Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 181: História, contaminação e o Sol Negro
Aquela única linha gravada repentinamente no ‘Pilar da Criação’, a cidade-estado que ninguém conhecia, a batalha da qual ninguém se lembrava, o fracasso e o sacrifício esquecidos por todos — uma história que não existia na memória de nenhum ser vivo, que após ser apagada, deixou no mundo apenas uma tênue marca.
E mesmo essa frase tão breve… provavelmente custou a vida de inúmeros Portadores da Chama para conseguir ser transmitida ao mundo real.
Após ouvir as palavras de Morris, Duncan, ainda um pouco atônito, caiu em profunda reflexão.
A Igreja dos Portadores da Chama… Ele sabia, ao menos, o essencial sobre essa doutrina.
Desde que descobrira a existência das ‘Quatro Divindades’ neste mundo, passara a se interessar bastante por esses deuses que influenciavam tão diretamente o funcionamento do mundo. E o livro que Morris havia lhe presenteado trazia justamente muito conteúdo sobre as igrejas dos Quatro. Ele leu tudo com atenção, e entre todas essas religiões, considerava a dos ‘Portadores da Chama’ a mais peculiar.
O núcleo da fé dos Portadores da Chama — ou melhor dizendo, seu ‘credo’ — era completamente distinto dos demais. Os seguidores das outras três divindades cultuavam conceitos relativamente compreensíveis: a tempestade, a sabedoria, a morte. Já os Portadores… seguiam algo muito mais abstrato: a história.
〖A história é a memória da civilização, transmitida como fogo através das eras.〗
Esse era o cerne da crença dos Portadores da Chama. Eles acreditavam que a civilização começou com o fogo — e que, até hoje, o fogo continuava sendo o símbolo da continuidade da humanidade. Para eles, o mundo está cheio de forças tentando deturpar ou destruir esse ‘fogo da memória’. A missão dos Portadores é proteger essa chama e garantir que ela seja passada adiante com fidelidade.
Eles seguem e veneram Tarukin, a Chama Eterna, um gigante que teria estado presente no início da civilização. Dizem que foi ele quem preservou a primeira fogueira acesa por um mortal, incorporando-a ao próprio corpo. De dentro das chamas, ele identifica os ramos corretos da história e os grava em sua carne. E à medida que a civilização avança, esse gigante cresce cada vez mais. Um dia, quando alcançar seu tamanho máximo, a história dos mortais estará verdadeiramente segura — e nem mesmo o Subespaço será capaz de apagá-la.
Esse trecho estava na íntegra no livro que Morris havia lhe entregue. Era também o versículo mais importante da Bíblia do Fogo Eterno, o texto sagrado da doutrina dos Portadores da Chama.
Para Duncan, a parte final dessa descrição soava como doutrina idealista — talvez só um sonho que a Igreja mantinha para dar esperança aos fiéis. Mas tudo o que se dizia sobre os Portadores ‘protegerem a história’ parecia muito verdadeiro.
Afinal, a história pode ser corrompida — logo, também pode ser protegida… ou distorcida.
“…Então eles já tinham feito isso naquela época…” murmurou Duncan, pensativo.
“O quê? Como é?” Morris não entendeu. “Feito isso naquela época? O que o senhor quer dize—”
“Ah, nada, só estava pensando alto”, Duncan sacudiu levemente a cabeça e, olhando sério para o velho à sua frente, disse: “As informações que você trouxe são muito importantes.”
“As que eu trouxe?” Morris parecia confuso. “O senhor quer dizer aquele terceiro relato? A mensagem gravada no Pilar da Criação?”
Duncan assentiu levemente, mas logo franziu o cenho: “Mas tem algo que me intriga… O Sol Negro possui o poder de corromper a história?”
“Isso…” Morris hesitou, claramente já se sentindo fora da sua área como ‘especialista em história’. “Eu realmente não sei muito sobre os domínios do Sol Negro. Acho que só aqueles estudiosos especializados no combate direto aos deuses profanos teriam uma resposta concreta. Mas, pelo que eu sei… teoricamente, o Sol Negro não deveria ter esse tipo de poder.”
Duncan assentiu levemente, pensativo. Morris, por sua vez, observava com apreensão aquela figura que, embora envolta em aparência humana, era uma sombra do Subespaço.
O ‘senhor Duncan’ se mantinha sempre cortês, paciente. Discutia temas acadêmicos com ele, fazia perguntas, refletia sobre os assuntos — a atmosfera parecia serena, quase igual à de sua visita anterior à loja de antiguidades. No entanto, as visões e ruídos que ainda ressoavam em sua mente lembravam constantemente Morris de que estava caminhando à beira de um abismo.
Agora, Duncan demonstrava interesse pelos Portadores da Chama, pela ‘contaminação e proteção da história’… mas por quê? Seria essa entidade do Subespaço parte de algum plano maior? Seria esse o motivo pelo qual o Deus da Sabedoria, Lahm, o guiara até esse encontro? Estaria ali para investigar? Haveria um embate entre o Subespaço e os poderes de Lahm? Estaria ele — Morris — envolvido em um jogo entre deuses?
Esses pensamentos, caóticos e desconexos, fervilhavam em sua mente. E, conforme percebia o possível ‘papel’ que lhe cabia naquele tabuleiro, começava a se comportar com ainda mais cautela. Um estranho senso de missão brotava em seu peito — como se Lahm estivesse ali, logo atrás dele, observando o ‘senhor Duncan’ através de seus olhos.
Enquanto o velho se perdia nessas especulações, Duncan terminou seu raciocínio e ergueu a cabeça, murmurando com um tom meio curioso, meio resignado:
“Pensar que aqueles hereges solares já fizeram tudo isso… e ainda estão ativos hoje em dia. Nenhuma das cidades-estado pensou em exterminar de vez esse bando de lunáticos?”
“Exterminar um culto profano não é tão simples assim”, respondeu Morris, despertando de seus pensamentos e balançando a cabeça com naturalidade. “A fé herética é como mercúrio injetado no corpo — infiltra-se por todos os cantos, por mais que se tente eliminá-la, sempre renasce. No fim das contas, o problema é que a divindade por trás disso ainda está ativa. Enquanto esse deus profano existir, sua influência e corrupção sobre os mortais jamais cessará. Mesmo que um dia todos os adultos de uma cidade-estado desaparecessem, restando apenas os recém-nascidos mais puros… entre esses bebês, ainda haveria mentes vulneráveis a serem seduzidas.”
Morris balançou a cabeça, a expressão carregada:
“Há pessoas que vivem normalmente, passam a vida toda sendo honestas e corretas… mas basta uma fraqueza no momento certo — um instante de desespero, de medo, ou uma visão que não deveriam ter presenciado, uma informação que jamais deveriam ter ouvido — e, de um dia para o outro, tornam-se servos dos deuses profanos. Suas mentes se enchem de saberes proibidos, vestem mantos negros e tornam-se fiéis da contaminação. Como se purga uma contaminação assim?”
Ao dizer isso, o velho professor lançou um olhar involuntário para Duncan — um olhar um tanto… estranho.
Duncan franziu o cenho, confuso: “Por que está me olhando desse jeito?”
“Com todo o respeito”, Morris respirou fundo, reunindo coragem, “mas… o senhor não deveria entender bem esse tipo de… corrupção entre mortais?”
Duncan levou dois segundos para entender o que o outro queria dizer. Quando caiu a ficha, sua expressão ficou entre o exasperado e o resignado: “Eu não mexo com isso, tá? Sempre fui muito correto — quando vejo um cultista, sou o primeiro a denunciar pra autoridade mais próxima.”
Morris: “……?”
O velho claramente estava cheio de coisas entaladas para dizer, mas nenhuma que tivesse coragem de verbalizar.
Sentindo que o rumo da conversa estava saindo dos trilhos, Duncan apressou-se em voltar ao ponto anterior, levantando uma das mãos antes que Morris abrisse a boca:
“Entendi o que você quis dizer. O problema não são os cultistas em si — eles são só o ‘sintoma’. O verdadeiro mal está no deus profano por trás deles, que não pode ser eliminado. Enquanto existir, sua influência continuará gerando novos seguidores como ervas daninhas, e não importa quantas gerações de guardiões lutem contra isso, nunca vai ter fim… Mas o Sol Negro é mesmo tão influente assim? Eu vi aquele coitado pessoalmente. Está à beira da morte! Mal consegue falar sem gastar os últimos resquícios de energia — e ainda assim seria capaz de corromper o mundo?”
A boca de Morris tremeu levemente: “Bom… o Sol Negro pode estar à beira da morte, sim… mas isso é do seu ponto de vista. Nós… somos apenas mortais frágeis.”
Duncan sentiu um desconforto difícil de descrever. Por um instante, teve vontade de dizer “mas eu também sou humano, olha pra mim, tem algo aqui que não parece humano?”, mas pensou no bem-estar psicológico do velho e decidiu deixar quieto…
Morris, por sua vez, após falar por instinto, pareceu ter se lembrado de algo importante. Após uma breve pausa, complementou:
“Mas talvez seja justamente aí que esteja a raiz da sua dúvida. Se o Sol Negro está mesmo tão enfraquecido, sua influência sobre o mundo deveria estar praticamente extinta. Pelo menos não o suficiente para tornar o culto do sol tão problemático quanto é hoje… Pode ser que isso tenha relação com aquelas entidades conhecidas como as Proles do Sol.”
“Proles do Sol…” repetiu Duncan, pensativo, enquanto em sua mente surgia, inevitavelmente, a imagem daquela silhueta alta e esguia que havia aparecido no pesadelo de Shirley.
Embora não tivesse nenhuma prova concreta, algo lhe dizia que aquela figura provavelmente tinha relação direta com as tais ‘Proles do Sol’ dos relatos.
O Sol Negro já estava em declínio, sem força para voltar a brilhar neste mundo. Mas suas Proles… essas pareciam persistir. De certa forma, eram eles que perpetuavam a influência da divindade moribunda, mantendo vivo o legado do Sol Negro — e com isso, tornavam o culto do sol cada vez mais difícil de erradicar.
Mas havia um problema ainda sem resposta:
O Sol Negro não possui o poder de corromper a história — e suas Proles, logicamente, também não.
Mesmo assim, na aurora da era das Novas Cidades-Estado, aquela mensagem transmitida de Wilhelm, a cidade apagada da memória, dizia claramente: “O Sol Negro desceu da história.”
E agora, na própria cidade-estado de Pland, sinais de contaminação histórica começavam a surgir.
Então… como explicar isso?
Será que… alguém está ‘ajudando’ o Sol Negro a retornar pela história?
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