Índice de Capítulo

    Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)

    Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)

    Um pássaro espectral feito de carne ilusória e ossos cristalinos, uma voz feminina estridente e anormal, chamas verde-espectrais ardendo em espiral — e frases estranhas, incompreensíveis por qualquer pessoa.

    A consciência de Shirley, até então mergulhada na névoa da dor e do caos, de repente se clareou. Ela olhou, atônita, para aquela criatura bizarra que invadira o cômodo, vendo-a planar mais uma vez em círculo no ar. Ao seu redor, os Pregadores do Fim haviam sido congelados em poses bizarras, como se… tivessem travado no meio de um filme por causa de uma falha na projeção.

    Um deles, inclusive, havia sido interrompido no meio de um passo, fazendo parecer que seu corpo flutuava levemente no ar — grotesco, horrendo e… de certa forma, até ridículo.

    O pássaro espectral sobrevoou mais uma vez, e, dessa vez, uma porta ardente em chamas verdes, acompanhada de um vórtice, se abriu no ar. De dentro dela, uma figura alta deu um passo à frente e surgiu diante de Shirley.

    “Eu me lembro de ter dito que, se encontrasse problemas, podia pedir ajuda”, Duncan falou enquanto baixava a cabeça e observava a garota caída no chão, coberta de sangue. “Por que não me chamou?”

    “Eu… eu esqueci”, respondeu Shirley, piscando algumas vezes. Assim que Duncan apareceu, ela percebeu que a contaminação e as maldições dos Pregadores estavam desaparecendo rapidamente. Os ruídos ensurdecedores e a loucura em sua mente se dissipavam, e sua consciência voltava ao normal. Uma expressão confusa e constrangida apareceu em seu rosto. “Minha cabeça tava uma bagunça… é sério, esses malucos não paravam de berrar, me deram uma dor de cabeça do caralho…”

    Duncan virou-se lentamente e lançou um olhar aos atacantes que haviam sido congelados no ar pela alta latência da Ai — sua pomba espectral.

    Era a primeira vez que via criaturas tão estranhas. Lembravam humanos, usavam trapos humanos, mas seus corpos já haviam se transformado em algo quase irreconhecível. Membros distorcidos, carne contorcida, espinhos ósseos saindo de cada junta, e expressões faciais que misturavam fanatismo e escárnio grotesco. Eram, talvez… até mais feios que o Cão.

    Duncan franziu a testa, depois voltou o olhar para Shirley: “Foi eles que te bateram? De onde eles surgiram?”

    “Claro que foram eles!” Shirley respondeu na hora, exaltada. Mas, assim que terminou a frase, teve uma sensação estranha, como se algo estivesse fora do lugar — logo, porém, descartou essa sensação e continuou:  “Nem sei de onde esses malucos surgiram. O Cão disse que são Pregadores do Fim, aqueles doidos que seguem o Subespaço…”

    “Pregadores do Fim… seguidores do Subespaço?!” Duncan ainda mantinha certa calma, mas ao ouvir isso, seu semblante mudou. Ele pareceu fazer uma conexão imediata e virou-se rapidamente para Ai: “Não despache eles ainda!”

    Enquanto ele falava, os Pregadores congelados começaram a apresentar sinais de distorção — indicativo de que estavam prestes a ser arrancados da realidade. Mas Ai bateu as asas num movimento firme, e as figuras ameaçando sumir foram repuxadas de volta ao plano real. Sua voz aguda ecoou no cômodo:

    “Rede conectada, rede conectada!”

    “Leva eles pro navio”, disse Duncan, assentindo para a pomba. “Vou esperar por vocês no convés.”

    “Missão recebida! Missão recebida!”

    Ai soltou dois guinchos estridentes e, com um rápido bater de asas, traçou no ar um vórtice flamejante feito de chamas espectrais. Num piscar de olhos, os três Pregadores do Fim desapareceram dentro do redemoinho espiritual.

    No quarto sombrio e parcialmente destruído, restavam apenas Duncan, o Cão e Shirley — além dos corpos grotescos dos três fanáticos que haviam sido reduzidos a ‘panquecas profanadas’ após o impacto direto do cão-míssil.

    Shirley ainda olhava, completamente atônita, para tudo o que acabara de acontecer. Aqueles seguidores do Subespaço, que quase haviam tirado sua vida e a de Cão, haviam simplesmente… desaparecido — como se nunca tivessem representado ameaça alguma.

    O ‘fim da batalha’ havia sido estranho, até ridiculamente fácil. Mal se podia chamar de batalha.

    O Senhor Duncan sequer se envolveu no combate. Ele não precisou se preocupar com as maldições ou poderes dos cultistas. Apenas apareceu, demonstrou certo interesse neles… e os levou embora. Como quem coleta pedras da rua.

    Ele provavelmente nem havia reparado que aqueles lunáticos tinham poder de combate.

    Foi quando a voz de Duncan interrompeu os devaneios de Shirley:

    “Como estão seus ferimentos?”

    Ela despertou imediatamente daquele pensamento aterrorizante de como Duncan é assustador. Seu primeiro impulso foi fingir que estava bem, como sempre fazia. Mas, ao tentar falar, uma pontada aguda nas costas a fez estremecer e soltar um gemido dolorido.

    “Ai, caralho… tá doendo pra porra…”

    Duncan a encarou com preocupação: “Quer que eu te leve ao hospital?”

    “Nem pensar!” Shirley deu um pulo de susto e tentou se endireitar mesmo com o corpo gritando de dor. “Eu não tenho dinheiro…”

    Duncan arregalou os olhos, atônito: “E dinheiro é o problema aqui?! Você tá um trapo!”

    “Não terminei ainda!” Shirley finalmente conseguiu se sentar. “Meu corpo é… diferente. Se eu for parar no hospital, vão perceber. Vai chamar atenção da Igreja, e aí como é que eu explico? Além disso, olha só—”

    Enquanto falava, ela levantou o braço para mostrar o ferimento.

    O corte estava se fechando. Com a dissipação da contaminação e das maldições, sua capacidade de regeneração havia voltado. A ferida, que antes jorrava sangue, agora expulsava os resíduos escuros que a poluíam, e a carne nova crescia visivelmente, empurrando a velha para fora.

    A lesão profunda nas costas também começava a se recuperar. Ainda doía, claro — pra caralho — mas Shirley sabia que sobreviveria.

    “Desde que aqueles filhos da puta do Fim não fiquem recitando aquelas merdas, eu aguento qualquer coisa”, murmurou com o queixo erguido, tentando manter a pose. “Se fosse num dia normal, esse tipo de ferimento aí não me derrubava nem fodendohngh, porra… tá doendo…”

    Mas então, um som leve, seco — crack — ecoou por perto, cortando o devaneio de Shirley.

    Ela e Duncan olharam ao mesmo tempo na direção do som — vinha de um dos corpos aparentemente já mortos dos Pregadores do Fim. Aquele corpo, grotescamente deformado, começava a se transformar: os tecidos se tornavam cinzentos como rocha calcária erodida, e o cadáver todo se fragmentava pouco a pouco. Os pedaços caíam e, antes mesmo de tocar o chão, se desmanchavam em pó, sumindo completamente.

    Enquanto os corpos dos cultistas se desfaziam, a casa, até então envolta por uma escuridão anormal, também começou a mudar — as sombras que se agarravam às janelas se dissiparam rapidamente, a luz dos lampiões da rua voltou ao normal, e o frio opressivo e os resquícios de má vontade que pairavam no ambiente desapareceram como fumaça ao vento.

    “…Os Pregadores do Fim se oferecem ao Subespaço, e agora chegou a hora de pagar o preço”, a voz abafada do Cão ecoou, respondendo à dúvida de Duncan. “Esses desgraçados são devorados pelo Subespaço — não sobra nem poeira no mundo real.”

    “…Bem, pra um culto herege, até que morreram de forma bastante ecológica”, comentou Duncan, pensativo. “Pelo menos não vai dar trabalho limpar a bagunça.”

    Então, ele se virou para Shirley: “Está se sentindo melhor? Se já consegue andar, venha comigo.”

    Assim que ele falou, uma chama verde-espectral se acendeu no ar, e Ai emergiu do fogo rodopiando, até pousar no ombro de Duncan com um giro no ar.

    “‘Ir com o senhor’…?” Shirley piscou, confusa. “Pra onde…”

    “Você ainda pretende dormir aqui hoje?” Duncan ergueu a mão e apontou para o quarto devastado. “Olha isso. Acha que ainda dá pra morar nesse lugar?”

    Shirley se apoiou na parede e se levantou devagar. Seus olhos passaram pela casa onde ela e o Cão viveram por tantos anos.

    Móveis destruídos. Escombros corroídos. Tudo — desde o que tinha valor até o que não tinha — estava completamente arrasado.

    Mas a verdade é que nunca houve muito.

    Ela abaixou os olhos. Ficou em silêncio.

    “Os guardiões da patrulha aparentemente não notaram o que aconteceu aqui. Podemos aproveitar pra juntar suas coisas”, disse Duncan com um suspiro. Ele compreendia o que ela estava sentindo, mas não havia consolo possível para esse tipo de perda. “De qualquer forma, não dá mais pra viver aqui. Mesmo ignorando a destruição… o mais preocupante são os futuros ataques. Não sabemos por que os Pregadores do Fim vieram atrás de você — mas agora, você está marcada por eles…”

    Ele não continuou. Sabia que Shirley era uma garota muito mais madura do que deixava transparecer. Cresceu num ambiente hostil e, por isso, entendia as prioridades da vida.

    “Eu… vou juntar minhas coisas”, respondeu ela, num murmúrio abafado.

    “Quer ajuda?” perguntou Duncan.

    “Não precisa”, ela respondeu, balançando a cabeça. “É pouca coisa…”

    E era mesmo.

    Não demorou muito para Shirley voltar. Recolhera tudo que ainda fazia sentido guardar — algumas roupas antigas que escaparam da destruição, dois pequenos estojos de metal ligeiramente amassados, cheios de tralhas que tilintavam ao se mover, e uma boneca de pano rasgado prestes a se desfazer.

    Guardou tudo numa maleta velha, levou até Duncan e disse, de cabeça baixa: “Já peguei tudo.”

    O Cão lançou um olhar para a maleta nas mãos dela, depois murmurou: “Você tá levando tudo… então, quer dizer que… a gente não vai voltar pra cá?”

    Shirley não respondeu.

    Duncan observou a garota à sua frente por um instante, então esboçou um leve sorriso — sereno e gentil.

    Aproximou-se e afagou levemente o cabelo dela.

    “Vamos. Estamos indo pra casa.”

    As chamas verde-espectrais se elevaram aos céus. A ave espectral abriu as asas em meio ao fogo, obscurecendo a última imagem que Shirley poderia ter daquela velha casa.

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