondeu ele sem tirar os olhos do livro, embora não estivesse lendo enquanto falava com a garota.
— Não parece algo muito inteligente. Se você for realmente a vítima que a gente investigou, o melhor a se fazer com certeza não é chamar atenção.
— Só uma sugestão. Tem alguma ideia melhor?
— Infelizmente não, mas vou tentar pensar em algo quando voltar para casa.
A garota voltou a balançar os dedos sobre as cordas, que emitia um doce instrumental. Por segundos, Evellyn simplesmente tocou seu instrumento, quando novamente ela parou por um instante.
— Já pensou em tocar algum instrumento? Essa música fica muito melhor com uma flauta e, se você começar a tocar flauta, a gente pode fazer um dueto no futuro. O que acha?
Quando Evellyn terminou de falar, Niko havia acabado o livro que estava lendo: “As Engrenagens do Destino”, um romance que conta a história de Allan Voss, um relojoeiro que acaba encontrando uma relíquia chamada “Coração de Chronos”, que o faz voltar no tempo para oitenta anos no passado. Após voltar no tempo, ele acaba se encontrando com uma filha de um nobre, chamada Isadora, que o convocou para mudarem o destino do mundo, derrotando o lorde Dante Falken, que na realidade de Allan cometeu um grande genocídio, matando milhões de pessoas.
Em si, o livro era bom. Niko gostou dos personagens e da trama, além de que achou inesperada a morte de Isadora, o que o fez ficar triste durante essa parte. Ele imaginava que os dois se casariam e teriam um final feliz, mas isso acabou não acontecendo e Allan teve de escolher entre salvar a vida da sua amada ou as milhões de vidas do genocídio de Dante. Realmente trágico.
Após horas de leitura, Niko fechou finalmente o livro, terminando de desfrutar por completo aquela história.
Em relação à pergunta e sugestão, o garoto se interessou em tocar algum instrumento musical pela fala de Evellyn e a flauta parecia ser uma boa opção. Quando Niko via e ouvia Evellyn emitir sons por aquele instrumento, sentia algo incrível em seu peito, ele realmente admirava isso nela, então, tocar algum instrumento e fazer música igual a Evellyn traria grande satisfação a ele.
— Flauta parece ser interessante de tocar. Acho que vou começar a tocar quando voltarmos para casa. Conhece algum lugar onde eu possa comprar uma flauta?
— Tem um lugar perto de casa que vende instrumentos. Te levo lá depois.
Depois dessa pequena conversa entre os dois, Evellyn voltou a tocar seu violão, continuando nesse instrumental durante minutos enquanto cantarolava com uma voz quase angelical.
De repente, um estrondo ecoou pelo ar. Em reflexo, a égua saiu correndo em disparada e outro estrondo pode ser ouvido. De repente, o veículo virou à esquerda e colidiu com uma árvore, saindo da estrada. Os dois estavam confusos e assustados, principalmente Niko, que não estava entendendo nada, paralisado e com as íris contraídas.
Após o impacto, Evellyn guardou Aguro em seu frasco, apagou a lanterna e foi para a parte de trás da carroça, tudo isso em uma velocidade impressionante.
— Fica quieto e se abaixa. — sussurrou Evellyn para Niko que obedeceu a elfa sem contestar.
Niko finalmente estava começando a entender o que estava acontecendo. Eles haviam sido atacados, “pelo agressor que investigamos?”, “como a carroça capotou?”, “por que ele não atirou logo na Evellyn?”, eram perguntas que bombardearam a cabeça do garoto, não sabendo nenhuma das respostas. Ele queria sair da carroça, mas obviamente não faria isso, era uma ação suicida. O melhor a se fazer seria ficar dentro da carroça e se proteger.
— Ei, Evellyn! Pode sair, lembra de mim? — soou uma bela voz feminina de fora do veículo.
Niko ficou com mais dúvidas do que antes, “quem é essa pessoa?”. Tentando encontrar alguma resposta, resolveu perguntar a Evellyn a primeira coisa que passava em sua mente.
— Conhece essa pessoa, Evellyn?… Evellyn?
A garota não respondeu Niko, ela estava com os olhos fixados para frente e sem mostrar nenhuma emoção. A elfa então pegou o rifle, se levantou, andando em direção à saída traseira da carroça, ignorando completamente Niko. Sua expressão, antes neutra, agora parecia ser de puro ódio, aquela mulher nem parecia mais ser a mesma de antes. Não sabendo o que fazer e preocupado com a segurança de sua amiga, o garoto decidiu seguir Evellyn, saindo junto com ela.
— Caraca, é você mesmo, faz quanto tempo que a gente não se vê? Dez anos? O tempo passa rápido, mesmo… — essas foram as palavras de uma bela mulher, maior e aparentemente um pouco mais velha que Evellyn, de cabelos pretos e longos, usando uma veste militar gótica e boina escura. Ela segurava um rifle com uma longa lâmina no cano, em seu rosto uma expressão sarcástica e olhos rosas, que pareciam brilhar no escuro. — Cicatrizes novas?
Agora sim, Niko não estava entendendo nada. Elas aparentemente se conhecem e não têm uma boa relação.
— Evellyn, quem é essa daí? — perguntou o garoto completamente perdido.
— É a desgraçada da Clementine.
— Ah, para que me xingar assim? Fiquei chateada. — disse a mulher com um tom de deboche.
A mulher mais velha então avistou Niko, inclinando a cabeça para a esquerda. Ao vê-lo, ela deu um pequeno sorriso de satisfação, parecendo ter encontrado exatamente o que queria.
— Vou ser direta. O meu contratante pediu para eu levar o corpo de um albocerno que estava nesta região. Então, obrigada, Evellyn, por ter facilitado meu trabalho.
Ao terminar de ouvir essas palavras, Niko pegou a foice de suas costas, ficando em posição de defesa. Evellyn se colocou na frente do amigo, dando uma breve olhada para trás, bem nos olhos dele, voltando o olhar para a assassina logo em seguida.
— Até parece que eu vou te ajudar.
Com a fala de Evellyn, a mulher misteriosa pareceu ficar desapontada, desfazendo o sorriso sarcástico na mesma hora.
— Ah, que pena. Não queria sujar minhas mãos de sangue hoje, principalmente com o seu, Evellyn. Mas parece que eu não tenho muita esco-
De repente, seis estacas de gelo azul apareceram, perfurando o chão na posição em que a assassina estava em uma velocidade absurda. A mulher pulou de uma grande altura, desviando-se da armadilha mortal, logo depois, mesmo no ar, mirando e atirando em direção a Evellyn. A elfa levantou sua mão e uma grossa parede de gelo surgiu em sua frente, assim parando o projétil, com Clementine aterrissando no chão logo em seguida.
Niko saiu correndo em direção à sequestradora, que puxou uma espécie de alavanca da arma, colocando duas balas diretamente no rifle e mirando em direção ao albocerno. O garoto então sacou uma faca e lançou em direção à face de Clementine, que desviou somente movendo a cabeça para o lado sem muita dificuldade, atirando em seguida.
Antes de o projétil acertar Niko, ele desapareceu da vista da mulher, que à primeira vista ficou surpresa e confusa, mas depois, olhando para trás, avistou ele, a poucos metros de distância. Os dois então iniciam um combate corpo a corpo, Niko com sua foice e Clementine com a baioneta. Mesmo ela sendo uma atiradora, uma atividade de média e longa distância, também era extremamente habilidosa no combate a curta distância, deixando Niko até mesmo com um pouco de dificuldade durante o confronto.
Entre faíscas e sons de metal batendo, três luzes e três estrondos foram vistos e ouvidos pelos dois. Ao perceber isso, Clementine viu uma brecha e segurou a foice de Niko com uma mão e, com a outra, cortou o ar diversas vezes com a baioneta, emitindo faíscas e um som de metal arranhado.
— Ah, sim. Eu tinha me esquecido de você. — disse ela a Evellyn, que estava relativamente longe, deitada em posição de atirador, mirando na assassina.
Niko puxou outra faca de seu manto, jogando-a para o lado e usando o portal no ar, caindo no chão.
Percebendo que Niko havia desaparecido, Evellyn atirou mais três vezes em direção a Clementine, fazendo o carregador pular de dentro da arma. Evellyn pegou de seu bolso outra caixa de metal, conectando-o ao rifle o mais rápido que podia. Enquanto isso, a assassina corta novamente o ar várias vezes e, enquanto Evellyn recarregava a arma, ela dispara na posição de Niko.
— AAAARGH! — gritou o garoto com a dor da bala ter atingido sua coxa esquerda.
— NIKO!
Evellyn estendeu sua mão na direção da mulher e uma vasta parede de gelo azul pontiaguda foi criada. Clementine se jogou para trás, buscando se proteger do ataque, e a barreira dividiu o caçador e a caça.
A elfa correu o máximo que pode em direção a Niko, e após pouco tempo chegou ao local, ficando de joelhos enquanto ele segurava a coxa pulsando com o vermelho vivo saia de seu corpo.
Após se ajoelhar, Evellyn usou sua Alma no local em que Niko foi atingido, pegando e abrindo uma garrafa, jogando um líquido vermelho na ferida em seguida, enquanto Niko grunhia de dor. Depois da ação de Evellyn, a dor do garoto parou gradualmente, no final ficando apenas um pequeno formigamento.
— A dor parou. — comentou Niko.
— Eu paralisei seus nervos e joguei uma droga curativa, então você logo vai ficar bem.
Niko se sentiu bem o suficiente para voltar à luta, então tentou se levantar. Após quase cair, Evellyn segurou seu ombro, fazendo ele se apoiar na garota, assim estando completamente em pé. O albocerno conseguia andar, apesar de estar mancando um pouco, mesmo assim, ele ainda se sentia disposto a lutar.
Um pequeno barulho de algo caindo surgiu do lado dos dois. Ao olharem na direção do leve som, observaram um bastão de madeira e metal.
— Cuidado! — exclamou Evellyn, pulando em Niko, jogando-o no chão e estendendo a mão em seguida, criando uma pequena parede de gelo entre eles e o objeto misterioso.
Houve um grande estrondo no ar, tão alto que Niko pôde ouvir um zumbido. Um clarão surgiu no ar, acompanhado de pequenos fragmentos de gelo que caíram em direção aos dois.
Após a explosão, Evellyn cutucou Niko e apontou para frente. Os dois se levantaram e correram na direção que a elfa apontou, com ela segurando o braço de Niko a todo momento. Eles se esconderam atrás de uma árvore, ofegantes pela situação em que estavam.
Evellyn entregou seu rifle para Niko, fazendo sinais de mãos em seguida. Primeiro apontando para o garoto, segundo para cima e o último como se estivesse mirando em algo com uma arma. Niko interpretou aquilo como se Evellyn dissesse para ele subir na árvore e atirar em Clementine. Ele acenou com a cabeça e logo agiu com base na sua interpretação.
Usando o portal de árvore em árvore à procura da sequestradora. Niko a encontrou pelo som após cair da parede de gelo, criada por Evellyn anteriormente. Ele então mirou em Clementine, esperando o momento certo para atirar, enquanto ela parecia procurar pelos dois.
Quando Niko foi puxar o gatilho, sentiu uma fraqueza física enorme, seus braços e pernas ficaram fracos. Mesmo ele fazendo toda a força que pode, não conseguiu resistir por muito tempo e caiu de cima da árvore, fazendo a predadora o encontrar.
— Ah, finalmente aquele veneno fez efeito em você. — disse ela enquanto se aproximava de Niko. — Eu atirei em você com uma bala modificada, cheia de um composto químico. Um relaxante e paralisante muscular. Você não vai conseguir se mexer a partir de agora.
Evellyn saiu correndo em disparada para onde Clementine estava, que respondeu disparando diversos tiros em sua posição. A elfa estendeu o braço e criou uma barreira de gelo, o que a protegia dos disparos.
Chegando próxima de Clementine, Evellyn criou uma arma de gelo, iniciando uma intensa batalha física. Evellyn atacava com uma grande fúria, enquanto Clementine somente se defendia com um olhar indiferente.
A elfa então gerou uma grande estaca de gelo em sua mão, tentando cravá-la no busto da mulher que colocou sua mão esquerda para se defender do ataque, criando um grande buraco em sua mão, mas, ainda sim, perfurando um pouco seu peito.
Com a outra mão, Clementine tentou mirar em Evellyn com o rifle. Na resposta, Evellyn segurou o cano da arma, congela-o e despedaçou parte do rifle por completo, e em seguida, segurou o pescoço da sequestradora com força, que apenas tentava tirar a mão de Evellyn.
— Você não vai destruir a minha vida de novo! — gritou a elfa.
— Pffr, eu não pensei que isso iria acontecer. Você melhorou bastante desde que a gente se viu pela última vez. — falou a mulher de preto em um tom calmo, quase que depressivo, com dificuldade de falar graças à falta de ar. — Faz sentido até, eles te chamavam de “prodígio”.
Evellyn, ao ouvir aquelas palavras, ficou gradualmente mais calma e leve. Algo que Clementine falou tocou no fundo da alma da mercenária.
— Aquele tempo me dá certa nostalgia. Não queria que tudo tivesse acabado assim. — disse ela enquanto soltava a mão de Evellyn. — Eu não sei se podia chamar nossa relação de “amizade”, mas era uma boa relação. Era algo que eu ficava contente de ter… Muito contente…
A expressão de Evellyn passou de um olhar de raiva com dentes roendo para uma expressão de compaixão. Ela parecia triste com tudo o que estava acontecendo, da luta, da situação, por que elas tinham que brigar? Eles já foram pessoas que se ajudavam e conversavam juntas, aquilo não fazia sentido.
Foi quando Evellyn menos esperava que sentiu algo em seu peito. Quando olhou para baixo, viu a mão de Clementine segurando uma granada. No reflexo, soltou o pescoço da mulher e a estaca que estava segurando, tentando criar uma proteção de gelo que pudesse a salvar. Quando a granada explodiu, Evellyn e Clementine foram arremessadas para longe, com Evellyn batendo sua cabeça com força em um tronco de árvore.
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