Um ranger de aço gasto e enferrujado irritou-me. A grande porta dava para dois corredores, um seguia para o pátio, o outro eu não tardaria em descobrir. O estalar de espadas contra escudos fez meu coração acelerar de ansiedade. Sem que eu percebesse, um velho medo brotou em meu coração.

    — O primeiro dia é sempre inesquecível, lembro-me do meu.

    Olhei para o rosto do meu pai esperando uma história, mas ele não continuou. Ele tinha essa estranha mania de começar a contar as coisas e parar no meio.

    No final do corredor, vários garotos da minha idade treinavam técnicas de luta com espadas e escudos. Fiquei abismado ao notar vários erros de postura e altura da guarda. 

    — Atenção! — gritou um homem baixo e troncudo quando apontamos fora do corredor.

    Todos os garotos cessaram o que estavam fazendo e, sem demora, colocaram-se em posição, um ao lado do outro.

    — Bom dia! Rusfum Camury. Peço desculpas pelo atraso.

    O homem olhou para meu pai como se esperasse um título apropriado para sua posição. Não recebendo nada, suspirou e disse.

    — Kannofi Marru, seu filho está dois anos atrasado. Você deveria ter seguido os protocolos.

    — Releve, tinha sido acordado que ele não faria, mas Chiaro mudou de ideia. Você não está ciente?

    — Sim, estou — confirmou Rusfum com desagrado. —, mas ele está muito atrasado. Não ficará pronto na idade certa. Se ficar pronto.

    — Você subestima meu filho. Os dois primeiros anos são técnicas de lutas. Ou isso mudou?

    — Não. — Respondeu secamente.

    — Ele foi bem treinado. Dois anos a mais ou a menos não vão fazer diferença. Pode derrotar qualquer garoto da idade dele. Se quiser, é só testar! — Meu pai disse, dando de ombros. Normalmente, ele não era rude, mas às vezes era direto demais.

    Pude notar que Rusfum não gostou nem um pouco da afirmação do meu pai, porém se mostrou pensativo. 

    Por um breve momento, olhou e ponderou qual seria meu adversário. Analisou-me com desdém, procurando um sinal de fraqueza. Acreditando ter encontrado, gritou.

    — Jum, qual a sua idade?

    — Onze, senhor. — Um garoto forte e robusto respondeu sem nenhum constrangimento. 

    Ele tinha o rosto pálido, o cabelo da cor de sebo e uma voz irritante.

    Um dos supervisores entregou-me uma espada de madeira,  meu agradecimento foi um olhar de indignação. Eu estava acostumado a treinar com espadas de treinamento. Elas não tinham corte, mas Esdom sempre dizia que era assim que elas ficavam depois de uma batalha sangrenta. 

    “Se sua espada ainda tiver corte após uma batalha, você é um péssimo gerreiro”, disse ele uma vez.

    —“Isto é um porrete”, reclamei para mim mesmo. — “Isso vai quebrar no primeiro golpe!”

    Aproximava-se muito ao peso de uma espada, tinha até uma guarda, porém continuava sendo um porrete. Ele também trazia um escudo pequeno feito de madeira e ferro, mas eu recusei, o que fez Rusfum gritar obrigando-me a aceitar.

    — COMECEM! — Gritou Rusfum.

    Estávamos frente a frente, à distância de um golpe de espada. Sua aparência era estranhamente desagradável, e seu olhar carregava uma raiva injustificada. 

     Foi dele a iniciativa do ataque.

     Em um corte alto, tentou acertar minha cabeça, porém desviei para a direita, acertando com força meu escudo contra o seu. Surpreso com o contra-ataque, ele caiu no chão, produzindo um barulho abafado. Sua postura era fraca e frágil, eu poderia ter acabado com a luta naquele momento, mas apenas o olhei com indiferença. 

    Eu estava horrorizado pela sua postura e forma de ataque. 

    Sem perder tempo, ele se levantou e atacou com ferocidade. Estocava com a espada e usava o escudo como arma. Até tentou chutar areia nos meus olhos, mas nada disso funcionou. Atacou novamente da mesma forma, achando que eu desviaria para a direita, mas, desta vez, escapei para a esquerda.

    Ao perceber que seus golpes não tinham efeito e que eu havia tomado distância, ele correu em minha direção. Talvez quisesse ganhar impulso para o ataque… ou pelo menos era o que me parecia.

    Fiz um grande movimento, abrindo completamente minha defesa, pois precisei erguer o escudo e saltar sobre sua cabeça. O que não foi difícil, já que ele era mais baixo do que eu. Mas não foi apenas um chute simples — girei no ar com a espada e o escudo antes de acertá-lo. E foi um belo chute, que o fez cair de boca no chão.

    Jum estava furioso. Cuspiu com raiva o punhado de areia que tinha na boca, limpou o resto da baba com as costas das mãos e se levantou novamente — desta vez, mais temeroso.

    Pude ouvir o suspiro de surpresa de vários observadores quando realizei minha façanha.

     Foi arriscado, infantil e desnecessário, mas eu queria impressionar meu pai.

    Mesmo as espadas sendo de madeira, o escudo poderia fazer um estrago se acertasse minha cabeça, ou então apenas por perceber o olhar desaprovador de meu pai, decidi lutar a sério. 

    Levantei meu escudo, de modo a proteger meu flanco esquerdo, e apontei minha espada para o garoto, que agora estava em pé, com os olhos vermelhos de raiva.

     Ataquei. 

    Ele não conseguiu desviar, mas conseguiu bloquear precariamente.

    Uma espada de madeira é fácil de bloquear, ela não corta, não há motivo para estocadas porque ela não fura. Mesmo assim, eu o estocava compulsivamente, mas não era o suficiente para vencê-lo, então perdi a paciência e o ataquei com força e brutalidade. 

    Estoquei-o na altura do peito com tamanha energia que pude ouvir seu gemido de dor. Ele encolheu e abaixou o escudo, deixando seu flanco direito exposto. Não tive dúvidas e o ataquei novamente. 

    Não sei se foi sorte ou destreza, porém, um segundo antes de seu corpo receber o golpe, Jum levantou seu escudo. A força exercida por mim foi tanta que minha espada se partiu em duas. Completei o movimento, acertando meu escudo em suas pernas, levando-o ao chão.

     Ele não teve tempo para se levantar e ficou paralisado ao ver o pedaço de espada a poucos centímetros de sua garganta. Ele deve ter notado em minha face o desejo de matá-lo, pois pude perceber o medo estampado em seu rosto. 

    Jum era um covarde. O que eu realmente queria era fazer um pequeno corte, mas, quando avancei para fazê-lo…

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