Capítulo 6
Um grito de espanto e medo ecoou pelo quarto. Jum largou seu “machado” e levou as mãos ao pescoço, tentando respirar. O garoto, que tivera a sensatez de não me atacar, não sabia o que fazer, ele olhava atônito para Jum e para mim.
No chão, Jum soltava um gemido miserável de dor. Em questão de segundos, o quarto estava tomado por uma multidão de curiosos. Os supervisores tiveram muitas dificuldades para manter a ordem e não tinham a mínima ideia do que fazer.
— Quem fez isto? — perguntou um supervisor, sem saber para quem olhar. Quando percebeu meu rosto sangrando, mudou a pergunta:
— Por que fez isso, garoto? — Ele olhou para mim completamente horrorizado.
Somente uma sílaba saiu da minha boca antes de ser interrompido pelo grito de Rusfum:
— O que está acontecendo aqui? — Quando Rusfum viu o estado de Jum, franziu o semblante, e, nesse momento, tive medo. O olhar que foi direcionado a mim era de profundo ódio. Aquilo não era normal.
Jum estava debatendo-se violentamente no chão. Rusfum, com muita habilidade, pegou uma pequena adaga e fez um buraco na garganta do garoto agonizante. Feito isso, ouviu-se o estouro de bolhas de sangue produzidas pelo ar. Agradecido por poder respirar novamente, Jum se acalmou.
— Desça até o pátio e traga um galho de Xambu. — Ordenou Rusfum a um supervisor.
Não demorou muito para que ele trouxesse o que foi pedido. Rusfum cortou o galho oco e o colocou no ferimento, gerando um assobio tenebroso.
— Leve-o para a masmorra! — Exigiu Rusfum furioso. Os supervisores olharam-se nervosamente, porém um rosnado e os fez arrastar-me escada abaixo.
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Passamos pelo mesmo corredor que dava acesso ao pátio central. Olhei para a porta de aço, pensando em como era inútil. A dita masmorra não passava de um porão, não tinha grades, nem guarda vigiando a entrada. Claramente não tinha sido feita para abrigar prisioneiros.
No fundo da câmara, um pequeno lago criado pelas inúmeras infiltrações aumentava vagarosamente. Uma tocha lutava, tremeluzindo na escuridão, mas fatalmente iria perecer. Podia-se ouvir o trepidar da tocha, pois não havia mais ninguém além de mim, nem ratos havia naquele lugar, nada, somente eu. O tempo arrastou-se, meu braço latejava e eu não compreendia o motivo de ter feito aquilo. Depois de um tempo, a fome gritou seu nome em uma voz gélida. O medo também estava presente, mas era um medo estranho, quase uma preocupação. Não dormi nem um segundo naquela “masmorra”.
Meus dentes trincaram de dor quando um maldito guarda arrastou a porta de aço contra a pedra.
— Levante, garoto, Rusfum quer falar com você — praguejou um soldado, velho e carrancudo.
Quando saí da masmorra, meus olhos arderam de dor. As rochas negras agora estavam cinzentas e com um tom de verde pálido. O pátio estava repleto de garotos e todos me olhavam. Alguns com olhos de ódio, outros com medo, e havia até olhares de inveja. Como era de se esperar, Jum não estava presente.
Com certa relutância, entrei na sala do Rusfum. Ele estava sentado atrás de uma abarrotada mesa de madeira. Seu olhar era de desprezo, e chegou a perceber sangue velho em minha têmpora além do braço contraído, o local da pancada estava roxo, mas não disse nada.
— Eu deveria açoitá-lo — falou Rusfum com tanta raiva na voz que recuei alguns passos. Ao sentir a ponta de uma lança roçar em minhas costas, fui obrigado a avançar —, mas você terá uma punição pior do que o açoite. Você está expulso da Academia.
— Isso não é justo! Eu estava me defendendo.
— Se defendendo? Aquele golpe não é usado para defesa e você sabe. Os recrutas dizem que você atacou sem motivo.
— Eles estão mentindo!
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— Todos?
— Sim! Estão com medo de Jum.
— Jum é apenas um garoto, e não há motivo para discussão. Você está expulso. Pegue sua trouxa e suma da minha frente antes que eu resolva açoitá-lo.
— Guardas levem esse maníaco para fora da Academia antes que ele mate alguém!
Hoje, quando penso naquele dia, sofro por não ter conseguido suprimir minha raiva. Muitas coisas poderiam ter sido evitadas se eu não tivesse sido tão arrogante. Mas o que foi feito não pode ser desfeito.
Saí de cabeça baixa da sala do Rusfum. Quando voltei ao alojamento, não encontrei minhas coisas, mas não as procurei.
O caminho até minha casa foi longo e cansativo. Minha cabeça estava confusa e perturbada. Não entrar na Academia era uma coisa, mas ser expulso feria meu orgulho.
“Meu pai vai ficar muito chateado”, pensei ao avistar a colina que marcava o início da nossa propriedade. Muitas coisas passaram pela minha mente, medos e temores que nunca pensei que teria.
É surpreendente como um único erro pode mudar completamente a sua vida. Fico pensando como seria minha história se eu não o tivesse cometido. Quantas dores não seriam evitadas, mas só me importo com uma dor. E essa eu não posso esquecer, essa eu não vou esquecer, essa eu não vou perdoar.
Com bastante cuidado, ao chegar em casa, abri a porta da cozinha. A dor no braço ainda latejava, contudo a fome era maior. O cheiro de pães recém-assados já me alcançava à soleira da porta, e me arrisquei a roubar um pão antes que esfriassem.
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Minha mãe não gostava que eu os comesse ainda quentes, sempre falando algo sobre dor de barriga, mas eu nunca escutava. Sem me importar com o risco de queimar as mãos ou de ter uma dor de barriga, peguei um às pressas e saí da cozinha, soprando para não me queimar.
Fui surpreendido ao sair. Um ataque sorrateiro me esperava, e o alvo não era outro senão minha cabeça. Mesmo sendo um ataque surpresa, a esquiva era fácil. Mas descobri, com o passar dos anos, que essa não era a melhor escolha. Por uma reação quase automática, defendi com o braço machucado. Senti uma dor tão intensa que não consegui segurar um forte gemido.
Minha mãe largou a colher e soltou um profundo suspiro de arrependimento. Com o tempo, ardilosamente percebi que, ao deixá-la me acertar com a colher, o sentimento de culpa lhe traria alguns benefícios.
— Kam, é você? Pensei que fosse um ladrão, mas você mereceu. Quantas vezes já te falei para não roubar comida da cozinha?
Minha mãe mal tinha terminado de falar quando percebeu meu patético e sujo estado. E não era para ser diferente: fui jogado em uma cela fria e úmida, humilhado e impedido de me alimentar. Tive que caminhar por horas sob o sol escaldante. Já fazia um bom tempo que eu não comia; o sangue seco ainda estava na minha cabeça, as roupas eram trapos e acredito que meu semblante estava extremamente abatido.
Ela continuou seu pedido de desculpas após uma pequena pausa.
— Eu não percebi que você estava machucado. Mas você sabe que não pode ficar roubando comida da cozinha! Vai fazer mal para o seu estômago. — Ela se abaixou e olhou profundamente nos meus olhos.
— O que aconteceu com você, meu filho? — Era nítido, pelo tom de sua voz, o arrependimento e a preocupação.
— Não é nada, mãe — respondi, tentando disfarçar o desconforto.
— Nada, como nada! Pelos deuses brancos, quem fez isso com você? Se foi aquele maldito careca, eu irei lhe ensinar uma dolorida lição — disse, com tanta raiva que minha barriga esfriou. Até mesmo meu pai tinha certo medo da minha mãe!
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Ela quase me virou de cabeça para baixo na busca por outros hematomas e encontrou vários, alguns dos quais eu nem tinha notado. Do começo do meu peito até o final da barriga, havia grossos arranhões feitos pelo “machado” do Jum.
— Você está todo machucado! Que tipo de admissão foi essa? Seu pai me prometeu que a Academia tinha mudado!
— Não foi por causa da Academia, foi contra a turma do Jum, mãe.
Ela me olhou irritada.
— Vá tomar um banho, depois venha aqui. Quero dar uma olhada melhor neste seu braço. Você vai me contar tudo, e ai de você se eu não gostar. Seu pai não falou nada sobre isso.
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