Índice de Capítulo

    O escritório da Papisa Paula era um refúgio silencioso, onde o único som era o sussurro das páginas sendo viradas. O ar carregava o cheiro envelhecido da tinta, do papel antigo e da cera de abelha das velas que iluminavam a pesada escrivaninha de mogno. Sob a luz tremulante, seus dedos deslizavam pelas linhas do relatório do padre Antônio, vindo do engenho de Jorge de Oliveira. Uma passagem em particular prendia sua atenção, descrevendo um escravo que parecia diferente dos demais.

    Ela ergueu os olhos, que encontraram os do comerciante Francisco, que aguardava em pé do outro lado da mesa.

    — Francisco — disse ela, pousando o relatório — você viu algo de incomum no engenho do Jorge? Algum escravo que tenha chamado sua atenção, por exemplo?

    O comerciante pareceu aliviado por finalmente chegar ao assunto que sabia ser inevitável.

    — Então o padre também notou? Iria lhe falar, Vossa Santidade. Vi, sim. Havia um escravo que… bem, ele afirmou saber invocar artefatos do diabo. Confesso que duvidei à princípio, mas então ele examinou um dos artefatos que eu carregava na minha carroça e descobriu seu funcionamento apenas com um olhar.

    Paula arqueou uma sobrancelha, seu interesse genuinamente despertado.

    — E como era este artefato?

    Francisco então se lançou em uma explicação detalhada sobre os estranhos objetos metálicos que se atraíam e repeliam.

    “Até fiquei animada”, pensou a Papisa, “mas, no fim, imãs são raros, não inexistentes. Não é de se estranhar que um escravo mais instruído possa conhecê-los.”

    — Lamento desapontá-lo, Francisco, mas isso não prova nada — ela declarou, cruzando as mãos sobre a mesa. — Os objetos que você descreve são imãs. Não são artefatos do diabo. As próprias bússolas, instrumentos abençoados, utilizam ímãs em seus ponteiros.

    — Eu… não sabia disso, Vossa Santidade — ele admitiu, esfregando as mãos nervosamente. — Mas permita-me dizer: os imãs que eu carregava tinham que ser artefatos do diabo. Nenhum ferreiro em sã consciência gastaria tanto tempo polindo uma pedra inútil até deixá-la tão lisa e redonda. Além disso, o escravo deu uma explicação sobre como funcionavam… falou algo sobre “magnetismo”.

    “Espera. Magnetismo.,,” O termo ecoou em sua mente, familiar e distante. “Essa palavra não me é estranha. Acho que já a li em algum livro profano que acabou sendo queimado… Talvez esse escravo realmente saiba de alguma coisa. Seu coração acelerou um pouco. Mas seria crucial examinar o artefato.”

    — Francisco — ela disse, sua voz suave, porém firme — você poderia me mostrar esses tais ímãs?

    O comerciante começou a suar visivelmente, um brilho úmido aparecendo em sua testa. Ele a limpou com as costas da mão antes de responder, evitando seu olhar.

    — Desculpe, Vossa Santidade, mas… infelizmente, não possuo mais os artefatos.

    — O quê? — a voz de Paula manteve-se calma, mas uma centelha de irritação acendeu em seus olhos. — Não vai me dizer que os vendeu para o senhor do engenho?

    — Sinto muito — ele murmurou, cabisbaixo.

    — Vossa Santidade, eu… peço perdão por meus pecados. Para compensar, posso lhe dar um livro do diabo que encontrei em minhas jornadas! Garanto que será de seu interesse!

    Paula ergueu a cabeça, uma sobrancelha arqueada em expressão de incredulidade.

    — Você está tentando me subornar de forma tão descarada? — sua voz era gelada. — “Isso beira o insulto. Sou Paula, a primeira papisa da história, considerada uma santa por minhas habilidades de cura e minhas descobertas. Você acha que pode comprar alguém como eu com um mero livro profano?”

    Ela fez uma pausa dramática, seus dedos batendo levemente na mesa. O silêncio pesou sobre Francisco.

    — Mas bem… — ela continuou, a voz perdendo um pouco da aspereza — não faz mal dar uma olhada no livro que trouxe. Afinal, o último que você me apresentou, ‘Introdução à Genética’, também se mostrou… bastante interessante.

    Quase antes que ela terminasse de falar, Francisco já colocava um volume em cima da escrivaninha. A capa era simples, mas as palavras nela estampadas fizeram a respiração de Paula ficar presa: “Vacinas: A Invenção que Salvou Mais Vidas na História da Humanidade”.

    — Assim que li o título — disse Francisco, recuperando um pouco de sua presunção — soube que apenas Vossa Santidade, que possui dons abençoados, seria capaz de compreender seu conteúdo e colocá-lo em prática. Assim como fez com o livro “Corpo Humano: Da Concepção à Morte”.

    — Agora tenta me bajular? — ela questionou, mas seus olhos não se desgrudavam do livro. — No entanto, fico curiosa… onde você consegue tantos livros e artefatos profanos? Suficientes até para vender a outros, além de mim. Deveria declarar você como herege e entregá-lo às chamas, assim como queriam fazer comigo!

    — Calma, Vossa Excelência! — Francisco suplicou, suas mãos tremendo levemente. — Você não quer queimar sua própria galinha dos ovos de ouro, não é? E sobre de onde os consigo… tenho meus contatos.

    A frase a irritou, era verdade. Mas o livro em suas mãos era uma tentação muito maior. Suas pontas dos dedos traçaram as letras do título.

    “Se o título for verdadeiro”, seu pensamento era um turbilhão, “então este deve ser um dos textos mais sagrados que já toquei. Algo que poderia me ajudar a salvar incontáveis vidas e, quem sabe, consolidar meu poder. Afinal, por mais que me chamem de Papisa, não passo da líder de uma cidade sagrada pequena, ofuscada pela grandeza da original. E meu poder político não se compara ao do Pontífice da Cidade Sagrada Alba, a cidade sagrada original. Ler aqueles relatórios de atrocidades sempre me faz lembrar de como ainda sou impotente para mudar o sistema.”

    — Antes que Vossa Santidade se perca na leitura — Francisco interrompeu, cautelosamente — gostaria de acrescentar algo. O tal escravo do engenho do Seu Jorge também disse que seria capaz de invocar artefatos do diabo, não apenas identificá-los.

    “Quase havia me esquecido do escravo”, pensou Paula, com um leve aborrecimento. “Mas, no momento, perdi completamente o interesse nessa história. Este livro parece infinitamente mais promissor do que as alegações de um suposto feiticeiro.”

    — Se isso fosse verdade, seria extraordinário — ela respondeu, com um ceticismo evidente. — Há séculos a Igreja busca a fonte dos artefatos profanos. Uns dizem que os pagãos os invocam, outros que caem do céu. Muitos hereges foram queimados sob essa acusação, mas ninguém jamais foi visto conjurando um. Esse mistério me intriga, confesso. Gostaria de desvendá-lo. Mas não deposito minha fé na palavra de um escravo qualquer. Uma coisa, porém, é certa: a fonte desses objetos está aqui, no Novo Mundo. Eles são abundantes por aqui. No Velho Mundo, um era encontrado a cada século. Aqui? É como se um novo aparecesse a cada semana.

    Ela suspirou, ponderando.

    — Dito isso, não vou descartar completamente a ideia sem mais informações. O escravo disse como faria essa invocação?

    — Bem, ele não explicou o método, apenas listou do que precisava — Francisco explicou, animando-se. — Disse que certos artefatos do diabo, muito específicos, concederiam a habilidade de invocar outros. Se Vossa Santidade me permitir usar tinta e pena, posso desenhá-los para você.

    Paula, com um gesto silencioso, entregou-lhe os materiais. Com mão surpreendentemente estável, Francisco desenhou e descreveu os objetos necessários para a suposta invocação. Ao olhar os esboços, o coração de Paula deu um salto. Ela os reconheceu instantaneamente. Quando assumira o cargo do antigo papa, explorara cada centímetro da catedral e encontrara um porão secreto, repleto de artefatos idênticos àqueles, guardados a sete chaves. Eram mantidos porque eram notoriamente difíceis de destruir pelo fogo comum.

    — E você conseguiu algum desses artefatos? — perguntou ela, mantendo a voz controlada.

    — Infelizmente não, Vossa Santidade. Já é difícil encontrar qualquer artefato; um específico assim é quase impossível. Consultei meus… contatos, mas não obtive resultados.

    “Quem seriam esses ‘contatos’?”, ela ponderou, observando-o atentamente. “Talvez eles sim saibam invocar os artefatos… Deve ser assim que ele consegue tantos para mim e para vender. Mas não vou pressioná-lo agora. Ele já me forneceu textos inestimáveis. É, como ele mesmo disse, minha galinha dos ovos de ouro.”

    — Curioso — ela finalmente disse, quebrando o silêncio. — É interessante que o escravo tenha descrito esses artefatos específicos. É possível que os tenha visto em outro lugar, mas, pela ínfima quantidade deles no meu depósito, posso assumir que, entre os artefatos profanos que já são raros, estes são os mais raros de todos.

    Ela fez uma pausa, encarando Francisco, medindo sua lealdade.

    — Bom, esses objetos estão apenas juntando pó no porão da catedral. Não me custaria nada cedê-los a você. Como é nosso dever encontrar a origem desse mal para extirpá-lo pela raiz… — ela deu um sorriso leve — farei uma exceção. Permitirei a venda desses artefatos para você.

    Os olhos de Francisco brilharam com ganância antecipada.

    — Em troca — ela continuou, sua voz ficando séria — você me contará tudo sobre como o escravo pretende usá-los. Além disso, quero uma lista detalhada de todos os artefatos que já vendeu ou encontrou. Não posso impedi-lo de negociar, Francisco, mas peço que me informe. Um artefato pode ser muito mais útil em minhas mãos do que nas de algum senhor de engenho ignorante.

    — Vossa Santidade é misericordiosa! — ele exclamou, quase se prostrando. — E digo isso sem bajulação! Ouvi falar que noutras cidades sagradas a Igreja simplesmente confisca os artefatos sem pagar um centavo e ainda pune o comerciante! Por isso nunca deixo sua jurisdição. Aqui, quem manda é Vossa Santidade.

    — E mesmo assim você opera às minhas escostas — ela suspirou, um cansaço repentino em seus ombros. — Sou grata por nunca ter revelado a ninguém que eu… preservo alguns desses livros. Mas saiba, Francisco, que até a gratidão tem seus limites.

    — Perdão, Vossa Santidade — ele murmurou, genuinamente contrito.

    Não demorou muito para que Paula despachasse um cardeal para buscar os artefatos. Ninguém questionou sua ordem; todos estavam acostumados com a natureza excêntrica de sua líder, desde sua fixação por livros proibidos até suas reformas na cidade. No final, por mais incomuns que fossem seus pedidos, eles sempre pareciam resultar em vidas salvas.

    Cerca de uma hora depois, o cardeal retornou carregando vários sacos de tecido pesados, que produziram um ruído metálico e oco ao serem depositados no chão.

    — Muito obrigado, Vossa Santidade! — Francisco disse, seus olhos brilhando ao ver os tesouros. — Quando eu retornar, lhe darei um relatório completo! E farei uma doação generosa para a Igreja!

    — Fico feliz em ouvir isso — respondeu Paula, com uma serenidade que não refletia sua desconfiança. — Mas não me esqueci de seu pecado de vender artefatos amaldiçoados. Antes de partir em sua próxima jornada, reze três Ave-Marias e cinco Pai-Nossos pela purificação de sua alma.

    — Sim, Vossa Santidade. Obrigado.

    Assim que ele saiu, carregando seus novos tesouros, Paula abriu uma gaveta de sua escrivaninha e retirou um par de óculos de armação delicada. Eles pareciam comuns, mas as lentes eram feitas de cristal puro e perfeitamente transparente — a matéria-prima da raríssima Gema da Visão. Ela os colocou com cuidado e voltou seu olhar para o livro “Vacinas”.

    Ao ativar o poder da gema, o mundo ao seu redor ganhou uma nova dimensão. Emanando das páginas do livro, ela viu uma aura de cor púrpura profunda e vibrante.

    “É a mesma assinatura energética de sempre”, ela pensou, fascinada e alarmada. “Todo item criado ou alterado por magia emite uma aura correspondente à gema utilizada. Este livro foi, sem dúvida, forjado ou tocado por uma magia poderosa. Mas qual gema produz um roxo tão intenso? Não há registros. E a complexidade desses objetos… eles não parecem criados por magia, que é melhor para elementos brutos. Talvez tenham sido alterados. Mas por quem? E como? E, o maior mistério de todos, a maioria dos artefatos invocados desaparece após algum tempo. Apenas alguns poucos, como os tratados por combinações específicas de gemas, como por exemplo Terra e da Grama, parecem permanecer.”

    “Bem”, ela concluiu, guardando os óculos, “isso é um quebra-cabeça para outra hora.”

    Saindo de seu escritório, ela segurou um cálice de prata, na base do qual uma Gema da Cura, de um azul claro e sereno, estava incrustada. Também colocou, sob seu pescoço um colar com um crucifixo de prata, este com uma Gema da Alteração, de um azul profundo e intenso, fixada em seu centro.

    Com esses itens se direcionou para a Santa Casa da Misericórdia, que era um lugar de sofrimento e esperança. O ar era pesado com o cheiro de ervas medicinais, sangue seco e o suor do desespero. Com uma calma que acalmava os próprios doentes, Paula começou seu trabalho. Derramar água do cálice sobre ferimentos fazia com que a carne se fechasse e a pele se regenerasse diante dos olhos dos fiéis. Para membros perdidos, o processo era mais lento. Ela segurava o crucifixo e tocava o local do ferimento. Sob seus dedos, ossos, músculos e nervos se reconstruíam em um espetáculo divino e doloroso, fazendo com que os pacientes suassem e gemessem, mas sempre terminassem em lágrimas de gratidão.

    Entre os curados, um homem se destacava. Suas roupas eram de um corte estrangeiro e finas, e suas mãos estavam adornadas com anéis de ouro. Ele havia perdido uma perna, e quando Paula tocou seu coto com o crucifixo, ele chorou silenciosamente enquanto um novo membro se formava, lentamente, diante de todos. Quando conseguiu se levantar, ele se ajoelhou, agarrando a barra de seu vestido.

    — Obrigado! Muito obrigado, Santa Paula! — ele chorou, sua voz embargada pela emoção. — Os rumores são verdadeiros! Vossa Santidade é realmente uma santa! Agora posso andar novamente! Valeram a pena cada légua da minha viagem!

    — Agradeço seus elogios — ela respondeu, ajudando-o a levantar com uma suavidade maternal. — Mas não sou uma santa. Qualquer um com a aptidão e o conhecimento para usar a Gema da Alteração pode realizar a mesma façanha. Cheguei a repassar o método para a Cidade Sagrada Alba. Em breve, todas as cidades sagradas terão alguém capaz de fazê-lo.

    “Santa, talvez eu seja”, seu pensamento interno era mais orgulhoso, “mas não por isso. E sim por ter descoberto como usar a Gema da Alteração. Enviei instruções detalhadas, é verdade. A pena é que não parecem ter ninguém em Alba com intelecto suficiente para replicar o feito com a mesma maestria. É um conhecimento que, por enquanto, ainda reside principalmente comigo”.

    — Você é tão humilde quanto dizem — o nobre estrangeiro continuou, enxugando as lágrimas. 

    — Sou um homem abastado, e não sou avarento. Farei uma doação substancial à sua igreja.

    “Isso mesmo”, pensou Paula, com um sentimento de triunfo. “E espalhe a notícia entre seus amigos ricos. Preciso de mais fundos para ajudar mais pessoas, financiar minhas pesquisas e consolidar meu poder.”

    — Sou profundamente grata por sua generosidade — ela disse em voz alta, com um sorriso beatífico. — Com seus recursos, poderemos ajudar muitas outras almas necessitadas.

    Conforme a tarde avançava, a agitação dava lugar a uma calma solene. A maioria dos pacientes havia partido, curada. Apenas alguns poucos permaneciam, entre eles uma criança, pálida e fraca, cuja respiração era um sussurro irregular. Paula estava ao seu lado, o cálice da cura em mãos, mas as propriedades da gema pareciam escorrer pela pele do menino sem efeito, como água sobre uma pedra.

    “Faz um mês que ele está aqui”, ela pensou, uma dor aguda perfurando seu coração. “Curo os sintomas, mas a doença sempre retorna, mais forte. Deve ser um tipo de peste. Estou apenas prolongando seu sofrimento. A Gema da Cura pode fechar feridas, mas não purga enfermidades. A Gema da Alteração pode reconstruir um membro, mas não pode expulsar este mal invisível. Ele é tão jovem… já perdeu os pais para a mesma doença. Será que, para Deus, esta criança não tem futuro?”

    Ela sacudiu a cabeça, lutando contra a onda de desespero.

    “Não. Não pode ser isso. Apenas ainda não decifrei completamente o plano divino. Assim como descobri como regenerar membros, devo descobrir uma cura para as pestes. A resposta deve estar em um daqueles livros profanos, assim como esteve da última vez.”

    Ao ver o sofrimento silencioso da criança, um peso imenso caiu sobre seus ombros. Com o coração pesado, Paula retornou ao seu escritório. A escuridão da noite já caía lá fora. Ela acendeu várias velas, cuja luz dançante lançava sombras longas e movediças sobre as estantes de livros. Então, com uma determinação feroz, ela abriu “Vacinas” e começou a ler.

    As horas se arrastaram. A cidade adormeceu. Paula não se moveu. A chama das velas diminuía, e ela as substituía quase que automaticamente, tão absorta estava no texto. Suas expressões variavam de fascínio a horror, de ceticismo a um lampejo de esperança frenética.

    “Isso não pode ser verdade, seu pensamento era um turbilhão. Não é possível que esses… ‘vírus’, ‘fungos’ e ‘bactérias’ minúsculos sejam os verdadeiros causadores de doenças. É blasfêmia! Atribuir a obra de Deus a criaturas invisíveis! Mas a parte mais absurda… o livro afirma que podemos prevenir a varíola! A rainha das pestes! Já vi tantos sucumbirem a ela… eu daria tudo por uma cura. Mas o método descrito… é uma loucura! Pegar o pus de uma ferida de varíola bovina e… introduzi-lo em uma pessoa saudável? Isso causaria a doença, não a curaria! Este livro é uma abominação, uma tentação do próprio diabo! Deveria lançá-lo ao fogo agora mesmo!”

    Ela segurou o livro sobre a chama de uma vela, os dedos trêmulos.

    “…Mas e se estiver certo? Um sussurro mais calmo surgiu em sua mente. E se for possível proteger as pessoas antes que adoeçam? Salvar milhões. Impedir que crianças percam os pais… assim como eu perdi os meus. Seria um milagre maior do que qualquer cura. Talvez… talvez valha a pena testar. Apenas uma vez.”

    “Não! Seu instinto religioso gritou. Isto é heresia! É uma armadilha!”

    Na manhã seguinte, antes mesmo do sol nascer completamente, um cardeal trouxe a notícia que Paula já temia. A criança sob seus cuidados havia falecido durante a noite.

    A Papisa não chorou. Ela ficou parada por um longo tempo, olhando pela janela, o rosto uma máscara de dor e resignação. Então, virou-se para o cardeal, seus olhos, agora secos, brilhavam com uma determinação férrea.

    — Irmão — sua voz era clara e inquestionável, ecoando na quietude do escritório — tenho uma tarefa para você. Uma ordem urgente.

    — Sim, Vossa Santidade?

    — Envie mensageiros. Procurem por fazendas nos arredores. Tragam para a cidade sagrada… vacas. Vacas que estejam acometidas pela varíola. Tragam-nas o mais rápido possível.

    O cardeal ficou pasmo, sua boca se abrindo ligeiramente. Era, sem dúvida, o pedido mais estranho que já ouvira.

    — V… vacas com varíola, Vossa Santidade? Mas… por quê?

    Os olhos de Paula eram profundos e impenetráveis.

    — A fé — ela disse simplesmente — às vezes exige que caminhemos por trilhas inesperadas. Agora, vá. E que ninguém questione esta ordem. É pela vontade de Deus.

    E, voltando-se para sua mesa, ela abriu o livro “Vacinas” mais uma vez, sua decisão tomada. O risco valia a recompensa. A sombra da dúvida havia sido superada pela luz crua da necessidade.

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