Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 171: Encruzilhada da História
Aquela figura era muito alta — parecia até mais alta que a própria Inquisidora Vanna. Era extremamente magra, como se sob o pesado sobretudo negro houvesse apenas carne seca e ressequida. Mesmo dentro daquele ambiente fechado, carregava um guarda-chuva preto de aparência sinistra, com a aba baixa o suficiente para ocultar-lhe o rosto — mas bastou um único olhar para que o velho sacerdote visse em seu corpo a sombra profana e distorcida da corrupção.
“Resquício do Sol Negro?!” O velho exclamou, chocado, e logo rugiu em fúria: “Como ousa pisar neste arquivo sagrado?!”
No instante seguinte, um estrondo rompeu o silêncio do Arquivo. O velho já havia sacado o revólver de grosso calibre que trazia na cintura. A bala consagrada rugiu com fogo e estrondo — mas talvez os reflexos do ancião já estivessem lentos demais, pois, antes mesmo do disparo, a figura sombria já se movera.
Do forro de seu sobretudo saltaram duas sombras. A primeira se lançou no ar, interceptando a bala no meio do caminho. A segunda percorreu dez metros num piscar de olhos, acertando com força o ombro do velho sacerdote.
Um guincho metálico agudo ecoou — o corpo do ancião foi arremessado para o lado, colidindo com uma das grandes estantes próximas. A estrutura estremeceu violentamente, e incontáveis livros e rolos de pergaminho desabaram.
A figura bizarra que empunhava o guarda-chuva negro avançou a passos lentos em direção ao sacerdote caído. De seu interior emanavam sussurros baixos e caóticos — como se carne podre estivesse fervendo dentro de uma panela.
Mas no instante seguinte, um rugido irrompeu de dentro da pilha de livros caídos, e o velho sacerdote saltou das sombras — agora empunhando uma afiada espada de aço, surgida não se sabia de onde. A lâmina cortou o ar com um assobio, descendo ferozmente em direção ao intruso.
O invasor parou bruscamente. O guarda-chuva negro inclinou-se ligeiramente, interceptando o golpe com firmeza. Faíscas explodiram ao contato entre a espada e a estrutura do guarda-chuva. Num só movimento, o sacerdote girou no ar e aterrissou, executando um novo golpe em arco — desta vez mirando a lateral do inimigo.
A espada girava em círculos, ressoando com um clangor metálico. Os membros mecânicos do velho rugiam de esforço. A técnica da Espada da Tempestade, refinada ao longo de décadas, voltava a brilhar depois de anos em silêncio. Os arcos cortantes e os giros fluíam como ondas do mar, desferindo golpe após golpe sobre o inimigo profano. E, entre os movimentos da lâmina, visões etéreas de ondas se formavam pouco a pouco.
Essas ondas ilusórias ganhavam peso. Ganhavam presença. E, gradativamente, começavam a carregar o impacto e o poder de verdadeiras marés.
O poder da Deusa da Tempestade impregnava cada golpe contínuo em arco. A pressão marítima se concentrava na lâmina forjada especialmente para tal técnica — e cada estocada trazia consigo o sal e o vento do oceano, fazendo o ar e o chão ao redor vibrarem levemente.
O guarda-chuva negro nas mãos do invasor era surpreendentemente resistente — suportava dezenas de cortes sem ceder — mas o próprio invasor começava a recuar. Cada investida das ondas o empurrava mais e mais, até que ele se viu encurralado junto à estante mais próxima. Sussurros roucos e irritados escaparam de seu corpo, cheios de um poder hipnótico.
Mas o velho sacerdote havia selado todos os sentidos desnecessários. Ignorava por completo os ruídos emitidos por seu inimigo — pois sabia que não podia parar. A Espada da Tempestade exigia uma pressão constante, um fluxo ininterrupto como o das marés. E ele também sabia: esses ‘resquícios’ desprendidos da Prole do Sol eram perigosos demais. Se sua pressão cessasse por um instante sequer, o inimigo escaparia da luta no segundo seguinte.
Enquanto isso, o coração do velho sacerdote se enchia de dúvidas e espanto — como aquele resquício profano havia conseguido infiltrar-se no Arquivo? A igreja estava impregnada pelo poder da Deusa, repleta de proteções e mecanismos, com dezenas de camadas de vigilância abertas e ocultas, por dentro e por fora. Mesmo um corpo completo da Prole do Sol seria detido ali. Como um simples ‘resquício’ conseguiu entrar despercebido?
A menos que… ele não tenha entrado pela estrutura comum do tempo e do espaço…
Foi nesse instante que um som agudo rasgando o ar soou repentinamente. O corpo do velho sacerdote enrijeceu de imediato — um reflexo nato de um guerreiro experiente. A espada em sua mão não parou, apenas ajustou ligeiramente o ângulo, preparando-se para interceptar um ataque surpresa do invasor.
A dor explodiu sob suas costelas.
A corrente de golpes cessou. Atônito, o velho sacerdote olhou para o tentáculo que atravessava seu corpo. Viu o sangue escorrer pelas bordas das vestes esfarrapadas. Seu braço mecânico de latão começou a irradiar calor intenso. As engrenagens desgastadas e enferrujadas soltaram um último rangido — e pararam.
Foi só após um segundo que o velho compreendeu o que acontecera: ele estava velho.
Ele… e os mecanismos de seu corpo… estavam todos velhos.
Acompanhado por um som repulsivo, o tentáculo grotesco retraiu-se lentamente para dentro das vestes do invasor. A criatura inumana se aproximou do velho, que ainda se mantinha de pé apenas com apoio na espada, resistindo para não tombar. A figura então abaixou o guarda-chuva, revelando a coisa que usava como ‘cabeça’ — uma massa pulsante de carne deformada, que se expandia e contraía como uma flor sangrenta em plena floração. Uma voz rouca ecoou do centro dessa ‘flor’.
Era uma frase em língua comum, mal articulada:
“Diga à sua deusa… que esta era de podridão chegou ao fim. O Sol irá despertar… do seio da História…”
“História…” O velho sacerdote tremeu. Ainda não havia caído, mas já não tinha forças para erguer a espada. De súbito, compreendeu algo. “Vocês… poluíram a história?!”
O invasor pareceu rir — embora fosse apenas uma flor de carne pulsante, as pétalas convulsas e os dentes desalinhados pareciam esboçar um sorriso.
“No dia em que as chamas se acenderam… os desejos de todos foram atendidos.”
A cabeça do velho sacerdote pendeu. A vida esvaía-se rapidamente daquele corpo gasto. Era como se ele, enfim, tivesse desistido de resistir ao mundo — e agora apenas aguardasse, serenamente, pelo instante final.
O invasor pareceu indiferente ao desfecho. Ergueu novamente o guarda-chuva, preparando-se para partir.
Mas no instante seguinte, um estrondo metálico irrompeu de repente — as engrenagens outrora paralisadas do braço mecânico voltaram a girar, acompanhadas pelo som da bomba de óleo pressurizando. O invasor se virou, surpreso.
E tudo o que viu foi o brilho de uma lâmina vindo em sua direção, com velocidade implacável.
“Peço-lhe que testemunhe!”
O velho sacerdote rugiu com fúria, e sua espada de aço desceu sem hesitação sobre o corpo do invasor. Desta vez, não havia guarda-chuva para barrar o golpe, nem tentáculos para desviá-lo — a lâmina, carregada com toda a força restante do ancião, cortou o inimigo como se rasgasse um pedaço de tecido velho, partindo-o ao meio.
O invasor, pego de surpresa, foi cortado em dois por um único golpe. As duas metades de seu corpo caíram no chão.
Mas no instante seguinte, ambas começaram a se contorcer, emitindo sons vis de carne pulsante. Inúmeros brotos carnosos e tentáculos finos começaram a se estender de dentro dos corpos partidos, arrastando-se uns em direção aos outros, recompondo-se lentamente.
A criatura começava a se reconstituir, soltando rosnados furiosos, abafados por sua massa mutante.
O velho sacerdote, porém, já havia abaixado a lâmina. Seu corpo também cedia, tombando aos poucos. Com os olhos turvos, assistia à criatura profana se erguer novamente, e em seu rosto cansado despontava um sorriso tranquilo.
Ele sabia que, com suas últimas forças, não poderia matar aquele monstro. Mesmo sendo apenas um resquício, tratava-se de um fragmento da Prole do Sol — algo que um velho moribundo e sua espada jamais poderiam enfrentar de igual para igual. Mas, ao menos, ele havia provado sua fidelidade à deusa antes do fim.
A Tempestade testemunhou.
E isso era o suficiente.
O invasor se reergueu. Em sua fúria, novos tentáculos brotaram, repletos de dentes afiados ao longo das extremidades. A contaminação se espalhava.
E, diante dos olhos do velho, ele viu o fogo irromper atrás da criatura. O fogo consumia o Arquivo. O fogo devorava a igreja inteira.
A imagem sagrada da deusa desabou à distância, com um estrondo.
Diante dele, manifestava-se a visão de uma Pland completamente destruída pelas chamas — um futuro possível, um ramo da história em que o Fragmento do Sol se manifestara com sucesso, e os guardiões da cidade-estado haviam sido todos aniquilados.
A consciência do velho afundava lentamente naquele fragmento de história corrompida. Mas, subitamente, algo diferente capturou o canto de seu olhar.
Uma chama verde-espectral.
Ela se espalhava discretamente em meio ao incêndio, serpenteando entre luz e sombra, dançando nas ilusões formadas pelas chamas.
Aquela chama verde se dividia… e fluía por todos os cantos.
Atrás de uma estante desmoronada, uma pequena chama verde-espectral pareceu ‘farejar’ algo no ar. De repente, ela disparou em alta velocidade, como um cão de caça que detectara o cheiro da presa, lançando-se ferozmente contra o invasor, que se preparava para desferir o golpe final.
O velho sacerdote observava tudo com a mente turva, sua consciência flutuando entre o real e o ilusório, incapaz de discernir se aquilo era de fato realidade ou apenas um delírio final. Ele viu o invasor ser subitamente envolvido pelas chamas verdejantes — e, mesmo possuindo o poder da Prole do Sol, seu corpo começou a derreter como cera ao fogo.
Ele ouviu os gritos da criatura agonizante ecoando por todo o Arquivo — gritos carregados de um terror e uma loucura quase inimagináveis.
Então, tudo ficou em silêncio.
O mar de chamas se dissipou. A história corrompida recuou, por ora, para as profundezas da cortina do tempo. O Arquivo — posicionado entre dois ramos divergentes da história — mergulhou em um silêncio absoluto. Nenhum visitante. Nenhum resquício.
Apenas um velho que morrera com a espada em mãos jazia no chão, imóvel. Seus olhos, meio abertos, fitavam o vazio. Em um deles, refletia-se uma Pland salva e intacta. No outro, o fim do mundo trazido pelo Sol.
E ele já não pertencia a nenhum dos dois caminhos — nem morrera no incêndio, nem sobrevivera a ele.
O sangue do velho, agora frio, escorria sob seu corpo. Mas não o fazia de maneira aleatória — como se guiado por uma força de vontade poderosa, o sangue fluía silenciosamente sobre o chão, formando pegadas.
Pegadas que se estendiam, lenta e firmemente, em direção ao painel de controle do administrador…
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