Índice de Capítulo

    Com a finalização das festividades no dia 2, Carlos retomou o trabalho, já pagando o salário de todos os funcionários do mocambo. Dessa vez, o pagamento estava sendo feito na prefeitura pelos funcionários que agora trabalhavam sob o comando de Aqua. Mas, como tinha pouca gente, ele mesmo estava ajudando no pagamento.

    Hoje, especialmente, alguns trabalhadores estavam bem mais animados, pois Carlos resolvera pagar um adicional de periculosidade para guardas e quem trabalhava na oficina de pólvora. E, se usasse gemas mágicas no trabalho, também haveria um adicional.

    Em meio à fila de trabalhadores, estava um homem de aparência incomum para os padrões do mocambo: era branco. Ao se aproximar da sua vez de receber o saco de moedas, ele tremia de excitação. Quem estava pagando na fila dele era Carlos, que seguia a longa lista de nomes dos funcionários dos comércios, até chegar no nome dele.

    — Jorginho, o salário base é duzentos réis, mas como você usa a gema do gelo e ferro no trabalho, vai dar trezentos réis.

    Pegando o saco de moedas, Carlos sorriu antes de entregá-lo a Jorginho, que estava meio incrédulo por receber um salário mesmo sendo prisioneiro de guerra. Enquanto Carlos lhe entregava as moedas, disse-lhe:

    — Sabe, sua colega de trabalho, Nala, me informou que você estava ajudando no caixa e que sabe ler e escrever. Esse tipo de coisa é bem importante para nós, aqui no quilombo. Você poderá ter um aumento de duzentos réis no próximo mês e cuidará do caixa e dos gastos da loja. O que você me diz?

    Jorginho, com as moedas nas mãos, ficou feliz ao ouvir aquilo. Claro que nem se comparava ao dinheiro que ganhava na capital da capitania, mas, considerando o custo de vida do mocambo, poderia comprar mais coisas.

    — Senhor, fico feliz em ouvir isso, mas, se não for muita rudeza da minha parte… Posso continuar morando aqui no mocambo, sem ser para cumprir minha pena?

    Carlos ficou animado ao ouvir o pedido, pois, no momento, o que mais faltava no mocambo eram pessoas que sabiam ler e escrever. Atualmente, ele pedia a todos do quilombo que tivessem esses conhecimentos essenciais que viessem morar ali. Por sorte, suas contribuições estavam fazendo com que os outros chefes de mocambos estivessem mais predispostos a ajudar — sendo uma delas Maria, cujo filho estava aos poucos recuperando os membros perdidos na igreja. A cura não podia ser feita de uma vez só, pois Antônio não tinha a mana abundante que a papisa tinha.

    — Mas é claro que pode!

    Jorginho sorriu levemente ao ouvir a resposta, mas, com a voz meio embargada, falou:

    — Também tenho uma mulher e uma filha… Senhor, será que eu poderia mandar uma carta chamando-as para vir morar aqui? Minha mulher sempre me ajudava com minha loja; ela também sabe ler e escrever.

    Carlos abriu um sorriso ainda mais largo.

    — Mas é claro que sim! Só me passe a carta depois.

    Jorginho também esboçou um sorriso largo.

    — Muito obrigado, senhor!

    Depois de pegar as moedas, ele saiu da fila, e Carlos retomou o trabalho.

    “Eu só havia chamado ele para morar aqui por conta das gemas que podia usar. Mas, parando para pensar, ter mais pessoas letradas sempre é útil. Vou ver com Espectro se ele pode mandar mais prisioneiros de guerra que saibam ler e escrever pra cá, e, se eles aceitarem se mudar com as famílias, isso me ajudaria imensamente!”

    Jorginho, com seu salário recém-ganho, já se encaminhava para comprar papel e tinta para escrever a carta. No centro do mocambo, vendiam-se esses produtos a preços absurdos, pois eram importados. Por sorte, dava para parcelar as compras.

    Porém, no meio do caminho, foi interceptado por Nala.

    — Ei, Jorginho, pra que tanta pressa?

    O homem magrelo parou de andar e se virou para ver sua colega de trabalho.

    — Nala, é que eu queria comprar uma coisa rapidinho. Agora, se me dá licença…

    Jorginho tentou voltar ao seu rumo, mas Nala pôs-se à sua frente.

    — Não está esquecendo de nada, não? — disse ela, com cara de brava.

    Até que Jorginho se lembrou: era ela quem pagava suas refeições no restaurante.

    “Recém pego o dinheiro e ele já se esvai de minhas mãos.”

    Relutantemente, ele a pagou.

    Mais tarde, na prefeitura, Carlos falava com Aqua sobre os ganhos do mês.

    — Nós superamos a marca de um milhão de réis! — disse ele, animado.

    E Aqua já acabou com sua animação.

    — Assim como os gastos passaram de um milhão — principalmente com a importação de aço.

    O sorriso de seu rosto rapidamente sumiu.

    — Dizer que gastamos mais de um milhão é errado, afinal, 444.677 réis, que é metade do que ganhamos na exportação, vão para Zala. Por sorte, agora o povo do mocambo tem mais dinheiro para gastar comprando coisas no próprio mocambo, e esse dinheiro vai diretamente para o nosso bolso.

    Aqua, mexendo nos papéis, disse:

    — Que, no fim, vai para pagar mais salários e despesas. Por falar nisso, Quixotina já está treinando o pessoal que vai trabalhar nas escolas, né? Já imagino que, quanto mais pessoas souberem ler e escrever, mais gastos teremos… É melhor que algumas de suas ideias deem frutos logo, porque senão vamos gastar mais do que arrecadamos.

    Carlos tentou forçar um sorriso.

    — Não se preocupe, vai dar certo. Por isso estamos importando tanto aço: para termos motores a vapor capazes de trabalhar para nós… Só espero que a papisa consiga os minérios para produzirmos mais aço. Se as roupas já estão quase dando um milhão de réis de lucro, imagine o que o aço não nos daria!

    Aqua balançou a cabeça.

    — E imagine se ela não conseguir?

    “Hmm… Nem quero pensar sobre isso… Os gastos estão aumentando muito mesmo. Se ao menos eu pudesse ficar com todo o dinheiro das exportações…”

    Com uma cara pensativa, Carlos disse:

    — Aqua, será que você não conseguiria falar com seu filho para ele parar de roubar nosso dinheiro das exportações?

    Aqua mostrou emoções complexas em seu rosto.

    — Eu gostaria, Carlos, mas digamos que eu não sou mais tão próxima dele. Ele sempre foi mais próximo do pai, que morreu enquanto defendia o quilombo.

    — Só isso foi suficiente para você se afastar dele?

    Aqua suspirou e disse com calma:

    — O quilombo foi atacado em retaliação a um ataque que fizemos a um engenho próspero da região, e ele me culpa, dizendo que fui responsável pela morte do pai dele. Por ser novo aqui, você não deve saber, mas, sob minha liderança, nós atacamos muito mais engenhos. Agora… essas expedições são bem mais raras; ficamos apenas aqui entocados na nossa mata, feito animais acuados. A perda do meu marido fez com que eu também repensasse isso, por isso passei a liderança do quilombo a meu filho.

    “Pelo visto, não vai ser tão fácil assim… Mas é melhor eu deixar de ser passivo. Acho que vou trazer essa questão para Zala na próxima reunião.”

    — Entendo…

    Toda a animação que Carlos tivera ao ver o relatório de lucros se esvaiu e foi substituída por preocupações com o futuro de seu mocambo.

    Depois de finalizarem a papelada na prefeitura, Aqua voltou para sua casa, e Carlos foi para seu recém-construído laboratório, que estava utilizando para tentar fazer os químicos necessários para produzir a pólvora sem fumaça — a qual poderia ser utilizada nas futuras armas de repetição. Seria perigoso deixar essas pesquisas somente para quando o quilombo precisasse urgentemente dessas armas; então, no momento, ele estava se focando nesses processos.

    No laboratório, queimavam salitre e enxofre misturados em um vaso de vidro que custara uma fortuna ao mocambo. Abaixo do vidro, havia gemas de fogo, que aqueciam sem chamas para evitar acidentes.

    — Isso vai ajudar a fazer armas mais potentes para o quilombo? — perguntou Davi, seu assistente de laboratório, um homem negro de vinte anos que podia usar gemas de fogo, gelo e vento — um controle de temperatura que se mostrava muito útil.

    — Sim, Davi. O objetivo final é fazer pólvora sem fumaça para novas armas. Mas, para isso, primeiro temos que fazer ácido sulfúrico.

    — Isso seria perfeito! Lutei com mosquetes de pederneira, e a fumaça que soltavam não deixava ver nada! Nem via os inimigos que derrubei.

    Carlos sorriu.

    — Você não viu nada… Com a pólvora sem fumaça, poderemos usá-la em armas sem precisar recarregar a cada disparo.

    Davi abriu a boca, incrédulo.

    — Isso é incrível, chefe. Adoraria ver essas armas.

    Enquanto conversavam, os gases da queima dos materiais eram levados por um tubo até a água, onde se misturavam. Embaixo da água, também havia gemas de fogo, que, depois que a água estava bem acidificada, aqueciam-na, deixando para trás cristais. Nos cristais, era soprado um ar quente, dando-lhes oxigênio ao mesmo tempo que os aquecia. A ferramenta mágica que estava sendo utilizada era chamada por Carlos de “secador de cabelo”, pois não existia palavra melhor para descrevê-la. Afinal, fora tirada de um engenho; sua dona original a usava para secar os cabelos, além de o formato ser semelhante. A melhor parte é que podia ser embutida mana nela, fazendo com que durasse por um bom tempo — e esse era um dos trabalhos de Davi, que se mostrava bem entusiasmado com a função.

    Carlos apontou para os cristais e explicou:

    — Com calor e ar, esses cristais vão suar o ácido sulfúrico que precisamos. O sólido que sobrar, podemos reutilizar no processo.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (1 votos)

    Nota