Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)
Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)
Capítulo 222: Abalada
Como de costume, Vanna acalmou o espírito e recitou em silêncio um trecho sagrado do Códice da Tempestade. Em seguida, pegou de uma gaveta próxima um toco de vela cerimonial com inscrições, já queimado pela metade, posicionou-o ao lado e acendeu o candelabro.
Uma pequena chama brilhante dançava na ponta da vela, e a fragrância reconfortante do óleo essencial começou a se espalhar suavemente com a evaporação. Vanna inalou levemente e, sem hesitar, passou a lâmina do punhal sobre o próprio braço.
O sangue penetrou nas inscrições minuciosas da lâmina, como se fosse absorvido por ela, e uma dor breve percorreu seu braço — tão breve que nem chegou a durar alguns segundos antes de dar lugar à leve coceira característica da cicatrização.
Vanna conseguiu até ouvir os sons sutis da regeneração celular e da coagulação sanguínea. Observou a ferida no braço se curar rapidamente, enquanto o som suave das ondas do mar parecia sussurrar próximo aos ouvidos.
Ela voltou o olhar ao punhal cerimonial em sua mão e, após uma breve hesitação, aproximou a lâmina ensanguentada da chama do candelabro, permitindo que o fogo lambesse sua ponta.
“Escutai-me, ó Soberana da Tempestade, Evangelho do Mar Profundo, Donzela do Mar Tranquilo, escutai-me — vossa seguidora precisa de orientação…”
As chamas estalaram. O sangue na lâmina incendiou-se num instante, transformando-se numa camada de brilho enevoado que flutuava sobre o fio da faca.
Este era o sinal de que o canal havia sido estabelecido.
Um santo, usando o próprio sangue como condutor, recorrendo a uma prece especial e cumprindo um ritual específico, podia estabelecer uma conexão com a divindade muito mais sólida e direta do que aquela acessada pelos clérigos comuns. Esse tipo de poder e ‘graça’ era exatamente o que diferenciava um santo dos demais membros do sacerdócio.
E quanto à solidez e à intimidade dessa conexão…
Em certo sentido, poderia ser considerada uma conversa direta com a divindade.
O som suave das ondas tornou-se mais claro, como se ecoasse diretamente em sua mente. Vanna sentiu o ar ao seu redor ficar gradualmente mais úmido — até o cheiro salgado do mar pareceu invadir suas narinas. Então, uma vertigem repentina a atingiu, e a cena diante de seus olhos se transformou.
O quarto familiar desapareceu. Ao seu redor, havia apenas águas marinhas sombrias e ondulantes que se estendiam infinitamente. Do fundo daquela imensidão azulada emanava um brilho tênue, como se centenas ou milhares de fontes de luz misteriosas estivessem ocultas nas profundezas. Vanna teve a sensação de estar no centro de um oceano profundo de extensão incalculável — e, à sua frente, entre os reflexos cintilantes da água, uma imagem turva começou a se formar.
Parecia ser uma dama vestida com um longo vestido. Atrás dela, sombras enevoadas se estendiam em todas as direções. Seu rosto estava oculto por um véu, e as sombras ao fundo serpenteavam e se entrelaçavam, como correntes enredadas entre si — ou talvez delineando algo muito maior, algo que transcendia por completo a compreensão humana. Aquela figura de vestido longo era apenas uma pequena parte — a fração perceptível — de uma vastidão incompreensível.
Vanna inspirou fundo, tentando acalmar os batimentos acelerados do próprio coração.
Como santa, ver a visão ou manifestação da Deusa da Tempestade, Gormona, durante um ritual especial, não era algo incomum — ainda assim, ao pensar nas sucessivas hesitações que tivera naquele dia, e nas dúvidas quase heréticas que surgiram em seu coração, Vanna não pôde evitar sentir-se inquieta.
Aquela figura nebulosa e indistinta parecia ter se aproximado levemente. ‘Ela’ não falou, mas Vanna sentiu um pensamento emergir diretamente em sua mente.
A visão da deusa a estava convidando a falar.
“Eu…” Vanna hesitou por um instante, até que enfim pareceu tomar uma decisão, e falou de maneira direta:
“Sobrevivi até hoje por causa do Subespaço. Por que, ainda assim, a senhora me escolheu como santa e me concedeu a bênção?”
Aquela figura envolta em névoa permaneceu imóvel. Vanna não ousou insistir — ela sabia que, apesar de estar diante apenas de uma projeção, aquela projeção apontava diretamente para Gormona. E a pergunta que acabara de fazer era extremamente ousada — beirava o risco.
Aquilo já ultrapassava os limites do papel de uma fiel. Mas ela realmente queria saber a resposta.
Permaneceu ali, esperando em aflição por um tempo indefinido. Até que, de repente, um pensamento foi inserido em sua mente como se tivesse sido implantado diretamente em seu cérebro:
“…não há diferença…”
“Não há diferença?” Vanna ficou atônita. Aquela resposta, solta e sem contexto, era ainda mais difícil de compreender do que as profecias fragmentadas ou revelações enigmáticas. Instintivamente, ela sentiu que aquela resposta fazia parte de algo maior, de uma mensagem mais ampla — mas que ela não foi capaz de captar ou compreender. Aquilo a fez perguntar de novo, quase por impulso:
“Não há diferença em quê? Não entendo. A senhora sabia que eu fui abençoada pelo Subespaço, mesmo assim escolheu…”
Contudo, Vanna não conseguiu terminar a frase.
A ilusão do mar profundo ao seu redor subitamente entrou em colapso. As luzes suaves e brilhantes que emanavam das profundezas se apagaram uma a uma, e a imagem da deusa começou a ruir num piscar de olhos. Vanna sentiu-se sendo expulsa daquele canal — e antes que a conexão fosse totalmente interrompida, captou apenas algumas palavras fragmentadas:
【…time is limited1…be going to2…critical3…】4
A conexão foi rompida por completo.
Vanna teve a sensação de ter sido lançada de volta à realidade com brutalidade. Seu coração disparava. Uma sensação de sufocamento a fez ofegar instintivamente, tentando encher os pulmões de ar. Olhou em volta e viu que todas as ilusões haviam desaparecido. O punhal já não estava mais em sua mão — caíra sobre a mesa em algum momento —, e somente a vela cerimonial com inscrições ainda ardia suavemente, sua chama oscilando, instável.
Não se sabia quanto tempo se passou, mas Vanna enfim desviou o olhar da vela, pegou o punhal caído e o guardou lentamente de volta na gaveta.
Em sua mente, ainda ecoavam os fragmentos de pensamento que surgiram durante aquele breve contato.
“Não há diferença.” E também: “O tempo é limitado. Está prestes a se tornar… crítico.”
A primeira frase, ela ainda não conseguia entender o significado. A segunda… parecia ter um sentido mais claro, mas só a deixava ainda mais confusa.
A deusa estava tentando avisá-la de que algo estava prestes a acontecer? Estava alertando que o tempo para se preparar era curto? Mas o que significava “crítico”? O que exatamente estava prestes a atingir esse ponto? Seria outra crise? Mais uma catástrofe com nível de invasão da realidade?
Teria relação com a crise que Pland havia acabado de enfrentar?
A mente de Vanna fervilhava. Aquela oração, longe de acalmá-la, apenas a deixara ainda mais inquieta do que durante o dia.
Mas, de repente, uma coloração incomum apareceu no canto de sua visão periférica — e todos os pensamentos caóticos cessaram imediatamente.
A chama da vela cerimonial com inscrições, sem que ela percebesse, havia adquirido um leve tom verde-espectral.
No instante seguinte, ela levantou os olhos abruptamente e encarou o tampo da penteadeira — mais precisamente, o espelho oval sobre ela.
A silhueta do Capitão Duncan surgira dentro da moldura, observando-a com expressão serena.
“Você está bem?”
Aquela figura sombria e imponente falou, com uma pergunta direta e inesperada.
“É você?” Vanna se sobressaltou e se colocou de pé imediatamente. Logo em seguida, algo lhe ocorreu: “Foi você quem interferiu no meu ritual agora há pouco?”
“Ritual? Acho que houve um mal-entendido”, Duncan respondeu com naturalidade, balançando a cabeça no espelho. “Simplesmente percebi que seu fluxo espiritual estava extremamente caótico. Achei que ainda havia algum inimigo complicado à solta em Pland, por isso vim verificar a situação… mas pelo visto, fui precipitado.”
Percebera seu estado espiritual e por isso viera verificar?
Vanna ficou cheia de interrogações, começando a duvidar se ouvira certo. Mas logo se lembrou da primeira vez que o viu no espelho, e sua expressão instintivamente voltou a assumir um ar de cautela:
“Você me puxou para um sonho de novo?”
“Você ainda está no mundo real, não se preocupe com isso”, respondeu Duncan casualmente. “Aliás, eu recomendo fortemente que você não tente me dar outro golpe como na última vez — você realmente vai acabar destruindo seu próprio quarto.”
“… Eu não sou uma bárbara que só sabe dar golpes ascendentes”, Vanna suspirou, sentindo que conversar com esse Capitão Fantasma era sempre mentalmente desgastante. Ele vivia agindo de modo contrário a tudo que constava nos relatórios. E ela, por sua vez, acabava se deixando levar por essas trocas inesperadas e relaxando na vigilância. “Além de ‘verificar a situação’, o que mais você veio fazer? Eu imaginei que… já tivesse partido de vez.”
A imagem de Duncan franziu levemente a testa, como se estivesse um pouco incomodado com o excesso de cautela e hostilidade da jovem Inquisidora:
“Você poderia relaxar um pouco — e seria ótimo se demonstrasse um pouco mais de cortesia. É verdade que parti, mas distância temporal e espacial não têm tanto peso para mim. Além disso… de todo modo, acabei de proteger sua cidade-estado. Você não acha que, no mínimo, deveria me agradecer?”
Vanna manteve os olhos fixos na imagem do Capitão Fantasma refletida no espelho. Após alguns segundos de silêncio, deu um passo à frente — e, de forma surpreendente, inclinou levemente a cabeça:
“Muito obrigada pela ajuda. Ao menos por essa ação, Pland esteve sob sua proteção.”
Agradecimento direto — isso, sim, pegou Duncan de surpresa. Ele esperava que aquela jovem tivesse uma mente tão inflexível quanto seus músculos. E, diante do inesperado, acabou ficando meio sem jeito:
“Não precisava levar tão a sério assim… era só uma observação qualquer.”
“Talvez tenhamos posições distintas, mas sua proteção sobre Pland é um fato inegável”, Vanna ergueu a cabeça, séria. “Hoje, inúmeras vidas foram salvas dessa catástrofe. Deixando de lado meu papel como Inquisidora, ainda assim, sinto que devo lhe agradecer.”
Ela então fez uma pausa, antes de mudar o tom e assumir uma expressão severa:
“Mas isso não significa que baixei a guarda em relação a você e ao Banido. Ainda não sabemos quais são seus reais objetivos no mundo civilizado… e até termos certeza disso, eu…”
“Já entendi, não precisa repetir”, Duncan a interrompeu, observando a jovem inquisidora com um sorriso enigmático. Suas palavras e atitude podiam não ser exatamente cordiais, mas aquele tipo de honestidade meio ríspida tinha algo de cativante. “Então vamos mudar de assunto… Parece que você está com um problema?”
Vanna sustentou o olhar de Duncan por alguns segundos, antes de respirar fundo:
“Desculpe. Não tem nada a ver com você.”
“…Talvez não tenha, mas eu estou curioso”, Duncan respondeu calmamente. “Quer você admita ou não, não pode se livrar da marca que deixei em você, Vanna. Eu consigo sentir claramente o quanto você está abalada agora — e talvez eu possa ajudar.”
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