Capítulo 14 - A Capital II
O homem loiro, que aparentava ter uns quarenta anos, os observou se aproximar. Usava um sobretudo longo e escuro, camisa social branca e uma gravata extremamente justa. Botas impecavelmente polidas, pele clara, nenhuma sujeira sob as unhas. Era o tipo de homem que tinha uma cadeira reservada em jantares importantes e odiava sons altos.
— Você foi rápida. Três dias. Admito que não esperava esse profissionalismo. — disse, com uma voz suave e elegante.
— Tudo graças ao chifrudo aqui. — respondeu Evelyn, batendo amigavelmente no ombro de Niko. — Ele que encontrou o lufador.
Os olhos do homem mudaram no mesmo instante. Teve uma curiosidade genuína pelo garoto. Ele encarou Niko como se estivesse avaliando uma nova peça de exposição.
— Então você participou também? Muito interessante. — disse, estendendo a mão esquerda de forma educada. — Meu nome é Louis. Diretor do Museu de Ciências Naturais.
Niko não entendeu muito bem aquele gesto, demorou um segundo pra entender o que devia ser feito. Depois esticou a mão esquerda também — de maneira relaxada —, imitando-o. O aperto foi meio desengonçado, e Louis logo percebeu. Sua expressão sutil de decepção não passou despercebida. Niko ficou envergonhado, baixou o olhar.
— P-prazer, pode me chamar de Niko.
O aperto de mão durou só cinco segundos, mas para Niko parecia que ele tinha ficado preso ali por uma eternidade — como se tivesse apertado a mão do próprio constrangimento.
Louis apenas assentiu, como quem grava um nome com potencial questionável.
— Posso ver a carga?
— Pode sim. — respondeu Evelyn, indo até a lona da carroça.
Ela abriu o zíper da traseira da carroça com um gesto firme. O cheiro congelado de pele seca e sangue já meio oxidado escapou por um segundo. Louis se inclinou para olhar, mas ao ver o estado do lufador, seu rosto afundou em um misto de repulsa e frustração. Não perdeu a postura, mas ficou claro que não era o que esperava.
— O que… é isso?
— Isso é o resultado de uma batalha épica e três dias de trabalho. — disse Evelyn, colocando as mãos na cintura e inflando o peito como se estivesse recebendo um prêmio.
A garota estava tão orgulhosa do próprio resultado que nem percebeu que a fala de Louis se tratava de uma reclamação.
Louis manteve o silêncio por alguns segundos, como se precisasse processar aquilo. Depois suspirou alto.
— Esse animal está com muitos danos. Ele está com dois buracos enormes nas costas. A cabeça está praticamente arrancada. E parte do rosto está em carne viva. — ele esfregou a testa com dois dedos. — Vou precisar descontar quarenta por cento do pagamento pelos custos de reparação da mercadoria.
O sorriso de Evelyn se desfez em um segundo, dando espaço a um rosto de incredulidade.
— O quê?! Quarenta por cento?! Isso não é justo! Eu trouxe o que você pediu e eu mereço o pagamento completo! — reclamou ela. — Sem contar que ninguém me avisou que dependendo do estado final do bicho eu ia perder parte do pagamento. — terminou ela cruzando os braços com um dos olhos fechados, avaliando Louis com uma expressão suspeita.
— Você não sabia? Isso estava literalmente na primeira página do contrato em negrito!
— Bom, se eu não vi, então não vale. Regra só existe se for lida, certo?
— Não é assim que… que tipo de lógica é essa!?
O tom do homem subiu e Evelyn também não recuou. Eles começaram a discutir como duas crianças mimadas brigando por um brinquedo quebrado, acusando um ao outro de ser o culpado da situação. Enquanto isso, Niko só observava a discussão acontecendo do seu lado se perguntando: “Será que eu devia fazer algo? hm. Melhor não, não quero estragar a conversa deles”
— Você é tão pobre assim a ponto de oitocentos Yzakels fazerem diferença pra você?
No instante em que Louis ouviu a palavra “pobre” sair da boca de Evelyn, algo dentro dele quebrou. A expressão de superioridade que ele cultivava com tanto esforço derreteu de uma só vez. Seus olhos se arregalaram e ele começou a suar frio. “Pobre”. Aquilo não era só um insulto. Não. Para alguém como Louis, era o equivalente de uma facada. Uma acusação absurda.
Em sua mente, ele viu flashes horríveis: colegas do seu círculo social e de negócios cochichando, chamando-o de plebeu e miserável longe de seus ouvidos. “Que horror!”
E foi nesse instante, ao perceber o efeito da ofensa, que Evelyn sorriu maliciosamente — o mesmo que surgia sempre que ela sentia o cheiro de lucro fácil no ar.
— Ora, acho que você está realmente quebrado, né? Essa reforma deve estar sendo tããão cara… Se quiser, pode ficar com todo o meu pagamento. Você parece precisar mais dele do que eu. Pode ficar, eu não me importo em ajudar quem passa por dificuldades. — disse ela, com uma entonação escandalosamente irônica.
— E-eu não tô quebrado! Oitocentos Yzakels para mim não fazem diferença nenhuma! Então, pode ficar com os dois mil mesmo. Não. Quer saber? Toma mais quinhentos só porque você precisa de mais dinheiro do que eu, plebe.
Louis tirou de dentro do sobretudo um maço de notas pretas com detalhes dourados, parecendo serem feitas de folha metálica, e estendeu para Evelyn, que pegou imediatamente as cédulas.
— Muito obrigada! Amei fazer negócios com você! Se precisar de novo do meu serviço, é só me ligar.
Evelyn, antes irônica, mudou de emoção instantaneamente quando viu o dinheiro. Agora estava com tanta felicidade que parecia transbordar de seu sorriso aberto.
— Niko, coloca o lufador no carrinho, por favor.
— Ah, sim, claro.
Durante a discussão, Niko ficou perdido em seus pensamentos, mas, assim que Evelyn o chamou, voltou à realidade. Niko lançou uma de suas facas no carrinho de carga e usou sua Alma, trazendo o corpo do lufador direto pra cima dele. Louis, inicialmente confuso, arregalou os olhos ao ver aquela cena incrível.
— Incrível… Garoto, você é um Independente? Tem algum contato que eu possa te chamar caso precise de algum trabalho?
— Se quiser me chamar, é só ligar pra Evelyn.
Louis olhou para Evelyn, que fez um gesto com a mão imitando um telefone, colocando a língua de fora e piscando. Ele apenas suspirou, farto daquela garota.
— Certo… obrigado. Tenham um bom dia.
— Tenha um bom dia também, senhor. — respondeu Niko tentando ser educado, enquanto voltava para a carroça com Evelyn.
Ela sentou no banco da frente, pegou o maço de notas e começou a contar. Niko ficou quieto até ela separar um pequeno bolo e estender pra ele.
— Eeeee aqui, Niko.
Ela esticou notas de vinte, cinquenta e cem Yzakels. Niko pegou sem saber se podia aceitar mesmo.
Ao pegar o papel, o garoto analisou a nota de cem. Era bonita. Tinha um fundo dourado, linhas pretas e o rosto de um homem jovem e sério no canto direito. No canto inferior direito, o número cem junto de “Yzakeл” e na parte superior esquerda, um selo com um “Kynдraл Rhæm” ao lado. No fundo, o castelo imperial desenhado em um céu claro artístico.
— Por que você tá me dando isso?
— Ué. Você me ajudou na missão, não foi? É o justo.
Niko deu um pequeno sorriso. Por algum motivo, ele realmente achava que ela ia ficar com o todo o dinheiro pra si. Mais uma vez, Evelyn o surpreendeu.
— Obrigado, Evelyn.
— De nada, moleque. Agora guarda esse dinheiro direito aí, que a gente tem mais coisa pra fazer hoje.
A carroça voltou a andar, junto dos sinos da cidade tocando ao longe.
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