Capítulo 336: A Boneca e o Caixão de Boneca

O mundo aos olhos de Alice parecia, desde o início, apresentar-se de uma forma completamente diferente da das pessoas comuns. No entanto, até hoje, ninguém havia percebido isso.

Nem mesmo a própria Alice havia percebido.

Duncan soube por Vanna sobre a batalha que ocorreu no beco e o desempenho de Alice naquele combate. Desde o momento em que ela detectou o inimigo oculto através das “linhas flutuantes” até transformar um Aniquilador que tentava fugir em uma boneca de porcelana estilhaçada, todo o processo deixou Duncan extremamente surpreso.

Agora, todos os olhares estavam sobre a senhorita boneca, que esteve confusa do início ao fim.

“…Então vocês todos não conseguem ver as ‘linhas’…”, por mais lenta que Alice fosse, ela finalmente entendeu o que estava acontecendo. Ela coçou a cabeça, com uma expressão inocente. “Eu pensei que era de conhecimento geral, afinal, todo mundo tem aquilo flutuando na cabeça e nos membros…”

Duncan encarou os olhos de Alice, com uma expressão particularmente séria: “Vou confirmar mais uma vez. Todas as pessoas têm ‘linhas’, correto?”

“Sim, todas as pessoas. Mas o capitão não tem”, respondeu Alice imediatamente.

Duncan pensou um pouco e perguntou novamente: “…É o meu corpo original que não tem, ou este corpo que estou usando agora também não tem?”

“Este seu corpo atual também não tem”, respondeu Alice honestamente, acrescentando em seguida: “Aquele seu corpo em Pland também não tinha…”

Duncan assentiu levemente, sua mente girando a mil por hora, com várias suposições surgindo uma após a outra.

‘Aos olhos de Alice, todas as pessoas no mundo têm “linhas” flutuantes, exceto eu, e os corpos que ocupo também não as têm… Então, essas tais “linhas” não estão conectadas à carne e ao sangue, mas simbolizam algo mais fundamental? Seria a alma? Ou a personalidade’

‘A uma distância suficiente, ela consegue “agarrar” facilmente as linhas de outras pessoas e, com isso, prender ou atacar oponentes. Que tipo de habilidade é essa? É uma capacidade que ela possuía desde o início como Anomalia 099, mas que nunca havia demonstrado, ou é uma mutação que surgiu depois que ela se tornou um membro do Banido?’

Enquanto Duncan ponderava, seu olhar nunca deixou o rosto de Alice. Finalmente, até mesmo a lenta boneca começou a se sentir desconfortável. Ela torceu o pescoço instintivamente: “Capitão… o senhor está me encarando… estou ficando nervosa.”

“Ah, desculpe”, Duncan se deu conta, piscou os olhos para que seu olhar não fosse mais tão intimidador e, pensativo, virou-se para Vanna ao seu lado. “Pelo que sei, o ‘título oficial’ de Alice agora foi alterado para Anomalia 099—Boneca, correto?”

“Sim, seu nome original era Caixão de Boneca”, Vanna assentiu imediatamente, já adivinhando o que Duncan queria dizer. “O senhor está sugerindo que o poder de Alice também está relacionado a essa mudança?”

“Talvez… o Caixão e a Boneca representassem poderes diferentes desde o início. O primeiro é um símbolo da morte, portanto, possuía a capacidade de decapitação simples e direta, enquanto a última representa a manipulação de formas humanoides, o que se encaixa perfeitamente na definição de ‘Boneca'”, disse Duncan sem pressa. “Acontece que a Alice de antes era o ‘conteúdo’ do Caixão, então o ‘conjunto’ da Anomalia 099 exibia completamente as características do Caixão. E agora… a Boneca se tornou a ‘parte principal’ da Anomalia 099, e suas habilidades originais foram liberadas.”

“O Caixão e a Boneca possuem poderes diferentes…”, murmurou Morris, que estivera em silêncio o tempo todo. “Essa é uma especulação muito plausível.”

Duncan sentiu um misto de emoções em seu coração.

Ele sempre pensou que o grande poder da Anomalia 099 havia desaparecido. Depois que a caixa de madeira de Alice foi “transformada”, ela se tornou apenas uma boneca amaldiçoada um tanto bizarra, capaz de se mover e pensar. Além disso, era inútil, covarde e incrivelmente boba. Ele nunca esperou que ela demonstrasse uma habilidade tão estranha hoje. Como dizer…

Ela realmente fazia jus ao seu número de anomalia abaixo de cem — embora ainda fosse bastante inútil a bordo do Banido.

Alice, por sua vez, obviamente não tinha tantos pensamentos. Ela apenas virava o olhar de um lado para o outro, acompanhando a conversa de Duncan e dos outros. Depois de um bom tempo, ela finalmente entendeu um pouco da situação, mas seu rosto mostrava uma expressão inquieta, e ela lançou um olhar cauteloso: “…Capitão, eu fiz algo de errado?”

“Não, foi algo bom”, Duncan balançou a cabeça imediatamente. “Você foi muito corajosa e se protegeu muito bem. Os cultistas nunca são inocentes.”

“Então…”, Alice pensou mais um pouco e gesticulou com as mãos. “Minha habilidade é algo ruim?”

Duncan olhou silenciosamente para a boneca. Depois de um longo tempo, um sorriso apareceu de repente em seu rosto: “É algo bom.”

Alice pareceu não entender muito bem.

“Você pode controlá-la, certo?”, perguntou Duncan.

“Sim”, Alice acenou com a mão. “É muito simples.”

“Então é algo bom”, disse Duncan, sorrindo. “Ter poder nunca é algo ruim. Perder o controle é que é o problema. Agora você pode me ajudar ainda mais, Alice.”

A senhorita boneca finalmente sorriu, mostrando uma expressão particularmente feliz enquanto balançava de um lado para o outro: “Que ótimo! Vi que todos ficaram tão sérios de repente, pensei que a situação era terrível…”

Duncan apenas estendeu a mão e afagou suavemente os cabelos de Alice.

Ela estava balançando tanto que sua cabeça estava quase caindo.

Ao mesmo tempo, seus pensamentos não se acalmaram.

Embora soubesse sobre a habilidade atual de Alice e tivesse deduzido a situação de “a Boneca e o Caixão tendo simbolismos distintos”, isso não significava que todos os mistérios estavam resolvidos. Pelo contrário, isso apenas o fez perceber que a boneca à sua frente escondia ainda mais segredos.

Ele já convivia com Alice há um bom tempo e, por causa desses dias de convivência, já se acostumou com o barulho que ela fazia no navio, com sua aparência inofensiva correndo para lá e para cá o dia todo. Ele quase se esqueceu de que, antes de se tornar a cozinheira do Banido, ela era, antes de tudo, a Anomalia 099, a criatura bizarra que emergiu das frias profundezas do mar após a morte da rainha de Geada.

De certa forma, ela e aquelas “réplicas” bizarras e distorcidas tinham a mesma origem.

Mas ela era completamente diferente de todas as outras réplicas que apareceram até agora. Não era possível que não houvesse uma razão para isso.

Por alguma razão, ele se lembrou de repente de uma frase dita pelo Aniquilador que apareceu após a explosão do Andorinha do Mar:

“Se não fosse por aquela rainha…”

Duncan balançou a cabeça, suprimindo temporariamente os pensamentos confusos em sua mente, e olhou para Vanna.

“A situação desta noite provou uma coisa: as ‘réplicas’ na cidade são de fato obra daqueles Aniquiladores. E esses cultistas não estão apenas agindo nas sombras, mas também observando secretamente as réplicas que liberaram na cidade. Essa observação se parece muito com a coleta de algum tipo de dado.”

“Pela minha experiência, isso é uma preparação para uma ação maior. As réplicas atuais na cidade são apenas o começo, e a erosão na Ilha Adaga também pode ser apenas outro campo de testes maior”, Vanna assentiu. “Eles também tentaram transportar a contaminação da Ilha Adaga para a ilha principal de Geada. Embora essa ação tenha sido impedida, isso já indica que suas operações chegaram a uma fase crucial.”

“Não importa, eu vou agir. Mas primeiro preciso saber em qual sarjeta eles estão escondidos”, disse Duncan casualmente. “Matar alguns cultistas ou sacerdotes, ou mesmo destruir alguns pontos de encontro, não tem sentido. A experiência em Pland provou isso.”

Enquanto falava, ele ergueu o olhar. Por entre as frestas das ataduras, seu olhar atravessou a janela suja ao lado, em direção aos pináculos e beirais de Geada.

“…Onde vocês estão escondidos?”

O vento ficou mais forte e a segunda nevasca começou a cair. Flocos de neve esvoaçantes caíam na noite, e as ruas distantes ficaram enevoadas, como se estivessem envoltas em névoa.

A neve caiu por quase toda a noite, até o sol nascer. O brilho remanescente da Criação do Mundo se dissipou sob a luz do sol, e o brilho dourado-avermelhado da aurora se espalhou pelas ruas da cidade. Os flocos de neve que caíam em profusão finalmente pararam.

O pesado portão de ferro forjado do cemitério se abriu com um rangido. O Velho Guarda, vestindo um casaco grosso, prendeu o gancho que segurava o portão na grade e olhou para a rua na direção da cidade.

Tudo o que se via estava coberto por uma espessa camada de neve. As ruas distantes tinham seus contornos e limites borrados pela neve espessa, formando uma vasta extensão branca.

Os canos de vapor acima do quarteirão soltavam uma névoa branca. O calor do núcleo a vapor estava sendo transportado para os nós cruciais, derretendo o gelo e a neve nos centros da rede de tubulação e nas estações de energia. Grandes máquinas de remoção de neve também saíram, esses gigantes que soltavam fumaça branca e emitiam um rugido baixo passaram roncando pelas ruas, limpando as principais vias de tráfego.

Desde a partida do visitante, o cemitério voltou à tranquilidade, e nenhum evento anormal perturbou mais os mortos. No entanto, nem o guarda do cemitério nem os guardas enviados pela igreja relaxaram depois disso.

No meio da noite, um “despacho rápido” foi entregue à cabana do guarda através do duto de vapor de alta pressão. O despacho veio da prefeitura, e seu conteúdo era estranho: exigia que todas as forças de defesa sobrenaturais da cidade aumentassem a vigilância, mas não especificava contra o quê.

Agatha também pareceu ter recebido alguma informação pouco depois. Ela enviou uma equipe para a Rua da Lareira, e esses guardas ainda não haviam retornado.

A neve e o vento da madrugada foram fortes, o uivo do vento e os flocos de neve em turbilhão pareciam pressagiar algo.

O Velho Guarda apertou o casaco.

“Que tempo dos diabos…”