Carlos que agora tinha muito mais coisa na cabeça, afinal nunca tinha sido líder de nada na vida passada, no máximo líder de um trabalho escolar em grupo e agora iria liderar os rumos de uma cidade, mesmo que pequena para os padrões modernos, ainda era uma cidade. No momento estava em sua casa sentado olhando para seu livros enquanto pensava: 

    “Quantas pessoas tem nesse mocambo? E qual o trabalho delas, preciso saber, vou falar com Aqua, me deve dar as informações que preciso.”

    Se levantou de sua cadeira e seguiu seu caminho para falar com Aqua, bateu na porta de madeira da casa de sua casa e uma voz veio de dentro falando para entrar, quando entrou viu Aqua estava sentada em uma cadeira comendo algo cremoso, assim que o viu, fez sinal em direção a uma cadeira na frente dela, assim que se acomodou na cadeira indicada Aqua começou a falar:

    — Sabe, esse “sorvete” é realmente muito bom.

    Carlos ficou surpreso por saber do sorvete que havia preparado para Quixotina. E Aqua notou isso e fez um leve sorriso e disse:

    — Você é novo no quilombo então não deve me conhecer muito bem, é natural que saiba dessas coisas. De qualquer forma eu gostaria de lhe contar algo, vou contar brevemente minha história, claro, apenas se um moço novo como você estiver disposto a ouvi-la.

    Carlos apenas fez sinal que sim com a cabeça.

    — Sabe, fui a primeira rainha que este quilombo teve, e mesmo antes de ser mandada para cá era um princesa no Congo, liderava meu exército contra invasores mas acabei sendo capturada e vendida como escrava, fui mandada para o Brasil, mas não fiquei sendo escrava por muito tempo, logo armei uma rebelião, e assim como você matei o meu dono, nessa época não existia nenhum lugar seguro para que escravos libertos pudessem ir, nosso pequeno grupo andava dia e noite sendo perseguido por capitães do mato incessantemente, o que nós levou a irmos cada vez mais na mata, longe da civilização, mas mesmo assim nossos perseguidores não saiam da nossa cola, até que chegamos na Montanha do Calango, que é esta montanha que vivemos ao lado, dentro dela havia vários cristais de gema do fogo, e como adepta do fogo peguei essas gemas e talhei coisas simples que aprendi no meu tempo como princesa. 

    Aqua pegou o colar que estava em seu pescoço, nele havia uma gema vermelho alaranjada, era uma gema de fogo, começou a mexer com o colar enquanto continuava a falar:

    — Sabe, no Reino do Congo nossos guerreiros são exímios usuários da gema do fogo, o que nós permitiu conquistar nossos vizinhos, mesmo os europeus não sabiam talhar tão bem a gema do fogo como os nossos artesãos reais, por sorte todos da família real aprendem um pouco a talhar a gema do fogo, pois é a gema da nossa família real, então sabia como talhar coisas básicas como fazer a gema esperar para ativar seu poder, e propagação de fogo, usei isso para botar fogo na mata onde nossos perseguidores estavam, matando-os queimados, podia se ouvir os gritos vindo da mata, mas não senti pena de nenhum deles, pois se me pegassem fariam muito pior.

    Aqua tomou terminou de comer o sorvete e continuou:

    — Depois que o fogo apagou nós nos assentamos no mesmo lugar em que os capitães do mato haviam queimado, e por um tempo a vida foi pacífica e até conheci o amor da minha vida, infelizmente ele já partiu antes de mim, sua vida foi tomada num ataque ao quilombo

    — Foi durante essa era pacífica que dei a luz ao ganga atual Zala, nós vivemos em paz por anos, até que mais pessoas livres ouviram falar do nosso santuário e vieram até nós, infelizmente não foram apenas eles que ouviram do nosso lugar, logo capitães do mato começaram a nós atacar, mas sempre conseguimos repeli los por qualquer meio necessário o que incomodava Zala, que sempre foi uma pessoa pacífica que evitava conflitos, me lembrava meu pai, foi um bom homem que se converteu ao cristianismo para ter melhores relações com os portugueses, e logo os portugueses começaram a comprar nossos escravos, e como vender escravos para portugueses era lucrativo, começaram a surgir várias pessoas que capturavam pessoas livres para vendê-las, e o reinos vizinhos começaram a nós atacar para vender pessoas como escravas, por conta disso tivemos que vender mais e mais pessoas para vendermos em troca de armas mágicas européias para podermos capturamos mais pessoas para vendermos e conseguirmos mais armas para nós defendermos.

    Carlos olhava com um olhar complexo para Aqua.

    — Entendo esse olhar, infelizmente não existem heróis nem vilões, claro que agora sei dos erros que foram feitos, e sim que o caminho da paz do meu pai era um erro, ele deveria ter queimado o primeiro navio português que atracou no reino, e depois queimado qualquer reino que fizesse comércio com europeus, e por fim queimado todos os donos de escravos, mas para isso deveria haver conflito, e meu pai odiava conflito, só começou a atacar os reinos vizinhos para conseguir mais escravos porque estávamos sendo atacados e precisávamos de armas mágicas européias para nós defendermos.

    — Zala é como meu pai, apenas conhece o mundo do quilombo, não sabe como o mundo é cruel lá fora, sabe que somos atacados por capitães do mato, mas sempre tá na Serra da Vitória, bem seguro, longe da violência, nunca sentiu a escravidão na pele, assim como eu não sentia quando era princesa, assim como os escravos que viviam abaixo de mim não me importavam, só passei a me importar depois que virei uma.

    — Protegi demais Zala, não queria que conhecesse o mundo lá fora, e vejo agora que isso foi um erro, mas é um bom rei, para um reino em paz, infelizmente nunca teremos paz. Por isso te escolhi para me suceder, pois você pode dar as armas necessárias para Zala tomar a luta para si.

    — Bom, essa é a minha história, agora imagino que você tenha várias perguntas.

    “Sua história me lembrou um pouco de Tassi… Mas não sei se sua idéia de queimar todos os navios de comerciantes de escravos, mas não vim aqui para falar sobre isso…”

    — Obrigado por contar sua história, agora que sou o novo chefe do mocambo vou ter que aprender muitas coisas, primeiro, você pode me falar quantas pessoas vivem nesse mocambo?

    Aqua pensou um pouco e disse: — Nunca foi contada a quantidade de pessoas mas acho que é por volta de três mil pessoas.

    — E no quilombo inteiro quantas pessoas vivem?

    — Por volta de vinte mil.

    Carlos ficou feliz com a resposta é uma boa quantidade de pessoas inicialmente.

    — E qual a profissão da maioria das pessoas?

    — Acho que a maioria trabalha com agricultura, uns poucos no exército e os poucos que sobraram resto são artesãos, oleiros, ferreiros, carpinteiros etc.

    — E quantos sabem ler?

    — Olha, acho que no máximo umas cem pessoas devem saber ler no quilombo inteiro.

    — Hummm, 0,5% das pessoas sabem ler, isso é muitíssimo pouco, preciso resolver isso logo.

    Aqua estava bem supresa com suas perguntas, não esperava esse tipo de pergunta, e parte final que estava falando não fazia sentido, agora estava  até questionando se indicar ele como chefe teria sido uma boa escolha.

     — O que você planeja fazer com essas informações? 

    — Apenas estou vendo quanta mão de obra tenho e a qualidade da mão de obra, para começarmos uma revolução industrial precisamos de muitas pessoas.

    — E porque você quer fazer essa tal de revolução industrial?

    — Para aumentar a qualidade de vida das pessoas. Apesar de que em meu mundo aconteceu justamente o oposto no início da revolução industrial, porém não pretendo fazer que nem meu antigo mundo e pagar uma miséria para pessoas além de fazer crianças trabalharem.

    Aqua pensou um pouco então disse: — Entendo.

    — E quanto a saúde, existe alguém aqui que pode usar a gema da cura?

    Aqua suspirou e disse: — Temos até algumas pessoas capazes de usar a gema da cura, mas a igreja controla todas as minas da gema da cura do ocidente, claro que há contrabando dessas gemas de vez em quando mas a igreja além da gema, controla os métodos que permitem a gema curar pessoas, e ela não vende ferramentas mágicas de cura, compramos alguns remédios da cidade santa de vez em quando, mas são muito caros. Porém tem uma única benzedeira no quilombo com uma ferramente mágica que permite curar ferimentos leves.

    — Como pode controlar os métodos que permitem curar pessoas? Não é só talhar a gema? Qualquer um poderia ver os entalhes na gema da cura e copiar, não é mesmo?

    — Infelizmente não, claro para algumas gemas e alguns símbolos pode ser assim, mas para a gema da cura não, além de ter que talhar os símbolos em certas áreas da gema, devem ser talhados em uma ordem que só a igreja sabe, além de estar conectada a um colar, cetro, ou anel de prata, apenas prata permite que gema da cura exiba seu poder, é uma gema bem complicada para os artesãos mágicos, ao contrário da gema de fogo que é bem simples. Porém o ponto principal que não permite que pessoas repliquem o método da igreja é que é uma gema extremamente dura e difícil de se trabalhar, ninguém sabe que material a igreja usa para talhar as gemas pois tem gemas que só permitem serem talhadas se forem banhadas em certos materiais, ou mesmo só algum material específico consegue fazer ranhuras nela, e algumas gemas até dependem de outras gemas para serem talhadas. Graças a esse segredo da igreja ganha rios de dinheiros, se quiser ser curado deve fazer uma doação, e se precisa curar um exército por exemplo deve pagar mais ainda pois eles estavam cometendo um pecado, remédios também são muito caros. Por sorte a papisa da cidade santa é uma mulher caridosa e suas igrejas não cobram nada para curar os mais desafortunados, mesmo se sejam escravos, mas infelizmente não temos uma igreja aqui, e apesar de santa a papisa não faria isso pois irritaria os governantes locais.

    “De novo papisa, como uma mulher pode ter virado papa? Além disso, ela realmente é amada por todo mundo, será mesmo que é uma pessoa tão boa quanto os rumores dizem? Bom, não adianta ficar pensando nisso, tenho outros problemas para lidar e são muitos, primeiro, quase ninguém sabe le, queria por em prática um censo do mocambo, mas para fazer isso precisaria de várias pessoas letradas no mínimo.”

    Carlos suspirou e disse: — A situação está mesmo precária, são muitos problemas, mas o primeiro que preciso resolver é a educação. Vou construir uma escola para ensinar as pessoas a ler e escrever.

    Aqua ficou meia irritada com isso e revelou suas queixas: — Como assim o maior problema daqui é a educação? Sem dúvidas o maior problema é a defesa!

    Carlos ficou assustado que ela subiu o tom de voz, mas prontamente se explicou: — O problema da defesa está sendo resolvido com a pólvora e as armas de fogo. Além disso, ter pessoas que possuam conhecimentos básicos seria extremamente útil para a defesa também.

    A raiva se dissipou e o que assumiu no lugar foi a confusão, e vendo o rosto confuso dela continuou:

    — Por exemplo, quanta pólvora um batalhão de pessoas armadas com mosquete usam ? Quanta pólvora produzimos? Quantas pessoas devem adicionar para que a produção alcance a demanda, quanta comida o exército consome? Quais são os nomes de cada integrante do exército, qual o histórico deles, são confiáveis? E de quem quer entrar no exército, da onde a pessoa veio, qual a origem dela.

    Aqua ainda mais confusa com o bombardeamento de exemplos, mas logo entendeu o valor de ter pessoas letradas, pois isso só de ter mais pessoas letradas poderiam resolver vários problemas de logística e de desperdício de materiais valiosos, pois se um grupo de guerreiros gastasse muito mais pólvora que outro grupo, então isso indicaria que houve mau uso ou pior contrabando. Via valor nisso, mas ainda não achava possível ensinar as pessoas a ler e escrever e falou suas dúvidas:

    — Entendi, mas mesmo assim seria impossível ensinar as pessoas a ler e escrever, pois pelo menos precisariam de materiais para aprender, não é mesmo? Onde conseguiríamos os pergaminhos e as tintas para as pessoas escreverem?

    Carlos não tinha pensado nessa parte, foi pego desprevenido: “Droga esqueço que aqui não tem nada, aposto que esses pergaminhos devem ser uma fortuna, teria que fazer papel para a escola. Pelo visto tenho uma longa e árdua jornada pela frente.”

    — Entendo, então vamos deixar a saúde e educação de lado por enquanto, mas no futuro elas serão a prioridade. Por enquanto vamos focar no que dá para fazermos, que no caso é a industrialização, pretendo construir fábricas têxteis na zona industrial da cidade, produzir roupas não é tão difícil apenas usa algodão que podemos cultivar, o problema vai ser que não vamos ter um canal de venda direta para escoarmos a mercadoria, mas podemos vender para os agricultores que estão nos arredores e se vender a um preço bem baixo podem revender para os mercadores e com o tempo mais e mais pessoas vão comprando deles e o dinheiro vai ir caindo em nossas mãos, e com o dinheiro podemos comprar ferro para fazer armas, papel e outras coisas.

    Metade do Carlos falou Aqua não entendeu, só entendeu que isso daria dinheiro e com o dinheiro eles poderiam comprar materiais e isso já era o suficiente.

    — Entendo, infelizmente não possuo seus conhecimentos então não sei dizer se é um plano bom ou ruim…

    — Mas deixando isso de lado, vou te falar de algumas vantagens de ser chefe. Agora que você é chefe também pode ter acesso açúcar, café e produtos que são escassos por aqui, você também pode pedir para te construírem uma casa maior e colocar móveis de madeira dentro dela e também vai ter guardas para lhe proteger a todo momento. Um chefe represente o Ganga do quilombo, por isso tem mostrar seu valor.

    — Hummm, entendo, mas prefiro continuar na minha casa, só vou me mudar quando pudermos fazer uma casa de tijolos. E quanto aos produtos, isso quero e já sobre guardas, acho que vou pedir a Tassi e Quixotina, quero pelo menos alguém com quem possa conversar. E por favor não me chame de chefe, é estranho ter alguém mais velho que sendo educada comigo.

    — Casa de tijolos, que nem as dos senhores de engenho mais ricos, infelizmente ainda não estamos tão bem assim para você ter uma casa dessas, nem Zala tem uma casa dessas, não seja tão ganancioso. Mas como desejar moço, além disso você vai precisar de uma assistente para que você possa dar recados e te ajudar, esta poderia ser eu.

    Carlos ficou surpreso com a fala dela, Aqua notando isso riu e disse:

    — Ha ha ha, não se preocupe, ainda estou bem, não to com o pé na cova não, apenas quero ver de perto as mudanças que você vai trazer para cá, além de te manter na linha, e já conheço todo mundo por aqui e tenho respeito do pessoal, conquistar respeito é algo difícil imagino que deve ter muitas pessoas que estejam irritadas que alguém que não tem nem um ano no quilombo já subiu ao cargo de chefe. Com a minha presença essas pessoas ficarão caladas e ninguém irá tentar te fazer nenhum mal.

    — Entendi, então aceito sua ajuda. Apenas tenho uma última dúvida, como você descobriu que do sorvete que fiz para Quixotina?

    Aqua soltou um leve sorriso e disse: 

    — Bom, tenho guardas que me informam tudo e além disso é gosto de ficar conversando com Quixotina, já sou idosa, não tem muito coisa que possa fazer para passar o tempo, então nada melhor do que comer um bolo de fubá enquanto conversamos, temos idades muito diferentes, mas ela assim como eu veio da nobreza, apesar de serem nobrezas diferentes, cometiam o mesmo erro de indiferença com o povo e a situação do mundo, ela é como a filha que nunca tive.

    Carlos ficou surpreso ao ouvir isso, “Não esperava que Quixotina e ela fossem fofoqueira, nem imagino o que deva falar pra mim por minhas costas. De qualquer modo fico grato por estar bem aberta para responder às minhas perguntas. E ter uma ajudante que entende como tudo funciona no quilombo não é ruim”.

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