Minha cabeça estava pesada. Mal conseguia movimentar os olhos. Estava acomodado de forma que podia observar quase todo o ambiente, mas minha mente não focava em nada. Era como se tudo estivesse nublado. 

    Estranhamente, não sentia fome, como se meu corpo tivesse se acostumado a não comer. Contudo, eu precisava me forçar, só assim poderia sair daquela situação. Mas era difícil ficar acordado… e, novamente, tudo sumiu.

    Levei um bom tempo para começar a balbuciar as primeiras palavras. Não fazia ideia de quantos dias e noites haviam se passado. Mas, pelo meu estado, com certeza não foram poucos. Minha primeira frase completa foi perguntar para minha mãe o que tinha acontecido.

    — Você não se lembra de nada, meu filho?

    — Não, mãe.

    Eu estava mentindo. E, pela primeira vez, ela não percebeu.

    — Você foi atacado por uma horda de Cron. Izi te salvou. Já estamos na Quiescência.

    Fiquei em silêncio por um tempo.

    — Já faz cinco meses?! Como ainda estou vivo?

    — Graças aos espíritos. Eles tomavam seu corpo e te alimentavam.

    Ela abaixou a cabeça e começou a entoar um mantra. Permaneci em silêncio, ainda tentando entender como poderia ter passado tanto tempo. Ela disse que Izi me salvou?

    Senti um gelo no estômago, meu sangue sumiu. Jum conheceu Izi! Eu precisava falar com ela. Mas minha mãe nunca saía do quarto, e eu não queria preocupá-la ainda mais. Se Izi resolveu inventar uma história, devia ter um bom motivo. 

    E assim os repousos passaram rapidamente. Izi estava constantemente em minha casa e, dia após dia, eu me fortalecia. Esperava ansiosamente o momento certo para conversar com ela.

    Eu estava receoso de tocar no assunto com minha mãe por perto. Temia que ela ouvisse algo. Por isso, aguardava impacientemente uma oportunidade em que estivéssemos completamente a sós.

    Em um crepúsculo estranhamente mais intenso, ela se ausentou. Depois soube que havia ido pessoalmente à vila portuária agradecer aos Deuses Brancos.

    Izi acabara de entrar no quarto. Eu já esperava há vários repousos por essa oportunidade e, quando finalmente estávamos a sós, congelei.

    Não sabia o que dizer. Estava profundamente envergonhado. O fatídico dia em que quase a ataquei martelava em minha mente. Mas como começar essa conversa? Como pedir desculpas por algo tão asqueroso? Só o fato desse ato ter passado pela minha cabeça já era terrível.

    Izi me olhava como se esperasse algo. Percebendo meu olhar apreensivo, sorriu e disse:

    — O que foi, Kam? Parece que viu um fantasma.

    Não respondi.

    O silêncio preencheu o ambiente — profundo e melancólico. Mas eu precisava resolver aquilo, precisava explicar os motivos do meu afastamento, e, mais importante, precisava falar sobre o dia dos perfumes.

    — Izi…

    Falei sem confiança. Minha voz estava fraca e grave, como uma súplica. Continuei:

    — Eu preciso me desculpar, mas não sei nem por onde começar. Eu não sabia como agir… estava enlouquecendo. Quanto mais pensava na situação, mais perturbado ficava. Naquele dia… nem sei o que poderia ter acontecido se eu não tivesse recuperado a razão.

    Fiz uma pausa e prossegui:

    — Achei que ficando longe de você tudo se resolveria… mas só piorei tudo.

    — Me desculpa… mesmo sendo algo que talvez não possa ser perdoado.

    Eu ainda estava praticamente impossibilitado de me levantar. Izi estava à minha frente, segurando minha mão. Mas, estranhamente, seu olhar era de preocupação — não de raiva ou mágoa.

    Ela deu um leve sorriso, mais para me acalmar do que qualquer outra coisa, e falou:

    — Kan, eu te conheço desde que éramos crianças. Confio em você. Nunca me faria mal, nem mesmo se fosse obrigado.

    Ela continuou:

    — Meu pai me explicou a maldição da minha linhagem. Disse que normalmente não seria tão forte, mas, como passávamos tanto tempo juntos, ela se acumulou… dia após dia.

    — Por isso vivemos isolados, por isso ele nunca gostou que eu fosse à vila portuária.

    — Agora nem posso mais ir às vilas externas… — disse ela, mais para si mesma do que para mim.

    Fez uma breve pausa e suspirou profundamente.

    — Você deveria ter me contado que não estava bem.

    — Kan, você não está só. Não precisava passar por tudo isso sozinho.

    — Desculpa!

    Izi se aproximou ainda mais, acariciou meus cabelos e me deu um beijo afetuoso.

    Até hoje, não sei expressar em palavras o sentimento que me tomou naquele momento. Todos os medos e receios sumiram. Era como se minha vida começasse ali.

    Nos olhos dela, percebi um amor profundo e sincero. E saber que não era só da minha parte me encheu de esperança. Foi nosso primeiro beijo — sem lascívia, sem desejo carnal. Foi um beijo de confirmação, de perdão e de conexão. Ele apagava qualquer mal-entendido e reafirmava o que as palavras não conseguiram dizer.

    Novamente o silêncio preencheu o ambiente, mas desta vez, era cheio de carinho e conforto. Não era desconfortável — ainda mais quando ela deitou ao meu lado e me abraçou.

    Fiquei em silêncio por um longo tempo até perceber um balançar ritmado e sentir lágrimas quentes encharcando meu peito.

    Izi estava chorando silenciosamente. E aquilo me doeu profundamente. Eu não sabia o que dizer — e não precisei dizer nada.

    — Eu achei que nunca mais ouviria sua voz…

    Ela tentava abafar o choro em minhas vestes, mas era impossível. Parecia ter segurado tudo por tempo demais — e agora, mesmo tentando, não conseguia mais se manter firme. Chorava com as últimas forças de quem tentou ser forte por muito tempo.

    — Eu não entendia o que sentia… Mas quando te vi daquele jeito, eu soube que podia te perder. Você estava… mutilado. — A última palavra foi dita com tanto peso e dor que ela não suportou mais.

    Nesse instante, ela desabou por completo.

    — Se eu tivesse chegado um minuto depois… você teria morrido.

    Por um longo tempo, ela não conseguiu dizer mais nada. Tentava falar, mas era interrompida por soluços. Começava uma frase, mas logo o choro tomava tudo. Eu não compreendia as palavras, mas sentia a dor e o desespero em cada respiração.

    E, dentro de mim, o remorso me corroía. Tudo aquilo era culpa minha. Meu temperamento, meu orgulho, meu desejo. Jum era apenas o efeito. Eu era a causa.

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