Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 176: Um Lar Aconchegante
Nina surgiu no campo de visão de Duncan — a garota vinha trotando alegremente pela rua, um sorriso tranquilo no rosto. Ao avistar o tio sentado distraído na porta da loja de antiguidades, acelerou os passos e acenou animada:
“Tio, voltei!”
Duncan despertou de seus pensamentos. Por um instante, deixou de lado as inquietações e se levantou para receber sua ‘sobrinha’. Quando notou que ela estava ofegante, franziu levemente as sobrancelhas:
“Eu não te dei dinheiro pro transporte? Por que voltou correndo da escola?”
Ao parar diante dele, Nina puxou o ar algumas vezes e coçou a cabeça, um pouco envergonhada. Em seguida, começou a revirar a mochila até encontrar um pequeno embrulho de papel, que entregou ao tio:
“É que… eu passei na clínica do doutor Albert no caminho de volta…”
Duncan pegou o embrulho e o apertou entre os dedos, percebendo que havia algumas pílulas ali dentro.
“O doutor Albert disse que, como o senhor usou álcool por muito tempo para aliviar a dor, mesmo agora que está melhor e já parou de beber, pode acabar passando mal por ter interrompido de uma vez”, explicou Nina em voz baixa. “Essas pílulas ajudam com os sintomas da abstinência. Se o senhor começar a se sentir mal, pode tomar uma… Ah, e ele também falou que, se o senhor não teve piora ultimamente, pode parar com aquele outro remédio — mas ainda recomenda que o senhor vá lá um dia desses pra fazer um exame completo…”
Duncan ouviu tudo em silêncio. A explicação de Nina era suave, quase cautelosa. Ele não disse nada por um bom tempo — apenas guardou com todo cuidado o pacotinho de pílulas junto ao corpo.
Então, estendeu a mão e bagunçou carinhosamente o cabelo da garota.
“Tio?” Nina ergueu os olhos, confusa. No rosto de Duncan havia uma seriedade difícil de definir — havia até uma leve sombra de preocupação ali, o que logo despertou a sensibilidade da menina. “O senhor… tá se sentindo mal? Ou…”
“Estou bem.” Duncan sorriu de repente, curvando-se levemente para encará-la nos olhos. “Mas não use mais o dinheiro do transporte pra comprar remédio pra mim — aqui em casa não falta dinheiro. Pode usar esse dinheiro pra comprar lanches, e se não der, é só me pedir.”
Nina ficou um tanto atônita olhando para Duncan. Achou que o tio estava agindo de forma meio estranha, mas não sabia exatamente por quê. Demorou um pouco, mas acabou assentindo, hesitante:
“Tá… tá bom…”
Depois de pensar um pouco, ela espiou o interior da loja, e seu rosto assumiu uma expressão entre expectativa e dúvida:
“Tio, então… o senhor disse que quando eu voltasse da escola, ia me ensinar a andar de bicicleta…”
“O tempo não tá dos melhores”, Duncan arqueou as sobrancelhas. “Parece que vai chover.”
“A gente pode ficar só aqui na frente da loja,” Nina segurou o braço do tio, murmurando em tom esperançoso. “Se chover, a gente volta correndo…”
Duncan sorriu, balançando a cabeça com leveza:
“Tudo bem, vai guardar a mochila. Eu vou te ensinar a andar de bicicleta — mas só um pouquinho, ainda temos que preparar o jantar.”
“Oba!”
Nina soltou um gritinho animado e correu para dentro da loja como se estivesse em uma missão. Sem nem pensar, jogou a mochila sobre o balcão e logo reapareceu empurrando a bicicleta novinha em folha — embora seu jeito de empurrar fosse todo desajeitado. Lutou um bom tempo contra o batente da porta até finalmente conseguir trazer a bicicleta para perto de Duncan.
“…Na verdade, acho que você devia aprender primeiro a empurrar a bicicleta direito”, Duncan comentou com um sorriso contido diante daquela cena atrapalhada. Suspirou, resignado, e se adiantou para segurar o guidão. “Mas já que você tá tão animada, sobe logo — eu seguro a bicicleta pra você sentir como é pedalar e manter o equilíbrio.”
Nina assentiu rapidamente, segurando firme no guidão enquanto se esforçava para subir no selim. Enquanto fazia força, repetia várias vezes:
“Tio, segura bem firme, hein! Não solta, tá bom?!”
“Tá, tá, confia em mim…”
O vento do mar, salgado e gelado, atravessava as ruas envelhecidas do Distrito Inferior, levantando folhas secas e poeira entre os prédios baixos e desgastados. As nuvens escuras pairavam baixas sobre a cidade, como se ameaçassem uma tempestade que, por algum motivo, ainda hesitava em cair.
Na pequena área em frente à loja de antiguidades, ouvia-se a voz excitada e um pouco nervosa da garota, o tilintar caótico da campainha da bicicleta, e, no meio disso tudo, as instruções e brincadeiras ocasionais de Duncan.
Um carro particular preto, de estilo antigo, estacionou próximo dali. De dentro saiu um senhor com um casaco de lã à moda antiga, uma bengala na mão e um chapéu-coco discreto sobre a cabeça. Ele abriu a porta devagar, erguendo os olhos em direção à loja de antiguidades.
Era Morris. Reconheceu de imediato aquela loja velha e familiar — e viu, ali na frente, Duncan e Nina no momento descontraído de aprendizagem.
Cenário simples das ruas do Distrito Inferior. Um cotidiano familiar e acolhedor. Tudo parecia absurdamente normal. Mesmo com o céu carregado, o vento frio do outono e o ar melancólico das ruas, a cena à frente irradiava calor e paz.
Mas bastou meio dia de Heidi dentro daquela loja para que a bênção do Deus da Sabedoria, Lahm, se esgotasse por completo — e isso com a proteção de uma Inquisidora do Mar Profundo.
E, depois, nem Heidi nem a própria Vanna haviam percebido qualquer anomalia.
Morris respirou fundo. Apesar da imagem diante de si, sentia seu coração acelerar, um aperto crescente em seu peito.
Mordeu levemente os lábios. Não foi direto cumprimentar a dupla diante da loja. Primeiro, precisava observar — se pudesse evitar envolver pessoas inocentes em assuntos do mundo sobrenatural, ele o faria.
O velho tateou o bolso do paletó e puxou um monóculo preso a uma delicada corrente dourada. Uma extremidade da corrente estava presa ao interior do bolso, a outra conectada à armação. Gravados ao redor da lente havia símbolos sagrados e o nome do Deus da Sabedoria, Lahm, todos escritos em antiga escrita cretense. Na superfície da lente translúcida, uma tênue luz espiritual parecia pulsar, sutil e silenciosa.
“Que a sabedoria me conceda olhos para ver, ilumine minha mente, permita-me enxergar a verdade, atravessar as névoas…”
Morris murmurou a prece em voz baixa e encaixou o monóculo no olho. Estava prestes a ‘abrir’ aquele olhar que ele mesmo havia selado, por vontade própria, onze anos atrás…
Por um instante, tudo pareceu se apagar. Ele baixou os olhos, encarando o monóculo em sua mão — o nome de Lahm, o Deus da Sabedoria, gravado na moldura, junto a diversos símbolos sagrados. No vidro translúcido, uma luz tênue ondulava.
“Que a sabedoria me conceda olhos para ver…”
Repetiu a prece. Levantou o rosto. E…
Piscou. O tempo pareceu vacilar.
Novamente, olhou para o monóculo em sua mão.
Então, uma rajada de vento gelado atravessou a rua, trazendo consigo um sussurro abafado e profundo. O velho erudito congelou no lugar, interrompendo seu movimento. Num gesto súbito, ergueu o pulso direito.
Ali estava o bracelete feito de pedras coloridas entrelaçadas com fio de seda — agora com apenas oito pedras restantes.
O vento de fim de outono passou arrastando folhas secas e um frio úmido. Para Morris, todos os sons se apagaram. O trânsito ao longe, os sinos da igreja, tudo parecia vir de outro mundo. Só conseguia ouvir seu próprio coração batendo como tambores de guerra. O som do sangue correndo em suas veias ecoava como trovões.
E, entre tudo isso, apenas uma direção permanecia nítida:
A voz de uma menina, excitada e um pouco nervosa: “Tio, segura firme! Ai, ai, tá tombando… a bicicleta vai cair!”
E a voz de um homem adulto, gentil e sorridente: “Tô segurando. Não vai cair — é só manter o guidão firme… pedala pra frente, continua. Bicicleta é assim: se seguir em frente e segurar firme, não cai.”
“Você tem que segurar mesmo! Eu vou começar a andar!”
“Vai, tô bem atrás de você.”
E então, um terceiro som surgiu — o ranger áspero de ossos e articulações.
Com ele, veio um leve deslocamento do campo de visão. O mundo girava devagar.
Morris precisou de um segundo para entender: Seu pescoço estava se virando.
Ele estava lentamente voltando o rosto em direção ao espaço diante da loja.
Seu corpo já não respondia à sua vontade.
O alerta disparou como uma sirene dentro de sua alma. As oito pedras do bracelete chiavam com uma vibração estranha, cada uma ardendo como brasa viva — tentando, em vão, puxá-lo de volta à superfície da razão. As bênçãos que ele próprio havia invocado antes de sair estavam ativas, estavam funcionando — mas só o suficiente para que ele ainda pudesse pensar. Só isso.
Seus músculos, sua visão, seu pescoço… já não obedeciam mais.
Feche os olhos! Feche os olhos! Feche os olhos!
Mil vozes rugiam em sua mente. E ainda assim, Morris não conseguia executar nem esse gesto tão simples.
E então, com o monóculo ainda no olho, ele viu.
Viu a origem das vozes.
Uma espiral de luzes e sombras pulsantes, girando de forma insana.
Um espelho estilhaçado que refletia todos os tempos e espaços ao mesmo tempo, colapsando em si mesmo.
Tudo isso formando, de maneira distorcida e precária, a silhueta de um gigante humanoide, cujo corpo reluzia com brilhos estelares. Aquela figura, curvada com delicadeza, amparava…
Amparava uma chama em forma de arco, que jorrava do vazio como um facho de realidade instável.
E então a mente de Morris explodiu.
E o mundo mergulhou no silêncio absoluto.
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