Capítulo 68 - Duelo de Companheiras
Um silêncio tenso pairou sobre o gramado iluminado por postes com gemas da luz, quebrado apenas pelo canto distante de uma coruja. Tassi foi a primeira a se mover. Com um passo firme do pé esquerdo, que amassou suavemente a grama úmida, ela projetou o punho à frente, o bracelete de gema verde reluzindo sob o sol. Imediatamente, as plantas ao redor dos pés de Nyran ganharam vida, crescendo num emaranhado rápido e verdejante para prender seus tornozelos.
Nyran, sempre ágil, não se deixou apanhar. Com um impulso gracioso, seus sapatos adornados com gemas do vento cintilaram, e ela elevou-se cinco metros no ar, evitando por um triz as gavinhas insistentes.
Tassi esperava por exatamente isso. Com um passo decisivo para a direita, ela ergueu uma parede de terra à sua frente. O cheiro de solo fresco e úmido encheu o ar. Sem hesitar, ela socou a barreira, e estilhaços de terra e torrões de grama voaram como projéteis contra Nyran, que, desviava com saltos e piruetas desconcertantes, aproximando-se cada vez mais.
— Não vai ser tão fácil! — gritou Tassi, erguendo mais duas barreiras de terra e lançando-as contra a rival.
A estratégia, porém, apenas retardou ligeiramente o avanço de Nyran. Vendo que a distância se encurtava perigosamente, Tassi deu um soco seco em uma das barreiras. A terra não se partiu em pedaços, mas explodiu numa nuvem espessa e abafadora de poeira, que arranhou a garganta e cobriu o campo de visão, transformando o mundo num borrão ocre.
Nyran, cega pela poeira, investiu com um chute potente no local onde Tassi estivera, mas seus pés encontraram apenas o vazio.
— Onde você está? — rosnou, irritada.
A resposta veio em forma de fogo. Girando sobre si mesma, Nyran começou a cuspir labaredas de sua boca em todas as direções. O calor intenso fez o ar tremer e afastou a poeira, enquanto o cheiro acre de grama queimada tomava conta do ambiente. As chamas lambiam o solo, carbonizando as plantas que teimosamente ainda tentavam subir por suas pernas.
Quando as chamas e a poeira finalmente baixaram, o cenário havia mudado. No centro do campo, agora marcado por manchas negras de queimadura, erguia-se uma árvore gigantesca. Seu tronco já estava chamuscado pelo fogo, mas de Tassi, nenhum sinal.
Nyran olhou rapidamente para o topo da árvore, mas a copa era densa e escura, impossível de enxergar.
“Onde ela foi se esconder?”
Convencida de que a rival estava ali, concentrou suas chamas na base do tronco. A madeira crepitou e estalou, até que, com um gemido profundo, a árvore começou a tombar. Nyran deu um salto leve para trás, saindo da trajetória da queda.
Enquanto examinava os destroços fumegantes, um cipó súbito e vivo brotou do chão e enrolou-se com força em seu tornozelo. Ela pensou em queimá-lo no mesmo instante, mas hesitou — as chamas certamente queimariam seu próprio pé.
— Maldita! — gritou, debatendo-se e tentando pular para se libertar, mas foi em vão.
Desembainhando uma adaga curta de sua cintura, cortou o cipó com um golpe rápido. Mas, no mesmo instante, outro cipó envolveu seu pulso, e um terceiro agarrou sua perna livre.
“Como ela está me atacando sem me ver? Cadê ela?”
A fúria tomou conta de Nyran. Ignorando a dor, ela jorrou um fluxo concentrado de fogo de sua boca diretamente sobre seus pés e mãos, carbonizando os cipós instantaneamente. O cheiro de tecido queimado e um leve odor de carne chamuscada pairou no ar. Ela não se importava; sabia que as feridas poderiam ser curadas no hospital do mocambo.
Enquanto ainda combatia os últimos vestígios das plantas, vários blocos de terra, do tamanho de cabeças humanas, começaram a voar em sua direção de vários pontos do campo. Ela os esquivou com agilidade, até que, de dentro de um deles, uma pequena muda de árvore brotou e cresceu num ritmo alucinante. Um de seus galhos, forte como um porrete, atingiu a lateral da cabeça de Nyran com um baque surdo enquanto ela saltava. A visão escureceu na mesma hora, e ela desmaiou no gramado, inconsciente.
Após alguns segundos de silêncio, Tassi emergiu vitoriosa do chão, como se a terra a cuspisse de volta. Suas roupas estavam manchadas de terra, e ela respirava profundamente.
Carlos e Quixotina, que observavam à distância, ficaram boquiabertos.
— Isso… foi incrível — murmuraram os dois quase em uníssono, trocando um olhar de incredulidade.
Ao ver a reação deles, Tassi sentiu uma onda de orgulho e triunfo. O sorriso de vitória, porém, durou apenas alguns segundos. O rosto pálido, ela se curvou e vomitou no chão.
— Ugh… É isso que dá economizar mana só para ter um duelo decente — gemeu, enxugando a boca com o dorso da mão.
Imediatamente, Carlos e Quixotina correram até ela.
— Tassi! Você está bem? — perguntou Carlos, a voz cheia de preocupação.
— Estou… estou bem — ela respondeu, ofegante. — Só consumi mana demais. Meu corpo não está acostumado.
Carlos colocou uma mão firme em suas costas, oferecendo apoio.
— É melhor você ir descansar. Já chega de duelos por hoje.
Quixotina, por sua vez, aproximou-se, desviando do vômito com um nariz enrugado. Seu olhar, antes desdenhoso, agora era de puro respeito.
— Você… você é uma guerreira incrível — disse ela, a voz um tanto hesitante. — Eu… achei que você não fosse nada.
Tassi forçou um leve sorriso, ainda encostada em Carlos.
— Eu estava mesmo enferrujada naquele dia que duelei com você. Não treinava direito, nem me alimentava bem. Além disso, você me pegou de surpresa. É muito forte, sabe? Ainda não sei qual de nós ganharia numa luta séria.
Os olhos de Quixotina brilharam com um entusiasmo repentino.
— Pois temos que descobrir isso logo! Que tal um duelo no fim de semana?
Tassi balançou a cabeça, rindo fracamente.
— Eu passo. Além disso… logo teremos armas muito mais poderosas. Não é mesmo chefe? Com um simples revólver, eu poderia ter acabado com esse duelo fajuto na mesma hora.
Nyran, que havia recuperado a consciência silenciosamente, ouviu aquela última frase.
“Armas mais poderosas? Mais do que isso? Não…”, pensou ela, a cabeça latejando. “É a Tassi que é poderosa, não às armas…”
Esperou que o assunto mudasse, então gemeu baixo e fingiu acordar, levando a mão à nuca dolorida. Lentamente, levantou-se e foi até o grupo.
— Eu perdi — admitiu, com uma respeitosa inclinação de cabeça. — Você é mais forte. Mas… poderia me dizer como sabia o que eu fazia, mesmo estando escondida?
Um sorriso genuíno e um pouco cansado iluminou o rosto de Tassi.
— Claro que posso.
Ela fez um gesto para Nyran se sentar na grama. A rival obedeceu, curiosa.
— Sabe — começou Tassi, colocando a palma da mão aberta no solo —, antes de vir para o Brasil, eu só via a terra e a natureza como ferramentas de guerra. E no engenho onde fiquei, vi que eram também ferramentas para gerar dinheiro.
Sob sua mão, um pequeno tufo de grama nova brotou e cresceu, verde e vibrante.
— Mas, trabalhando com o Carlos e fazendo experimentos para ele, eu vi que o solo e as plantas não são apenas ferramentas. Descobri que as plantas gostam de certas coisas, como o guano. E, nos meus experimentos, sou obrigada a tentar ouvir a necessidade delas, a sentir o estado do solo. O cajado que eu usava era o mesmo do engenho, mas passei a ter uma visão completamente diferente. Não só dele, mas de toda ferramenta mágica com gemas. Elas… conversam comigo de outro jeito agora.
Carlos ouvia tudo com atenção profunda, seus olhos cintilando de curiosidade científica. Nyran, por outro lado, parecia um pouco perdida.
— E o que isso tem a ver com o duelo? — ela perguntou, sinceramente confusa.
— Tudo — respondeu Tassi, seu olhar perdendo-se no horizonte. — Basicamente, eu aprendi a sentir o que o solo sente. Durante a luta, eu sentia cada um dos seus passos através da vibração na terra, sentia o peso do seu corpo na grama, sentia as plantas se enrolando em você… Sentia muita coisa, apenas mantendo minhas mãos no solo. E eu não teria entendido isso se não tivesse ficado um tempo longe do campo de batalha. Foi isso, o conhecimento, o cuidado… foi isso que me deixou mais forte.
Os olhos de Carlos brilhavam como duas gemas ao ouvir aquilo.
“Então o conhecimento ajuda a dominar o poder das gemas? Isso é… incrível!”, ele pensou, sua mente voando a mil por hora. “Ah, como eu queria poder usar alguma gema? Será que existe uma gema da gravidade? Gostaria tanto de ter uma dessas em mãos… quem sabe, eu poderia até criar um buraco negro!”

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