Carlos estava no centro do campinho de futebol que montou com seu time que continha seis crianças incluindo Zézinho, com a bola de pano no pé e na frente dele estava Quixotina, sua filha Dulcinéia e mais cinco crianças, apontando o dedo para ela disse:

     — Se prepare para perder!

    Ela por sua vez olhou bem em seu olhos com um olhar ameaçador e disse:

    — Quem vai perder vai ser você.

    Vendo esse olhar Carlos sentiu um frio na espinha e resolveu ir perto da cavaleira e falar em seu ouvido dela pra ninguém ouvir:

    — Calma lá! Isso é só um jogo e tem crianças jogando aqui, vamos fazer elas se divertirem, nada de ativar sua gema da força e sair chutando meus jogadores e a mim mesmo para longe!

    Essa aproximação repentina a deixou encabulada, mas ao ouvir sua fala rolou os olhos e disse:

     — Sei disso, nem precisava falar, tenho uma filha, sei como cuidar de crianças!

    Voltando ao seu lugar Carlos deu o sinal para começar, afinal não havia um juíz, rapidamente todas as crianças saem correndo em direção a bola, virando um caos com muito chute e gritaria. Afastado do tumulto Carlos tenta falar: “Abre pra lateral!” “Chuta!” mas ninguém o dá ouvidos, já Quixotina está apenas cuidando para que nenhuma criança se machuque.

    A situação continua assim até que por pura sorte, Dulcinéia consegue escapar com a bola nos pés, correndo com as demais crianças seguindo-a, dentre seus perseguidores estava Zézinho que rouba a bola dela facilmente, o que irrita sua mãe que vai correndo e facilmente rouba a bola dos pés da criança.

    Vendo isso, Carlos resolve agir e corre até ela e rouba a bola dos seus pés com um simples drible e faz um gol no goleiro que foi pego desprevenido. Ao fazer o gol olha para Quixotina com um leve sorriso, antes de ser cercado por crianças querendo pular em cima dele e gritando de felicidade.

    “He he he, parece que minha estratégia de conseguir apoio do pessoal do mocambo através das crianças vai dar certo, e no processo posso me divertir.”

    Quixotina notou como todas as crianças do seu time ficaram cabisbaixas incluindo sua filha, e não só isso, o sorriso de Carlos a irritou, por conta disso rapidamente bolou uma estratégia bem simples:

    — Só chutem a bola pra frente! Qualquer direção! Eu vou impedir que Carlos faça mais gols!

    A partida se transforma. Sempre que recebia a bola, a cavaleira está lá, marcando firme, com força bruta, fechando os espaços e usando o corpo para impedir seu avanço. Ele, respeitoso, joga limpo, tentando passes que, na maioria das vezes, são interceptados pelos pés descoordenados das próprias crianças. Até suspeitou que Quixotina estava usando a gema da força.

    Em meio ao caos do jogo das crianças, mais uma vez Dulcinéia recebe um passe perto do gol, e dá um chute desesperado para frente. A bola quica de forma imprevisível na terra e vai na direção do gol de Carlos. A criança que era para ser a goleira estava distraída catando uma formiga, e nem viu a bola ir em direção ao gol. Com isso, foi gol do time da Quixotina ficando 1×1.

    Quixotina levanta Dulcinéias nos braços, e as outras crianças as cercam em uma celebração épica, como se tivessem ganho a final mundial.

    O placar igualado deixa todos animados. Carlos animado começa a driblar Quixotina, mas nunca consegue chegar perto do gol, sendo obrigado a sempre passar a bola. Até que no meio do caos, nota Zézinho perto do gol de time dela o olhando com expectativa, entendendo o recado passou a bola para Zézinho que conseguiu fazer um belo gol. Com isso vibrou de emoção e rapidamente foi cercado pelas demais crianças.

    A vantagem não durou muito, pois as crianças e Quixotina estavam aprendendo bem rápido como o jogo funcionava, e logo empataram de novo e o jogo continuou assim até meio dia, Carlos sabia do horário por conta do sol. Vendo como já era tarde, deu o jogo declaro como empate 11×11.

    — Vai ser empate, mas como todo mundo jogou bem, vão todos ganhar sorvete!

    Todas crianças comemoraram com essas palavras, menos Quixotina que cansada desabou no chão apesar de Carlos não acreditar, realmente não havia usado magia, por isso ficou tão cansada assim já que não estava acostumada a se exercitar sem o uso de gemas. Dulcinéia foi correndo ver para ver como estava sua mãe, que apenas sorriu e disse:

    — Que bom Dulcinéia, você vai poder comer sorvete.

    Carlos chegou perto dela e disse: — Todos nós vamos comer sorvetes — Ao dizer isso estendeu sua mão para ela, que relutantemente aceitou a ajuda. 

    — Obrigada.

    Depois de ajudá-la, olhou para as crianças e disse: — Quem está com fome me siga!

    Todas as crianças começaram a seguir Carlos e Quixotina foi junto, apenas pegou sua espada mágica que havia deixado do lado da porta para jogar e foi correndo atrás de todos para não ficar para trás, afinal também estava com fome.

    Não demorou muito e chegaram num barraco de terra, mas tinha algo diferente, na entrada do barraco havia duas estacas de madeira e acima placa, Quixotina leu a placa e estava escrito: “Restaurante da Tia Vera”.

    Por dentro havia uma mesa enorme de madeira e várias cadeiras ao redor, Tia Vera estava lá colocando panelas e pratos em cima da mesa, também havia um pequeno muro que separa a área da cozinha onde havia um fogão enorme feito de ferro e uma mesa de madeira cheia de ferramentas de cozinha e ingredientes. No balcão estava Bentinho o filho do carpinteira estava com a mão tocando num pote de argila com base de ferro e uma gema metálica brilhando, podia se ouvir o barulho de algo sendo misturado, no que Carlos chamava de liquidificador. Ao lado dele, estava Pedro resfriando alguns potes um abanador com a gema do gelo.

    Ao ver Carlos entrando, Bentinho parou o que estava fazendo e disse:

    — Não pode ficar me chamando para essas coisas, meu pai já estava uma fera por ter tanto trabalho e você ainda tira um dos seus assistentes para fazer bobagens.

    — Você também não pode ficar me chamando para isso! —, disse Pedro enquanto apontava para os potes com sorvetes. — Agora estou no exército do quilombo! Tenho que treinar, aliás quando seu mensageiro disse que deveria vir aqui ajudar com um novo experimento, achei que estaria te ajudando a fazer armas superpoderosas, não comida!

    Carlos sorriu de forma maliciosa e disse: 

    — Então porque vocês estão babando enquanto olham para o sorvete?

    Rapidamente os dois levaram as mãos em suas bocas para limparem as supostas babas, mas não encontraram nada, ao voltarem seus olhares para Carlos, viram que estava sorrindo de forma triunfante. Isso os irritou tanto que iriam retrucar, mas foram interrompidos por Tia Vera.

    — Calma, aposto que todo mundo está morto de fome não é mesmo, vamos apenas nós servir e comer, mas vocês tem que se comportarem, ouviu Zézinho, cada um vai ter sua parte e o tio Carlos e a tia Quixotina vai servir vocês, e quem não se comportar não vai ganhar comida.

    — Zézinho ouça sua vó. — Disse Pedro.

    Ao ouvir isso as crianças ficaram comportadas, apesar de estarem morrendo de fome e querendo pular em cima da mesa para comer, mesmo Quixotina estava tendo que se controlar, afinal estava morta de fome e salivando pelo sorvete.

    Carlos foi numa bacia de ferro que estava ali perto e lavou as mãos com água e sabão, e olhou para as crianças e disse:

     — Todo mundo vem aqui para lavar as mãos, quem lavar as mãos direitinho vai ganhar um suco delicioso.

    Logo as crianças foram correndo agitadas lavar as mãos para não perderem o suco, mas como estava com muita confusão, Quixotina disse:

     — Um de cada vez, façam fila, se não vão perder o suco.

    Relutantemente as crianças formaram uma fila e logo todas lavaram as mãos, apenas a cavaleira ficou fora da fila.

    — Você também Quixotina, todo mundo tem que lavar as mãos antes de comer, quem não lava a mão antes de comer pode ficar doente depois.

    A cavaleira obedeceu apenas para dar exemplo para as crianças, afinal não entendeu a relação com lavar as mãos e doenças, mas estava com fome demais para pensar sobre o assunto.

    A comida era bem simples, arroz, feijão, farofa, palmito e carne de porco do mato. Os adultos foram servindo as crianças, já Bentinho servia o suco para todos.

    Logo tudo estava pronto, e Carlos olhou para as crianças e disse:

     — Podem se sentar, aliás tem que comer tudo, só vai ganhar sorvete quem comer tudinho.

    Todas as crianças foram correndo pulando nas cadeiras quase derrubando a mesa e as cadeiras também, algumas até brigaram pelas cadeiras, mas bastava um olhar de Quixotina falando:

     — Tem cadeiras para todo mundo, é só ir para o outro lado da mesa que tem lugar.

    Cada criança mal sentava e já atacavam a comida. Que apesar de simples era deliciosa, claro que havia muitas crianças que eram chatas com comida, mas mesmo assim comeram tudo para poder ganhar o sorvete.

    Assim que ganharam o pequeno pote de sorvete, todas crianças devoraram o conteúdo do pote, como se não tivesse comido a dias, mesmo Quixotina mal mantinha seus modos de nobre ao comer o sorvete.

    Pedro vendo Zézinho comer o sorvete todo feliz, e vendo sua mãe também sorrindo não pode deixar de pensar “Eu deveria ter ajudado todo mundo a escapar daquele engenho maldito muito antes… Mas pensava que nunca haveria liberdade para nós… Tudo o que fiz antes de vir para cá foi um erro…”

    No meio do caos das crianças ninguém notou o olhar solitário de Pedro, que teve que se animar sozinho.

    “O que importa é que finalmente agi naquele momento decisivo, e por isso estamos aqui agora, pelo menos meu filho terá um futuro aqui… Pelo menos espero que ninguém acabe no quilombo, bem por isso estou no exército… Ou estaria se não fosse por Carlos, mas não posso criticá-lo esse sorvete é muito bom, e vale a pena ver o sorriso dessas crianças.”

    Com isso em mente, disse:

    — Obrigado Carlos por cuidar do meu filho, e por dar um trabalho para minha mãe, apesar de que ainda não sei o que esse tal restaurante vai ser…

    — É bem simples, de segunda a sexta aqui vai ser servido comida para quem trabalha nas oficinas de pólvora e salitre. Afinal as oficinas estão afastadas de tudo e todos, então demora para vir andando de casa até as oficinas, e ninguém merece ser tratado como escravo e ter que ficar sem almoço, ou ter que comer comida fria, por isso todo mundo da oficina poderá vir aqui para ter um almocinho quentinho. Aumentando a produtividade das pessoas, e bem, meu apoio  do pessoal do mocambo. 

    — Nessa hora Tia Vera começou a falar:

    — Sabe ultimamente eu estava meio infeliz com meu trabalho por aqui, é bom ser livre, e eu fico feliz que meu netinho seja livre, mas eu não sirvo para capinar uma roça, por sorte Carlos me indicou para trabalhar aqui perto da… como é o nome mesmo?…. ah sim, zona industrial, como ficam o dia todo trabalhando, não tem tempo de voltarem para casa para comer. Tassi construiu esse lugar para mim, e o forno Nia fez, já as cadeiras e móveis foram feitas pelo carpinteiro que a mandos do nosso novo chefe, fez isso pra mim, ele até me deu um máquina para fazer sucos, e diz ele que serve para outras coisas, o nome é…. liquitatador.

    Carlos riu e disse: — Liquidificador, pena que precisa de um adepto da gema do ferro, e só tem um no mocambo… — Enquanto disse isso, olhava para Bentinho.

    — Nem vem, meu pai vai me matar se eu abandonar a oficina!

    — De qualquer forma, dei dois assistente para ajudar ela, no momento só eles dois já servem, mas logo logo vou colocar um montão de gente para trabalhar na indústria têxtil e aqui vai ficar lotado de gente. 

    Quixotina também prestava bastante atenção no que Carlos falava, afinal estava curioso também.

    “Quem diria que um restaurante seria isso, realmente é coisa de outro mundo, pelo menos não sei qual outro lugar do mundo em que se servia comida quentinha a trabalhadores de graça… Apesar de que todo mundo trabalha de graça por aqui, afinal, o quilombo mal consegue dinheiro para comprar ferro, imagina ter que pagar trabalhadores… Apesar de que sinto que Carlos vai mudar isso.”

    Ao ouvir isso, Pedro se levantou e disse:

    — Entendo, muito obrigado… Por tudo, desejo boa sorte em seu projeto do restaurante, agora tenho que voltar ao exército, só não sei o que vou dizer ao Espectro sobre o experimento que fiz aqui… — Depois de falar isso saiu do restaurante.

    Depois que todas as crianças haviam terminado de comer o sorvete , começaram a sair seguindo Zézinho que pegou a bola de futebol de Carlos.

    Quixotina vendo isso só conseguia pensar: “Elas não se cansam nunca, mas deixando isso de lado, a gente sumiu com as crianças por tempo demais, e ainda demos comida para elas, aposto que os pais delas vão ficar preocupados quando verem que suas crianças sumiram e ainda voltaram de barriga cheia.” seu rosto demonstrava sua preocupação interna, Carlos notou isso.

    — É bem fácil saber o que você está sentindo, nesse sentido você é bem diferente da Tassi, mas então me diga, o que lhe preocupa?

    Suspirou e disse: — Sempre me falam isso… Mas bem, não acha que deveria ter avisado os pais delas?

    — Ha ha ha, você realmente acha que estava levando essas crianças para lá e pra cá sem ter o consentimento dos pais? Não sou tão idiota assim, já falei para eles que iria trazer elas aqui para a pré-estréia do Restaurante da Tia Vera, até queria que todo mundo provasse uma deliciosa pizza, mas infelizmente não tem trigo, tomate, queijo… Não temos basicamente nada, de qualquer forma ainda dá para fazer um restaurante para os trabalhadores.

    Tia Vera não ficou quieta por muito tempo e disse:

     — Mas sabe, não imaginei que o Zézinho escutaria outra pessoa além de mim, parece que você tem um dom com crianças.

    Carlos pensava o mesmo e disse: — Realmente as crianças te amam. Aliás assim como as crianças dos trabalhadores vão vir comer aqui, afinal eles vão estar trabalhando e não vão poder cuidar delas, só tenho que achar alguém para cuidar das crianças durante o dia, apenas para impedir que não se matem, vendo você lidar tão bem com elas, imagino que seria a escolha perfeita, mas no momento quero você comigo.

    Tia Vera riu e disse: 

    — Ha, ha, Carlos você é mesmo bem direto.

    Nessa hora olhou para Quixotina que estava toda vermelha e se corrigiu:

    — Digo, você é uma guarda muito boa e seria melhor ter você para me proteger, além de ser últil ter alguém com super força para me ajudar.

    Quixotina ainda meio vermelha, se recompôs e disse:

     — Pior que demorei para ganhar o respeito delas, é que tenho muitos livros e gosto muito de ler para as outras pessoas como meu tio fazia comigo, sempre lia para a minha filha que por conta da diferença com as outras crianças do quilombo, acabou ficando solitária. Por passei toda tarde a brincar um pouco com as crianças e convenci algumas a ouvir as histórias de cavaleiros junto com minha filha, e até Zézinho gostou de algumas delas, apesar de no ínicio não parar quieto, agora ouve atentamente e depois sai por aí correndo com um graveto gritando que é uma espada e batendo em outras crianças… Ele me lembra um pouco eu, quando mais nova. Até queria ensinar elas a ler e escrever, mas sem nada é difícil.

    — Mas estou mais impressionada com o Carlos que com tanta criatividade logo logo vai conquistar elas. — Disse Tia Vera sorrindo.

    — Então é por isso que você falava que não tinha como ser minha guarda costas à tarde, porque lê para crianças? Que coisa fofinha.

    Ao ouvir isso, Quixotina ficou vermelha como um pimentão, e disse: — Sou fofa, nada! Sou uma cavaleira, apenas fiz para Dulcinéia o que meu tio fazia para mim, amava as histórias que contava para mim. — Bastou Quixotina falar dele para sentir um aperto em seu coração. “Sinto tanta falta dele. Como será que ele está?”

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