Capítulo 52 - O Cliente
Era quase de noite, o sol estava ameaçando se pôr, tingindo o horizonte de dourado. Niko, Evelyn e Ahti caminhavam por uma estrada de pedras soltas, longe da Zona Urbana de Colvenfurt, se aproximando do ponto de encontro com o cliente. O local consistia em uma clareira aberta, cercada por pequenos montes e uma imensa floresta.
Ahti foi o primeiro a diminuir o passo. Apontou com o queixo para uma placa amarela de trânsito fincada ao lado da estrada.
— Estamos quase lá. Ali em cima tem três moinhos. O ponto de encontro fica do outro lado. — explicou com desânimo.
Ao fundo, os três moinhos giravam lentamente, um em cima de cada colina. Era silhuetas cinzentas contra o céu vermelho.
— Agora a gente precisa entrar na floresta.
O trio pulou, ultrapassando a cerca de madeira que separava a estrada da vegetação.Niko e Evelyn o seguiram sem palavras. Assim que entraram na floresta, o mundo pareceu se fechar diante deles. As árvores eram imensas, de troncos grossos e copas tão altas que quase tapavam o céu, já anoitecido. A trilha diante deles era tênue, traçada apenas pelo uso.
Niko acendeu a lanterna que carregava, iluminando as trevas do caminho. Galhos estalavam sob os pés, e ruídos soavam ao redor: folhas mexendo pelo vento, o canto de uma ave distante e talvez algum animal pequeno. Nada realmente ameaçador — apenas o suficiente para deixar os dois atentos.
Enquanto avançavam, Niko ainda pensava na possibilidade de tudo aquilo ser uma armadilha. A situação não era confortável, nem segura. Por precaução, havia marcado um ponto de fuga com sua Alma nos arredores da floricultura. Se algo desse errado, ele e Evelyn poderiam escapar pela marca.
De repente, Ahti parou ao lado de um tronco caído, quase tropeçando nos próprios pés. Ele se largou sobre a madeira como se estivesse cruzando a linha de chegada de uma maratona.
— Pronto. Chegamos. — falou ele, ofegante. — Satisfeitos?
— Tem certeza disso? — perguntou Niko, cauteloso.
— É claro, porra! — Ahti cerrou os dentes. — Vocês me fizeram rodar o dia todo nessa porcaria de cidade, me arrastaram de um lado para outro. Eu só quero que isso acabe logo! Por que eu mentiria? Fiz tudo que vocês pediram, dei todas as informações, até paguei a porcaria da comida de vocês e vocês nem me deixaram comer! Tô com uma fome desgraçada por conta disso. Já posso ir embora?
No plano original, Ahti serviria como isca — seu papel era simples: esperar no ponto de encontro, distrair o cliente tempo suficiente para que Niko e Evelyn surgissem de surpresa e conseguissem interrogá-lo.
Por um momento, pensou em desistir do plano. Afinal, Ahti já havia dado todas as informações que pediram, colaborado na investigação o dia inteiro. Talvez fosse o bastante para ele.
Então ele se lembrou. Lembrou do instante em que quase morreu nas mãos de Clementine. Lembrou que Ahti a contratou. Ele foi o culpado da morte da Clementine e todo o sofrimento que passou naquele dia. Toda sua empatia evaporou e a raiva substituiu seus sentimentos.
— Ainda não — disse Niko, com a voz fria. — Você tem mais uma coisa pra fazer.
— Aah, qual é! Cê tá de brincadeira, né?! Eu não aguento mais! Corta logo minha cabeça e acaba com isso!
Esse foi o limite. O garoto não suportava mais a reclamação constante daquele homem de meia-idade. Com as íris contraídas e os músculos tensos, Niko puxou a foice das costas e encostou a lâmina contra a barriga do canal. O metal gelado tocou sua pele, fazendo uma gota de sangue sair e Ahti ficar pálido de medo.
— Ao invés da cabeça, posso começar cortando sua barriga e deixar você sangrar até morrer, que tal? — ameaçou Niko, com os olhos cheios de ódio. — Foi você quem se meteu nessa, lembra? Se não queria esse inferno, devia ter pensado melhor antes de assinar esse contrato com seu cliente. Vai cooperar ou prefere morrer aqui mesmo?
— E-eu… eu vou ajudar! Juro! — gaguejou Ahti, com o suor escorrendo pela testa.
Niko recuou a foice e a devolveu à bainha com um suspiro impaciente, lançando um olhar impaciente ao covarde à sua frente.
— Caramba… nunca te vi assim antes. — comentou Evellyn, observando o amigo.
— Pra você ver o quanto ele é irritante.
Após o breve desentendimento, Niko entregou a lanterna de latão ao homem. Em seguida, Niko usou seu Portal e a dupla surgiu no alto de uma árvore, usando os galhos de apoio, podendo ver a cena que aconteceria em seguida de uma posição privilegiada.
Ali, entre as folhas, aguardaram em silêncio por alguns minutos, à espreita. O cliente logo apareceria — ou era isso que esperavam.
— Você acha mesmo que ele vai vir? — sussurrou Evelyn, desconfiada. — A Clementine morreu, a missão falhou. Se o cliente foi quem matou ela, por que ele apareceria? Não tem o que ganhar aqui.
Niko não havia considerado essa possibilidade. Na sua cabeça, era certeza que o cliente iria aparecer. Mesmo que fosse uma armadilha, ele estava preparado para lutar. Mas o raciocínio de Evelyn fez ele questionar sua crença.
— Eu não sei… Mas espero que sim. De qualquer forma, pelo menos tentamos, né?
— Sim, mas se ele não vier, o que a gente faz depois?
— Depois?… Eu não pensei nisso ainda.
A verdade era que, sem o cliente, não restava mais nada a ser investigado. Era a única pista que tinham. Não se encontrar com ele significava o fim da investigação.
Então, em meio ao silêncio da mata, o som de passos se espalhou pela trilha. Alguém se aproximava. Da altura em que estavam e com as folhas cobrindo o caminho, não conseguiam ver quem era.
— Será que é ele? — perguntou Evelyn, em um sussurro tenso.
— Tem que ser.
O som de passos ficou mais alto. Então, uma figura encapuzada surgiu na visão dos dois – exatamente como descrito por Ahti. Ele parou, a poucos metros, diante do canal.
— É ele… — sussurrou Niko. — Vamos agora?
— Não. Espera um pouco. Pode ser que algo interes-
Três tiros ressoaram pela floresta, destruindo a quietude como trovões. Aves voaram em desespero, animais dispararam pelo chão. Niko e Evelyn se assustaram com os estrondos repentinos.
Abaixo deles, o homem misterioso agora segurava uma pistola. Ahti gemeu, ficou de pé por um instante, cuspindo sangue. Até que enfim caiu para trás, tropeçando no tronco de madeira deitado.
Sem hesitar, Niko lançou uma de suas facas em direção ao chão e ativou seu Portal. Ele e Evelyn reapareceram a poucos metros do assassino.
— EI! — gritou a elfa, sem pensar.
Niko puxou sua foice. Evelyn, criou um porrete de gelo a partir da Alma. Estavam preparados para o combate…
— Não! — gritou novamente Evelyn. — Espera um pou-!
Outro disparo ocorreu. O corpo do cliente balançou e caiu no chão. O disparo foi contra o próprio atirador. Lá mesmo, o homem tirou sua própria vida.
O silêncio que se seguiu foi quase mais ensurdecedor que os tiros. Evelyn e Niko ficaram paralisados, com os corações acelerados, tentando compreender o que acabou de acontecer.
“Como alguém poderia se matar tão de pressa?”, pensaram os dois. Essa era uma pergunta que, infelizmente, jamais teria resposta.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.