Capítulo 20 - A Investigação
Fazia cerca de sete horas desde que Niko e Evelyn partiram em direção ao local da primeira lembrança do garoto. Metade do caminho já havia sido percorrido e a manhã começava a clarear o céu azul acima das árvores.
Dentro da carroça, Niko dormia encolhido com um livro aberto caído ao lado do peito — ele leu até o sono vencê-lo. Do lado de fora, Evelyn conduzia a égua em silêncio. Sua postura estava relaxada demais para quem guiava uma viagem, os olhos estavam fixos no chão à frente como se estivesse dormindo de olhos abertos. Ela estava ali, mas sua mente estava em algum outro lugar.
Depois de horas na mesma posição, vendo a paisagem repetitiva passando se alterando lentamente, a elfa finalmente ergueu os olhos e olhou para trás. Viu Niko dormindo — com a respiração lenta e a cabeça virada de lado. Com um suspiro curto, ela entrou na carroça em silêncio, puxou um violão que estava entre uma caixa de mantimentos e um cobertor, e voltou para o banco da frente, com o instrumento no colo.
Com um único gesto, deslizou os dedos pelas cordas, de cima para baixo, produzindo um som leve. A carroça seguia no ritmo lento do trote, os cascos de Aguro marcavam o chão gelado enquanto Evelyn, sem dizer nada, começou a tocar uma melodia arrastada, quase como um lamento.
A música era triste. Não de uma tristeza dramática — mas uma que vem em silêncio, que nasce da ausência e do vazio de ter deixado algo para trás. Era o tipo de melodia que parecia andar sozinha, com frio e feridas, atravessando um mundo solitário, em busca de algo que não se sabe o que é.
Ela cantarolou, em voz baixa, a primeira estrofe:
Os soldados retornaram, cansados da missão.
Os melhores ficaram, os outros… os outros não.
O rugido da guerra ecoa, tão fundo ao norte.
Nos deixando feridos… nos tornando mais fortes…
Evelyn parou de tocar por um instante. Os dedos ainda estavam suspensos sobre as cordas e o olhar encarava no chão. Ficou assim por um tempo. Quando respirou fundo, endireitou a coluna e voltou a dedilhar os acordes, retomando a melodia:
…Talvez sejamos estranhos, oh irmãos do Rhaem.
Embora seja verdade, ainda temos a mesma vontade.
Mesmo se caísse aqui… isso não importaria.
Vamos proteger nossa bandeira…
Sim, com as nossas vidas.”
“Vamos proteger a bandeira…
Sim — com as nossas vidas…
A última nota vibrou brevemente no ar antes de desaparecer. Evelyn soltou o ar devagar, como quem soltasse algo que estava guardado havia tempo. Colocou o violão ao lado, apoiando as mãos no colo, ainda com os olhos baixos. Um suspiro escapou involuntariamente, voltando à posição anterior ao canto.
— Você toca muito bem. — disse uma voz atrás dela, quebrando o silêncio.
Evelyn virou-se devagar. Viu Niko, que estava sentado na carroça, ainda sonolento, com os cabelos bagunçados e os olhos atentos ao rosto dela.
Ela apenas virou-se de volta para a frente, parecendo não ligar para a presença do garoto.
— Obrigada… — murmurou, sem entusiasmo.
Percebendo a expressão distante da elfa, Niko se aproximou. Pegou o violão com cuidado, colocou-o de volta dentro da carroça, e sentou-se ao lado dela no banco da frente.
— Você tá bem? Parece… distante.
— Tô sim. — respondeu ela, coçando a nuca com a mão direita. — Só… estava lembrando de algumas coisas. Quando isso acontece, gosto de tocar algo, isso me ajuda a colocar a cabeça no lugar. — ela tentou um sorriso breve em direção a Niko, mas não conseguiu. Logo voltou a abaixar o olhar.
Um novo silêncio caiu. Niko achou que duraria um tempo, até o estômago de um dos dois roncar ou alguém puxar outro assunto. Mas ele durou bem pouco.
— Eu gostava das vezes que tocava e cantava na guerra. — disse ela, olhando à frente, como se visse outra estrada além da real. — Eram momentos especiais. Momentos em que eu podia esquecer que o mundo estava se despedaçando em minha volta e simplesmente só… fazer algo bom, algo que eu pudesse me sentir bem e que fazia os outros à minha volta se sentirem bem também…
Ele elevou o braço para o ombro, se encostando na lateral da carroça.
— Fazer isso também me lembra do meu pai… — disse, mais baixo. — Ele tocava com os amigos dele quando tinha tempo. Eu amava escutar eles cantando. Eu amava aquele tempo… Aquilo era lar pra mim. Daria de tudo para ter a oportunidade de viver mais um dia com eles…
As palavras foram sumindo conforme saíam da garganta. Duas lágrimas silenciosas caíram — primeiro à esquerda, e depois à direita, pingando perto das botas. Ela não chorava alto. Só ficava ali, tentando segurar o que já escapava.
Niko não disse nada. Apenas a abraçou com cuidado. Evelyn permaneceu imóvel por um momento. Depois, encostou o rosto no ombro dele.
— Você está melhor agora? — perguntou ele, depois de um tempo.
— Tô sim… — respondeu, com a voz baixa, mas mais firme. — Obrigada, Niko.
***
A carroça, após horas de viagem e silêncio constante, finalmente parou.
— As pegadas acabam aqui. — Evelyn comentou, apontando para uma trilha na neve. — E continuam em direção à floresta.
Durante o trajeto, ela e Niko notaram marcas estranhas na estrada — semelhantes a pegadas. Ao chegarem a uma ponte danificada como a que ele descreveu, a confirmação foi quase absoluta: aquelas pegadas eram dele.
O frio da noite tornava o ambiente ainda mais frio, o suficiente para que o albocerno não aguentasse ficar na parte de fora da carroça. Niko fechou o livro que lia e sentiu um arrepio correr pelo corpo ao ouvir a notícia — um misto de medo e determinação, que fazia ele tremer. Engoliu seco e disse:
— Vamos.
Em seguida desceu a carroça por trás. Evelyn também desceu, guardou o frasco com o espírito de Aguro e pegou a lanterna de latão do veículo, que iluminava a noite escura.
Os dois adentraram a floresta, ainda seguindo as marcas, com os passos que davam sendo ocultados pela Alma de Evelyn. A escuridão entre as árvores era densa, e a luz da lanterna iluminava o mínimo possível.
O coração de Niko batia com força, não por medo da floresta, mas por ansiedade. Ele estava cada vez mais próximo de sua primeira memória. Era ali que tudo havia começado. Sentia a garganta seca e as mãos inquietas. Ele tentava imaginar sobre o que encontraria ali mas era inútil pensar, nada vinha à mente.
O silêncio entre os dois era alto, mas não incômodo. Era como se ambos compartilhassem o mesmo pensamento, o mesmo cuidado. E assim, passo a passo, mergulhavam mais fundo na floresta — no desconhecido.
Em pouco tempo chegaram ao “local familiar”, uma árvore solitária — a mesma que Niko se lembrava de ver. Onde sua vida praticamente começou. Isso era emocionante para o garoto. Veio um sentimento forte, quase como nostalgia.
— Então… É aqui? — perguntou a elfa, esticando a lanterna em direção ao tronco.
— …Sim. — respondeu ele com a voz firme. — Eu lembro do lugar e daquelas marcas no chão.
— Então é melhor a gente começar a procurar pistas.
Niko afirmou com a cabeça, ainda com o olhar fixado na árvore.
— Okay, então bora lá!
Eles se separaram: Niko andou rumo ao leste e Evelyn para o oeste. O garoto não sabia exatamente o que devia procurar. Com essa incerteza veio um pensamento: “Será que vir aqui foi em vão? O que eu vou encontrar nesse breu?”. Começou a ficar nervoso, que havia sido idiota em pensar que haveria algo aqui. Se ele não havia visto nada antes, não tinha sentido em encontrar algo agora.
“Que idiota…”, pensou, chutando levemente a neve, irritado consigo mesmo. O som da própria respiração e o rangido das botas em meio a neve eram tudo o que ele ouvia. As árvores à sua volta pareciam todas iguais, galhos retorcidos e cobertos de neve, como se a natureza estivesse zombando do seu esforço.
Mas então, algo prendeu sua atenção. Um pequeno buraco na neve. Não era nada grandioso à primeira vista, apenas uma cratera suave, do tamanho de um palmo, cercada por uma leve elevação de neve nas bordas.
Niko se aproximou com cuidado, estreitando os olhos para enxergar melhor dada a falta de luz. Havia pegadas também próximas à cratera. E logo ao lado, um pequeno buraco com menos de cinco centímetros.
A frustração foi trocada por curiosidade. E estendendo a mão em direção ao buraco menor, o garoto retirou um cilindro oco de bronze. Aparentava ser uma cápsula de bala.
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