Índice de Capítulo

    Hora da Recomendação, leiam Fagulha das Estrelas. O autor, P.R.R Assunção, tem me ajudado com algumas coisas, então deem uma força a ele ^^ (comentem também lá, comentários ajudam muito)

    Talvez passe a usar mais esse espaço para recomendar outras obras (novels ou outras coisas que eu achar interessante ^^)

    Agatha pegou a carta-denúncia. A missiva, que parecia ser escrita no papel mais comum, dentro de um envelope produzido por uma pequena fábrica local de Geada e com tinta visivelmente ordinária, fora entregue a ela vinda do Cemitério N° 3. Sinceramente, se não soubesse que o velho guarda não faria esse tipo de brincadeira com ela, Agatha jamais acreditaria que aquilo vinha de uma existência sobrenatural superior e inominável.

    Ela nem sequer conseguia sentir qualquer poder sobrenatural na carta. Mas, após alguns testes simples, confirmou que o objeto realmente vinha das mãos daquela entidade superior.

    Um som de tecido se esfregando veio do caixão escuro, e a pesada tampa finalmente se abriu lentamente. Com um aroma peculiar de incenso, um corpo envolto em bandagens, como uma múmia, levantou-se lentamente de dentro.

    Este era Ivan, o bispo da cidade-estado de Geada. Ele perdeu sua forma física completa em um acidente muitos anos atrás, mas o grande poder de Bartok manteve sua vida até hoje. Na maior parte do tempo, ele permanecia no “caixão espiritual” do Santuário de Meditação, aparecendo em público apenas para cerimônias sagradas importantes. Mesmo assim, ele era o bispo mais popular e confiável da história de Geada.

    As realizações e o vasto conhecimento do bispo no campo sobrenatural eram inquestionáveis.

    Ele se sentou no caixão e pegou a “carta-denúncia” que Agatha lhe entregou. Seu único olho esquerdo, exposto pelas bandagens, encarou a carta por um longo tempo, em completo silêncio.

    Agatha não pôde deixar de quebrar o silêncio: “O senhor…”

    O arcebispo, experiente e erudito, falou com a voz abafada: “Preciso de um momento.”

    Agatha esperou um pouco e perguntou novamente: “Já se recuperou?”

    “…Você tem certeza de que é isto?”, o Bispo Ivan ergueu a cabeça, seu olho amarelado cheio de confusão. “Você por acaso…”

    “De fato, parece comum. Mas quando tentei observar as palavras na carta através da perspectiva do Plano Espiritual, perdi quinze minutos de memória instantaneamente”, Agatha sabia o que o bispo queria dizer e assentiu com uma expressão séria. “Ela está envolta em um poder inimaginável para os mortais. Essa aparência simples… talvez seja apenas um gosto peculiar do visitante.”

    O Bispo Ivan ficou em silêncio por um momento, parecendo ainda estar se recuperando, e então falou lentamente: “O conteúdo desta carta… é perturbador. Você já viu aquele ‘Andorinha do Mar’, e se o que a carta diz é verdade, o Andorinha do Mar é apenas o começo. Mesmo a perda de controle da Ilha Adaga é apenas o começo… Seja os cultistas na cidade ou a contaminação causada pelo ‘Primal’, seja o retorno do ‘Andorinha do Mar’ ou a anomalia na Ilha Adaga, tudo aponta para as profundezas do mar, para o Projeto Abismo de meio século atrás.”

    “Já enviei um aviso à prefeitura e solicitei acesso aos arquivos secretos selados por meio século. Depois irei à biblioteca da catedral. Além disso, já organizei equipes para intensificar a busca por toda a cidade, para capturar aqueles cultistas que se escondem”, disse Agatha. “Mas isso não é suficiente. Precisamos, no mínimo, confirmar qual é a situação na Ilha Adaga agora. A maior fonte de contaminação parece estar naquela ilha.”

    O Bispo Ivan pensou um pouco e suspirou levemente: “Se tudo aponta para o Projeto Abismo… a aparição da Frota do Névoa do Mar perto de Geada agora também parece ter uma explicação.”

    “…O senhor acredita que tudo isso faz parte do plano da Rainha de Geada?”, Agatha franziu a testa. “É porque ela deixou alguma ordem para aquele ‘Almirante de Ferro’ que a Frota do Névoa do Mar apareceu hoje?”

    “Não tenho certeza”, o Bispo Ivan balançou a cabeça e de repente olhou nos olhos de Agatha. “Agatha, na sua percepção, que tipo de imagem a Rainha de Geada tem?”

    Agatha hesitou, ponderando enquanto falava: “Uma governante outrora grandiosa que, após um breve e brilhante reinado, foi corrompida e seduzida por forças das profundezas do mar, degenerando em uma perigosa ‘Rainha Louca’. Por causa de sua teimosia, Geada estabeleceu uma conexão com os horrores do mar profundo. Seus planos terríveis, mesmo depois de meio século, ainda precisam ser completamente selados, proibidos de serem conhecidos por qualquer pessoa comum. Sua vida foi tanto trágica quanto perigosa.”

    “Uma resposta bem padrão. Como membro da geração mais jovem, com acesso suficiente a parte dos registros de meio século atrás, seu resumo é bastante preciso”, o Bispo Ivan assentiu, mas então mudou de assunto. “Mas você não viveu realmente tudo aquilo.”

    Agatha não falou, apenas olhou em silêncio para o arcebispo à sua frente.

    “Eu vivi. Naquele ano, eu tinha vinte e seis anos, ainda era um simples sacerdote em uma pequena capela na área do cais. Sabe? Aquela capela ficava bem ao lado do campo de testes do Projeto Abismo. Eu cheguei a realizar cerimônias de bênção para alguns soldados e oficiais. Só mais tarde soube que eles vieram à igreja para receber a bênção porque teriam contato com os ‘submersíveis’.”

    O Bispo Ivan falou lentamente, sua voz baixa e suave, como um afluente fluindo do rio das memórias. As coisas antigas, que não podiam ser contadas a pessoas comuns, foram reveladas pouco a pouco por baixo das bandagens sobrepostas.

    “Depois que o exército rebelde invadiu o palácio, a maioria dos documentos sobre o Projeto Abismo foi selada. Somando-se ao efeito de pânico causado pelo desabamento do penhasco na cena da decapitação, os documentos relacionados ao Projeto Abismo foram praticamente todos destruídos. Portanto, mesmo uma ‘Guardiã do Portão’ com sua autoridade só tem acesso à parte mais superficial dos registros. Se eu lhe dissesse agora que a Rainha de Geada veio àquela pequena capela na noite anterior ao ataque da guarda da cidade e me pediu para realizar um ritual de envio para ela… o que você pensaria?”

    Os olhos de Agatha se arregalaram.

    “Ela foi chamada de ‘Rainha Louca’. De fato, suas ações nos últimos meses não eram diferentes de ‘loucura’. Com o projeto completamente fora de controle, com pessoas desaparecendo, morrendo e enlouquecendo todos os dias, ela continuou a avançar, chegando a fechar o palácio, confinar os últimos ministros que ainda se atreviam a aconselhá-la e ordenar à polícia militar que bloqueasse o porto, prendendo aqueles que tentavam fugir de Geada… Com essas ações, a rebelião que se seguiu foi uma consequência natural. Estava destinada a não ter um fim pacífico em seu trono…

    “Mas, mesmo assim, eu acredito que ela nunca esteve ‘louca’… Ela estava muito lúcida, até mesmo…”

    O Bispo Ivan parou de repente, como se lembrar daqueles eventos distantes sobrecarregasse sua mente, ou talvez estivesse procurando as palavras certas para descrever a estranheza que sentiu na época. Somente após alguns segundos ele continuou: “Até mesmo, era como se fosse a única pessoa ainda sã em toda a cidade-estado.”

    Sem perceber, Agatha já se inclinara para a frente: “Por que diz isso?”

    “Ela entrou na igreja, sem nenhum acompanhante, com um olhar claro, como se já tivesse discernido seu próprio destino. Ela mesma se aproximou da estátua de Bartok, acendeu o incenso para si e depois veio e bateu no meu ombro — assim.”

    O Bispo Ivan ergueu o braço, como se recriasse a cena de meio século atrás.

    “Ela bateu em mim e disse: ‘Acorde, você é o único em toda a cidade que ainda está de olhos abertos. Venha me ajudar com uma coisa, estou prestes a morrer’.”

    Agatha sentiu sua respiração falhar por um instante, como uma apneia entre o sono e a vigília. No momento seguinte, ela não pôde deixar de levar a mão à testa, sentindo o coração bater descontroladamente. Não sabia como reagir e, após alguns segundos de silêncio, só conseguiu perguntar sua dúvida mais direta: “‘Você é o único em toda a cidade que ainda está de olhos abertos’… o que essa frase significa?”

    “Até hoje não entendi completamente”, o Bispo Ivan suspirou, sua voz abafada sob as bandagens. “Ela me disse para acordar, mas eu sempre estive acordado. E depois disso, ela não me explicou mais nada, apenas me instruiu a seguir suas ordens… Ela se deitou na laje mortuária, como um defunto, e então… eu realizei o ritual de envio para ela.”

    “Como se realiza um ritual de envio para uma pessoa viva?”, Agatha arregalou os olhos, incrédula. “Esse seu ritual… foi realmente concluído?”

    “Claro que não se pode realizar um ritual de envio para os vivos. Eu apenas segui suas instruções e completei todo o processo. Naturalmente, nada aconteceu após o término do ritual”, o Bispo Ivan balançou a cabeça. “Eu achava que o ritual não tinha sentido, mas a Rainha de Geada parecia ter alcançado seu objetivo. Ela partiu assim, e antes de ir, me confiou uma tarefa…”

    “Uma tarefa?”

    “Ela me pediu para não contar a ninguém o que aconteceu naquela noite, caso contrário, o exército rebelde certamente acabaria com a minha vida. Quando ela disse isso, ainda faltavam exatas vinte e quatro horas para o ataque da primeira unidade da guarda da cidade ao arsenal.”

    Agatha ficou em silêncio. Depois de um longo tempo, ela finalmente falou em voz baixa: “Você nunca me contou isso…”

    “Eu nunca contei a ninguém”, disse o Bispo Ivan com indiferença. “Naquela época, eu era apenas um pequeno sacerdote.”

    “Mas depois você se tornou o bispo da cidade-estado. Ninguém mais poderia julgá-lo por ‘envolvimento’ no passado. Esse segredo…”

    “Eu pretendia levar esse segredo para o túmulo. Por que eu o contaria?”, o Bispo Ivan ergueu a cabeça, seu olho esquerdo, turvo e amarelado, fitando os olhos de Agatha. “Eu sei que este assunto é extraordinário — a rainha já sabia das ações do exército rebelde e até aceitou sua própria morte de bom grado. Esse fato abalaria muitas pessoas… Mas, além do choque em si, não tem nenhum significado. O Projeto Abismo continuaria selado, e a ordem estável da cidade-estado é o mais importante para a grande maioria dos cidadãos. Ninguém se importaria com o que uma rainha já executada pensou ou fez no final. E há uma razão ainda mais importante…”

    O Bispo Ivan fez uma pausa, suspirando levemente.

    “Uma razão mais importante: o Projeto Abismo terminou, a era da rainha terminou, tudo estava resolvido. Pelo menos… foi o que pensei nos últimos cinquenta anos.”

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