Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 199: A Vigilância do Historiador
Duncan percebeu que tinha sido descuidado.
Ele já havia considerado o fato de que Alice carecia de noções básicas sobre a vida no mundo humano, mas não imaginava que essa ignorância chegaria a tal ponto. Achava que, ao menos, ela poderia ajudar com algumas tarefas na loja depois de chegar — mas não esperava que ela nem soubesse o que era dinheiro.
Mas, pensando bem, isso era bastante razoável.
Afinal, ela estava deitada dentro de um caixão, e não precisava gastar nada…
“Ah… já que Shirley e Nina não estão, é melhor eu continuar te dando umas aulas”, suspirou Duncan, desistindo resignado dos planos de sair à tarde. “Primeiro, você precisa conhecer algumas das coisas mais básicas do mundo humano, como a moeda…”
Ele fez uma pausa e suspirou de novo: “Ai… do jeito que as coisas vão, vou mesmo ter que abrir uma turma de alfabetização pra você e pra Shirley.”
“Ah, Shirley! É aquela garotinha bem baixinha que apareceu agora há pouco, né?” Alice associou na hora, toda sorridente. Conhecer uma nova pessoa parecia ser algo muito animador para ela. “Eu ouvi o senhor dizendo que ela é como eu… como é mesmo o nome? ‘Analfabeta’, né?”
“Isso não é motivo pra comemorar!” Duncan bateu na mesa. “E ainda assim, até a Shirley é melhor que você — pelo menos ela sabe que tem que fugir da tarifa quando pega o bonde!”
Alice: “O que é fugir da tarifa?”
Duncan: “…”
Heidi espirrou com força.
Ela se levantou e fechou a janela da sala, resmungando sobre esse tempo que mudava tanto, esfregando o nariz. Logo depois, levantou os olhos com certa preocupação, olhando para o pai sentado à mesa de centro.
As aulas tinham sido suspensas: todas as escolas públicas de Pland entravam em recesso de outono por mais de dois meses. Nesse período, o pai não precisava ir à escola, e como ele também não costumava ter compromissos sociais, geralmente passava essa época do ano imerso nas grandes bibliotecas da cidade-estado — ou, como naquele dia, curtindo os dias em casa com tranquilidade.
Mas, por alguma razão, Morris parecia estranho naquele dia.
Segurava um jornal nas mãos, mas seu olhar não estava focado em nada. Sentado no sofá, já fazia quase uma hora que mantinha aquela postura rígida. Parecia mergulhado em pensamentos, a ponto de nem ter respondido quando a empregada diurna falou com ele há pouco.
Heidi franziu o cenho.
Desde que voltara da loja de antiguidades do Sr. Duncan, o pai estava assim — com a mente distante, por vezes exibindo expressões estranhas, sem dar atenção a ninguém e imerso em reflexões.
Nem mesmo visitava o escritório — como se, instintivamente, estivesse evitando livros.
“O senhor está bem?” Heidi não conseguiu mais segurar a preocupação. Levantou-se, foi até o lado do pai e se abaixou um pouco, perguntando com cuidado. “Está se sentindo mal?”
Precisou perguntar duas vezes até que Morris finalmente escutasse a voz da filha. Ele ergueu a cabeça às pressas, sentindo o zumbido em sua mente diminuir um pouco antes de balançar a mão.
“Estou bem… Oh, você não foi hoje à igreja ou à prefeitura? Nem à clínica?”
“O trabalho na igreja e na prefeitura já foi concluído faz tempo. E a clínica está fechada hoje”, Heidi continuava com a expressão preocupada. “Inclusive, acho que hoje de manhã o senhor já tinha perguntado isso uma vez.”
“Ah, é mesmo? Eu esqueci”, Morris respondeu com hesitação, batucando de leve nas têmporas.
Ele sabia que sua condição não estava boa, mas não podia explicar isso para a filha.
Não podia simplesmente revelar informações sobre uma entidade do Subespaço — não apenas porque isso poderia irritar o tal ‘Sr. Duncan’, mas principalmente porque tais informações podiam causar contaminação, afetando Heidi diretamente.
Um zumbido grave ecoou em sua mente, interrompendo seus pensamentos, mas logo o ruído foi diminuindo até que sua linha de raciocínio se estabilizasse novamente.
Ruído mental — era um efeito colateral desde que voltara da loja de antiguidades.
Mas, na verdade, se comparado ao dia anterior, esse efeito colateral já havia enfraquecido muito.
Morris sabia que deveria se considerar sortudo — após encarar de frente a sombra do Subespaço, não apenas sobreviveu como também preservou sua sanidade. A proteção do Deus da Sabedoria e a boa vontade do ‘Sr. Duncan’ atuaram juntas. Ele ficou com alguns sintomas relacionados ao ‘limite da loucura’, mas, após uma autoavaliação rápida, constatou que esses sintomas enfraqueceriam com o tempo. Nada com que realmente se preocupar.
Ainda assim, até que desaparecessem por completo, seu estado mental irregular ainda causaria preocupação em Heidi por mais um tempo.
Morris franziu o cenho de repente. Lembrou que sua filha era uma exímia terapeuta mental — não podia deixá-la continuar percebendo suas anomalias psíquicas.
Nesse momento, a voz de Heidi soou novamente:
“O que o senhor conversou com o Sr. Duncan ontem? Desde que voltou de lá, está sempre distraído…”
“Ah… só conversamos sobre… tópicos acadêmicos. Conhecimentos bastante profundos”, respondeu Morris, enquanto imagens relacionadas à ‘Roda Solar Rastejante’ emergiam em sua mente, junto com as informações que o Sr. Duncan havia compartilhado sobre o estado atual do Sol Negro. Ele precisou de um esforço imenso para conter esse ‘conhecimento’ que parecia ter vida própria e se espalhava por seu mar de consciência. Ainda assim, forçou um sorriso para Heidi. “Deixou minha cabeça cansada… até agora não consegui assimilar tudo, por isso estou meio aéreo hoje… Mas chega disso. Agora há pouco lembrei: você não tinha marcado de ir ao cinema com uma amiga nesse feriado?”
Heidi ficou surpresa:
“…Amiga? Não me lembro… de ter combinado de ir ao cinema com ninguém… O senhor não está confundindo?”
“Eu confundi?” Morris friccionou as têmporas, mas algo estranho aconteceu — sentiu uma pulsação quente naquela região, como se algo estivesse se agitando ali. Suas lembranças começaram a embaralhar-se. Era como se alguma coisa esquecida estivesse despertando dentro da própria consciência.
“Mas eu tenho quase certeza… você disse anteontem… que tinha uma amiga… Como era o nome mesmo…? Era uma moça alta… bastante familiar pra mim também…”
Os movimentos de Morris nas têmporas ficaram mais impacientes, e ele passou a bater de leve a testa com os punhos, murmurando palavras desconexas. Heidi, que antes apenas estranhava o comportamento, foi dominada por uma súbita ansiedade. Apressou-se em se agachar ao lado do pai, segurando sua mão com força:
“O senhor está bem mesmo? Está com dor de cabeça? Quer que eu faça uma sessão de relaxamento com hipnose, ou algum direcionamento para acalmar a mente? Ou talvez… eu possa chamar outro médico…”
“Não preciso de médico, não preciso”, disse Morris com firmeza, afastando a mão com um gesto brusco.
Um novo zumbido ressoou em sua mente — mas, dessa vez, era diferente do ruído mental de antes. Aquilo soava como uma voz tentando desesperadamente transmitir uma mensagem, tentando despertá-lo para algo. Ele teve a estranha sensação de que outra consciência estava despertando dentro dele — ainda era ele mesmo, mas com uma leve dissonância em relação ao que pensava naquele momento.
“Eu só preciso me lembrar… lembrar de algo muito importante… Heidi, você tem uma amiga. Escuta bem: você tem uma amiga. Alguém muito importante…”
A preocupação e a tensão no rosto de Heidi se intensificaram. Ela apertou ainda mais a outra mão de Morris, e sua voz, sem que percebesse, começou a carregar o tom de uma condução mental tranquilizadora:
“Claro que tenho amigas… Mas de quem o senhor está falando exatam—”
Morris já não escutava mais o que ela dizia.
Uma explosão ressoou dentro de sua mente — todos os ruídos comprimidos e liberados em um único estrondo. Em seguida, o zumbido que o afligia há tanto tempo cessou completamente, e uma enxurrada de memórias estranhas emergiu das profundezas de sua consciência.
Naquele momento de vertigem, ele viu novamente aquela cena — um gigante, envolto por luz estelar, formado por espelhos despedaçados fundidos em uma massa distorcida. Depois, viu as chamas verdes. As chamas queimaram, e a névoa se dissipou.
Mas desta vez, ver o gigante não causou colapso em sua sanidade — pelo contrário, as imagens que surgiram em sua mente pareciam carregar uma força inexplicável, capaz de atravessar um véu invisível.
O velho ergueu a cabeça de repente, fitando os olhos de Heidi com intensidade:
“Onde está Vanna?”
Heidi se espantou: “…Vanna? Quem é Vanna?”
“A Inquisidora da cidade-estado, uma das suas melhores amigas, sobrinha do Governador Dante…” Morris falou lentamente. Sua respiração estava calma, e o olhar havia recuperado a profundidade e a nitidez de sempre. O ruído havia sumido. A visão do gigante também. Mas agora restavam duas memórias distintas coexistindo em sua mente — e ele conseguia identificar claramente todas as divergências entre elas, como se estivesse examinando dois pergaminhos históricos abertos diante de si.
Distinguir versões da história e buscar a verdade era uma de suas maiores especialidades.
“Você não se lembra, não é?”
Heidi hesitou: “Eu… não sei de quem o senhor está falando. Mas o que me preocupa é o seu estado…”
“Não se preocupe comigo. Estou melhor do que estive em muito tempo. Mas precisamos nos preocupar com Vanna”, disse Morris, erguendo-se de repente. Sua expressão era mais séria do que nunca. “Heidi, nossa cidade-estado pode estar enfrentando um grande problema. Precisamos agir.”
Heidi se levantou instintivamente. Ela percebia que o pai estava, de fato, mais lúcido e focado — mas não fazia ideia do que havia acontecido:
“Agir? Fazer o quê?”
“Vá até a catedral. Procure o Bispo Valentine. Diga a ele que você está buscando asilo — o mais alto nível de proteção disponível. Diga que foi a meu pedido. Diga que foi o maior historiador da cidade-estado de Pland quem te mandou fazer isso. E não diga mais nada.”
Heidi ouviu tudo sem entender completamente. Ela já havia percebido que algo grave e urgente estava em andamento, mas que não podia ser dito em voz alta. Por isso, conteve o impulso de fazer mais perguntas e se preparou para seguir as instruções do pai.
Mas então, viu Morris pegar o casaco ao lado e arregalou levemente os olhos:
“E o senhor? O que vai fazer?”
“…Vou até a loja de antiguidades”, respondeu Morris em tom grave.
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