Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 148: Sobreposição
Uma sombra branca veloz cortou os becos sujos e envelhecidos do Distrito Inferior, passou por entre as tubulações e estruturas de ventilação das fábricas, sobrevoou estações abandonadas e ruas desertas, até finalmente mergulhar em um beco estreito e sombrio.
De repente, chamas verde-espectrais irromperam no ar, espalhando-se como um portal em expansão. O vórtice flamejante oscilou por um instante antes de encolher abruptamente — e, do meio dele, Duncan emergiu com passos firmes.
Logo atrás, Shirley ainda tentava assimilar o que havia acabado de acontecer.
Duncan virou-se para observar a garota, analisando-a de cima a baixo antes de perguntar com um tom sério:
“Como está se sentindo? Algum desconforto?”
“Eu… estou bem”, Shirley ainda se sentia um pouco tonta, mas essa sensação vinha mais do choque de ser arrastada por uma entidade poderosa do que de qualquer efeito físico. Ela ergueu a cabeça e lançou um olhar para Ai, que já havia retomado sua forma de pomba branca e pousava tranquilamente no ombro de Duncan.
Após um longo momento de hesitação, Shirley se conectou mentalmente a Cão, que permanecia oculto em sua alma.
“Cão, você conseguiria vencer essa pomba?”
A resposta veio de forma abafada e melancólica:
“Não pergunte. Se perguntar, a resposta é não.”
“O quê? Nem um pássaro?” Shirley ficou perplexa.
“Isso não é um pássaro. E, para ser honesto, nem mesmo o peixe que esse cara cozinha eu conseguiria derrotar…”
Shirley franziu a testa.
“Por que de repente mencionou peixe?”
“Porque já percebi que ao redor dessa entidade nada segue a lógica comum…”
Duncan, alheio ao diálogo interno da garota, apenas lançou mais um olhar avaliativo para ela e sentiu a resposta da marca que havia deixado nela. Só então relaxou completamente.
Na verdade, ele nunca teve dúvidas sobre a capacidade de Ai em transportar pessoas com segurança.
Não apenas porque já havia testado a viagem com seu próprio corpo humano, mas também porque, depois disso, realizou inúmeros experimentos com diversas aves e pequenos animais para garantir a estabilidade do transporte. Em todos os testes, a viagem foi perfeita — o que confirmava que a pomba conseguia transportar qualquer ser vivo sem danos.
Mas, ainda assim, ele preferiu verificar Shirley pessoalmente.
Afinal, Ai era um enigma ambulante, e ninguém sabia quantos segredos ainda estavam ocultos naquele ser. Era sempre melhor ser cauteloso ao usar o ‘serviço de entrega da pomba esquelética’.
Após garantir que tudo estava em ordem com Shirley, Duncan voltou sua atenção para o ambiente ao redor.
Diante de seus olhos, havia um beco estreito e deserto.
No fim daquela viela, a paisagem urbana desgastada se estendia — tubulações antigas e mal cuidadas atravessavam os telhados das construções, e em alguns pontos as conexões enferrujadas liberavam finos jatos de vapor.
Era um cenário comum em muitas partes do Distrito Inferior.
Mas Shirley percebeu de imediato onde estavam.
“Este é… o Sexto Distrito?” Seus olhos se arregalaram de surpresa. “Sr. Duncan, foi aqui que o senhor sentiu a presença daquela marca?”
“Exato. Voltamos ao Sexto Distrito.” Duncan soltou um leve suspiro e franziu as sobrancelhas. “Mas… a marca desapareceu há um minuto.”
“Desapareceu? Como assim? Foi apagada?” Shirley perguntou, surpresa.
Duncan não respondeu de imediato. Ele simplesmente manteve o olhar fixo em uma direção específica, pensativo.
Dentro do sonho de Shirley, ele havia implantado uma chama no pedaço sobrevivente do atacante — o homem do guarda-chuva. Naquele momento, a ordem que ele deu àquele fragmento foi para retornar ao seu ‘corpo original’.
Logo depois, a conexão com a chama desapareceu, assim como o pesadelo de Shirley terminou. Desde então, ele não sentiu mais nada…
Até agora.
Subitamente, aquela marca voltou a emitir um sinal, e o guiou até este lugar.
O Sexto Distrito, no mundo real.
O fogo espiritual, que deveria estar restrito ao domínio dos sonhos, de alguma forma emergiu na realidade e enviou um chamado.
Shirley teve um pesadelo. O limite desse pesadelo coincidiu com a visão dos sonhos de Nina. O homem do guarda-chuva que a atacou naquele sonho esteve presente na cena real do incêndio no museu…
Fragmentos dispersos, contraditórios, mas que pareciam sutilmente interligados, começaram a se encaixar na mente de Duncan.
Ele sentia que estava prestes a tocar uma cortina invisível, a mesma cortina que cobria toda a cidade-estado.
Mas… havia uma fissura nesse véu.
E essa fissura estava no Sexto Distrito.
Um detalhe que, na última visita dele e de Shirley, havia passado despercebido.
Duncan virou-se na direção de onde a marca enviou seu último sinal.
A marca apareceu por um breve momento e desapareceu rapidamente, mas Duncan não acreditava que sua chama havia se apagado.
Mesmo sem conseguir determinar sua localização exata, ele ainda podia sentir que a pequena labareda continuava queimando — e não apenas isso, ela havia crescido significativamente desde a última vez que a percebeu.
Se a chama ainda ardia e se fortalecia, significava que sua ‘missão’ ainda não havia terminado.
Ela ainda estava perseguindo, consumindo e assimilando aquele atacante. Talvez já tivesse até se alastrado como um incêndio maior.
O fato de que a marca surgiu brevemente no Sexto Distrito antes de desaparecer poderia indicar uma instabilidade no ‘véu’ que separava os dois mundos. Se houvesse uma fissura temporária, os dois planos poderiam ter se sobreposto por um instante, permitindo a manifestação da marca no mundo real antes de sumir novamente.
Duncan precisava encontrar essa fissura.
Precisava achar a passagem que conectava sonho e realidade.
Após alguns dias, ele e Shirley retornaram às ruas desoladas do Sexto Distrito.
Dessa vez, não perderam tempo interrogando moradores. Apenas seguiram diretamente para o interior mais profundo do bairro.
“A fábrica abandonada fica para aquele lado…” Shirley ergueu o braço e apontou para um grande edifício ao longe.
“Não estamos indo para a fábrica.” Duncan respondeu sem hesitação. “Vamos por aqui.”
“Ah… entendi.”
Shirley apenas acenou, apressando os passos para acompanhar Duncan.
O vento soprou, fazendo as folhas secas amareladas dançarem pelo chão.
Enquanto caminhava, Shirley sentiu o leve estalo das folhas se partindo sob seus pés.
O som era estranho.
Não era apenas o som habitual de folhas secas esmagadas… soava como madeira queimada se partindo, como pequenos estalidos de chamas.
Ergueu a cabeça e olhou ao redor.
Mas tudo parecia normal.
Casas antigas e gastas alinhavam-se ao longo da rua, imóveis e indiferentes ao vento, observando friamente os intrusos que haviam chegado.
Foi então que Shirley percebeu algo estranhamente errado.
Quando foi que todas as pessoas desapareceram?
O Sexto Distrito sempre fora um bairro decadente e solitário, mas ainda assim, não deveria estar completamente vazio.
Mesmo nas áreas mais abandonadas, sempre havia alguns moradores vagando sem rumo, indiferentes e reclusos.
Mas agora…
Não havia ninguém.
Uma sensação inquietante começou a se espalhar pelo peito de Shirley.
Era um desconforto estranhamente familiar, algo que a fazia lembrar daquele pesadelo onde ficou presa.
Instintivamente, ela se aproximou de Duncan, buscando segurança — mas, nesse exato momento, ele parou abruptamente.
Com um baque surdo, ela colidiu de frente com a cintura dele.
No instante seguinte, ela já havia preparado mentalmente seu testamento completo e até concebido três designs possíveis para sua lápide.
Mas então, de súbito, um pensamento a atingiu:
‘Se alguém for esmagado por uma entidade das Profundezas Abissais, provavelmente nem corpo sobra para enterrar…’
Duncan interrompeu sua espiral de pensamentos com um tom tranquilo:
“Parece que chegamos.”
“Mil desculpas! Eu juro que não foi intencional, por favor, me perdoe—”
Shirley começou a suplicar automaticamente, mas interrompeu-se no meio da frase, percebendo que Duncan não parecia nem um pouco irritado.
Ela então notou a construção diante deles.
Era uma igreja.
No fim daquele beco esquecido, uma pequena capela comunitária, semelhante às muitas espalhadas por Pland, erguia-se silenciosa.
Ela possuía a típica torre fina e pontiaguda dos prédios do Igreja do Mar Profundo. Mas o telhado de azulejos negros e as paredes brancas estavam tomados por trepadeiras secas e manchas de sujeira.
A grande porta de madeira, decorada com runas sagradas, estava entreaberta, e os vitrais coloridos estavam quebrados e deformados, reduzidos a molduras metálicas retorcidas.
Através das fendas na porta e nas janelas estilhaçadas, podia-se vislumbrar a escuridão no interior.
Aquela fora uma construção sagrada, mas agora seu abandono e decadência transbordavam por cada rachadura entre os tijolos.
“É… a igreja que aquele velho mencionou na nossa última visita?” Shirley perguntou, relembrando o que haviam investigado sobre o Sexto Distrito. “Acho que ele disse que uma freira vivia aqui… mas que raramente estava na igreja.”
“Para estar nesse estado, não é só questão de ‘raramente estar’ aqui”, comentou Duncan casualmente enquanto caminhava em direção à porta da igreja. “Em vez de dizer que essa freira raramente está aqui, diria que este lugar parece ter sido esquecido por onze anos.”
Shirley sentiu um arrepio ao olhar para a capela.
Seus instintos gritavam para se afastar, mas, depois de uma breve hesitação, ela forçou-se a seguir Duncan.
No momento seguinte, Duncan empurrou a porta da igreja.
O que eles viram dentro os deixou surpresos.
Velas cintilantes espalhavam uma luz quente e dourada por todo o ambiente.
A igreja estava limpa e organizada.
Os bancos de madeira estavam impecavelmente alinhados, e, no altar, a estátua da Deusa da Tempestade, Gomona, erguia-se majestosamente, banhada pela luz das chamas.
Uma freira, ajoelhada em oração diante da estátua, ergueu-se ao ouvir o rangido da porta.
Ela virou-se e sorriu gentilmente para os recém-chegados.
“Já faz muito tempo desde que alguém visitou esta igreja.”
Duncan manteve sua expressão inalterada, observando a mulher enquanto murmurava baixinho:
“Então… é mesmo aqui.”
A fissura no véu.
Ele piscou os olhos.
E, por um instante, a realidade mudou diante dele.
A freira sorridente que viu em um momento, no instante seguinte, tornou-se uma massa disforme de cinzas pulsantes.
Atrás dela, a igreja inteira assumiu um estado bizarro e sobreposto.
As fileiras de bancos bem conservados estavam, ao mesmo tempo, envoltas em chamas ardentes.
Cinzas e brasas flutuavam no ar, o telhado parecia desmoronar em meio às labaredas, e as chamas consumiam tudo ao mesmo tempo em que o ambiente permanecia intacto.
Era como se duas realidades completamente distintas estivessem sobrepostas e colidindo no mesmo espaço.
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