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    Por algum milagre, o garoto não foi atingido pela rajada do lufador. Ele ainda estava vivo. “O que aconteceu?”, “Que diabo de fumaça é essa?”, pensou ele enquanto a mente estava em um turbilhão, não conseguindo encontrar as respostas para nada.

    Quando a fumaça se dissipou, à frente de Niko ergueu-se uma parede de gelo espessa e azulada, quase cristalina. O golpe do lufador bateu contra ela com violência, mas não conseguiu ultrapassar a barreira. Fragmentos da camada congelada se espalharam como estilhaços pelo chão. A parede começou a rachar lentamente, com fendas finas se espalhando como uma teia.

    Aquela proteção parecia vir da esquerda. Virando o rosto para a origem da parede de gelo, encontrou uma figura conhecida com o braço estendido ainda na direção da barreira. Uma figura feminina, de cabelos grisalhos e cicatrizes no rosto.

    — Evelyn?!

    A elfa baixou o braço lentamente e relaxou os ombros, como se tivesse acabado de concluir uma tarefa que não exigiu esforço, mas sim precisão. Seu olhar cruzou com o dele, e um sorriso leve surgiu nos lábios.

    — Você quase morreu de novo, hein. Quantas vezes eu vou ter que te salvar?

    — O que você está fazendo aqui?

    A surpresa na voz de Niko era genuína. Ele não imaginava que aquela elfa mercenária apareceria do nada para salvá-lo de novo.

    — Eu não podia deixar você sozinho nessa floresta. Vai que você machucasse o dedinho e precisasse de alguém pra passar antisséptico. — respondeu ela com um tom leve demais para o momento, como se sua chegada tivesse sido a coisa mais natural do mundo.

    — Espera… Você tava me seguindo?

    — Tava sim. Qual o problema? — perguntou enquanto encolhia os ombros com naturalidade.

    — Você sabia que podia simplesmente ter ficado do meu lado, não é!?

    — Sim, ué. Mas eu queria ver se você realmente sabia lutar. — ela fez uma pausa dramática, piscando um olho. — E vamos combinar: ninguém dá o melhor de si se não estiver com a vida em risco, né?

    Fez uma pose comicamente heroica, uma mão na cintura e o polegar da outra levantada com entusiasmo exagerado, sorrindo de forma quase infantil, como se a ideia de colocar alguém para enfrentar um monstro sozinho fosse uma pegadinha inofensiva.

    — A sua pose não condiz com absolutamente nada do que você acabou de dizer… — resmungou Niko, bufando de irritação. Estava feliz por vê-la, mas irritado com a irresponsabilidade.

    Antes que qualquer um dos dois pudesse falar mais alguma coisa, um rugido feroz, cheio de raiva e dor, preencheu o ar. Ambos se viraram rapidamente para a origem do som. O lufador, com sangue escorrendo pelas patas e pelo peito, corria na direção deles, mais furioso do que nunca. A pele entre os pelos já exibia tons arroxeados onde as queimaduras e cortes se acumularam. Ele ainda tinha força — e tinha sede de vingança.

    Evelyn, com reflexos rápidos, ergueu o braço e cravou uma estaca de gelo vindo do chão direto no peito da criatura. O ataque não foi profundo o suficiente para matá-lo, mas conseguiu interromper sua corrida. O impacto fez o monstro recuar por instinto, soltando um grunhido que mais parecia um trovão arranhado.

    — Niko, foge daqui agora! — gritou ela, enquanto já conjurava outra camada de gelo à sua frente.

    — O quê?

    — Eu seguro ele. Vai logo!

    — Mas eu…

    — Dá o fora, Niko!

    O garoto hesitou. Seus pés pareciam presos ao chão, não por força física, mas pelo conflito interno que o dominava. Aquela elfa havia salvado sua vida duas vezes — e agora estava pedindo que ele fugisse para salvá-la novamente. A dívida que ele tinha com ela já estava além de um simples favor. Era algo mais pesado, mais íntimo. Era algo que ele ainda não sabia como nomear, mas sentia que existia.

    Mesmo contra a própria vontade, ele se virou e correu para dentro da floresta, sumindo rapidamente entre as sombras. Evelyn soltou o ar que estava segurando — um suspiro de alívio pela decisão difícil que ele havia tomado.

    Enquanto Evelyn lutava, o lufador explodiu a barreira de gelo com uma investida de pura força. O som foi de vidro se estilhaçando em mil direções. A elfa recuou, tropeçando no gelo e caindo de lado. Tentou se levantar rápido, mas o tempo era curto demais. O monstro se libertou da estaca. Suas patas deixavam rastros de sangue na neve enquanto avançava, preparando mais uma vez seu ataque.

    E foi nesse momento que um novo rugido, vindo da criatura, dominou o ar — mas não era o rugido de ataque, era o som de dor.

    O lufador gritou para o alto, com a garganta falhando com o sangue. Nas suas costas, mais uma vez, estava Niko, com a foice fincada até o cabo. Toda sua atenção foi voltada para o garoto de chifres, que sumiu das suas costas no momento em que o caçador se virou.

    Lá estava Niko, firme, parado de frente ao monstro. O lufador, já debilitado e coberto de feridas, reuniu o resto de sua energia e disparou outra explosão de vento. O garoto, porém, não se moveu um centímetro — simplesmente ativou seu Portal e apareceu um pouco à direita de onde estava, como se aquilo fosse algo natural. Aquele ataque passou direto. O animal rugiu de raiva.

    Sem hesitar, o lufador lançou outra rajada. E novamente, Niko desapareceu antes que fosse atingido, surgindo mais adiante com o mesmo controle calmo de antes.

    Mesmo em sua mente primitiva, o lufador percebeu que seus ataques à distância eram inúteis. Com um rosnado furioso, impulsionou seu corpo para frente, avançando como um touro enfurecido, derrubando neve e galhos no caminho. Niko, no entanto, não recuou. Lançou uma faca para trás da criatura e, em um piscar, surgiu às suas costas, completamente ileso.

    — Isso não é tão difícil quando não se está com medo… ou quando se tem um plano em mente. — murmurou, para si mesmo.

    O monstro rugiu mais alto do que em qualquer outro momento. Sua garganta inflou, absorvendo o ar com ainda mais força do que antes. Mas ele não teve tempo de continuar.

    Duas estacas de gelo enormes emergiram do chão e perfuraram suas costelas com brutalidade. O som visceral preencheu o ar. O lufador emitiu um grunhido sufocado e doloroso, seu corpo inteiro tremendo com a dor lacerante que o impedia de se mover. Sangue escorreu pelo peito, manchando as estacas de gelo.

    Por um breve momento, Niko hesitou. A imagem do animal ferido lhe causou um sentimento estranho. Era apenas um monstro. Um predador. Mas mesmo assim… havia algo de trágico naquele sofrimento.

    — Deixo pra você finalizar ele, tá bem? — disse Evelyn atrás dele, com a voz calma, quase gentil.

    Niko não respondeu. Apenas lançou sua faca uma última vez, bem à frente da criatura. Um instante depois, apareceu diante do lufador.

    A garganta do animal estava exposta. Ele desceu a foice. Um corte limpo e preciso.O lufador emitiu seu último som. Algo mais parecido com um gemido que a um rugido. Seus músculos enrijeceram por um instante, e então, lentamente, a tensão desapareceu. As pernas cederam, e o rosto caiu. No instante seguinte, o espírito do animal se desprendeu do corpo, deixando a antiga carcaça em sofrimento. Finalmente descansando em paz.

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