Eloisa S. Reis

    Histórias 1
    Capítulos 33
    Palavras 93,9 K
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    Tempo de Leitura 5 horas, 13 minutos5 hrs, 13 m
    • por Eloisa S. Reis A Ilha Fúria não era um lugar. Era uma ferida aberta no flanco do mundo, um pesadelo geológico pulsante. O ar tremia constantemente, saturado por um calor que não vinha do sol, mas da própria terra rachada sob os pés. Cada respiração era uma agressão, carregada do cheiro sulfúrico pungente de ovos podres, tão denso que parecia tingir a língua e grudar na garganta. Um vapor úmido e abrasador emanava de fendas na rocha negra, queimando a pele exposta como um ferro brando. Ao longe, no interior…
    • por Eloisa S. Reis A penumbra eterna de Hearts envolvia o porto cavernoso numa névoa úmida e verde-azulada. A luz que se filtrava pelas fendas altas do teto basáltico era uma coisa pálida e doente, tingida pela fosforescência fantasmagórica dos líquens que cobriam as paredes como uma segunda pele. O ar mantinha aquele peso úmido e frio característico, impregnado do cheiro profundo de pedra molhada, sal marinho envelhecido e peixe seco pendurado em cordas. Mas hoje, sobrepondo-se a essa base mineral, flutuava uma…
    • por Eloisa S. Reis O plano de Echo ressoou na cabine do capitão do Semente do Caos como um gongo de perigo iminente. A iluminação turva das lâmpadas de óleo de baleia esculpia sombras profundas nos rostos tensos que o cercavam: Nix, de braços cruzados e olhos turquesa fixos no mapa desenrolado; Madoc, uma estátua de obsidiana ao leme, sua presença um campo gravitacional de silêncio; Panacéia, fumando pensativamente seu cachimbo de prata, a fumaça azul-turquesa formando serpentes inquietas; Vênus, uma mão…
    • por Eloisa S. Reis O Semente do Caos deslizou pelas águas escuras e espessas como óleo que cercavam Hearts, não como um navio, mas como uma sombra prestes a ser engolida por uma garganta de pedra. O paredão colossal não se erguia do mar; ele emergia dele, uma falésia viva talhada pelo tempo e pela mão esquecida de gigantes em rocha basáltica negra. Era menos uma cidade, mais uma fortaleza monolítica esculpida na própria ossatura do mundo. Cavernas enormes, bocas úmidas e escuras, fungavam a água salgada, servindo…
    • por Eloisa S. Reis A luz do sol da manhã banhava o convés do Semente do Caos em ouro líquido, transformando o sal seco em minúsculos diamantes. Madoc, o navegador, ocupava seu posto ao lado do leme, seu corpo esguio e poderoso – herança de sua linhagem de tubarão-branco – movendo-se com uma economia de movimento que contrastava com a postura tensa de Nix. Seus olhos obsidiana, profundos e impenetráveis como a Fossa das Lamentações, varriam o horizonte, depois o mapa desenrolado sobre um baú, depois os…
    • por Eloisa S. Reis A tempestade engoliu o Semente do Caos em um abraço violento de vento e água. As ondas se erguiam como montanhas, ameaçando engolir o navio a cada baque. O rangido constante da madeira era agora um lamento agudo, um grito de dor do casco que Nix sentia vibrar em seus próprios ossos. Ela agarrava o timão, os nós dos dedos brancos, a cada fibra de seu ser focada em manter o curso. As lições de Panacéia e Astéria sobre a resistência do navio ecoavam em sua mente, mas a realidade era um monstro…
    • por Eloisa S. Reis O primeiro raio de sol trespassou a escotilha do camarote de Nix, atingindo seus olhos como uma adaga. Ela gemeu, enterrando o rosto no travesseiro embebido de suor e rum. O Semente do Caos murmurava sob seus pés, uma vibração reconfortante que contrastava com o martelar infernal em suas têmporas. Fragmentos da noite anterior surgiam como relâmpagos dolorosos: o gosto amargo do rum barato, o riso rouco de Madoc, o peso de seu braço sobre seus ombros enquanto cambaleavam pelo cais... e o nome que…
    • Capitulo 11

      Capitulo 11 Capa
      por Eloisa S. Reis A taverna "O Porco e o Apito" era menos enfumaçada que a Espinha do Kraken, mas não menos barulhenta. Luzes bruxuleantes de lamparinas a óleo de baleia lançavam sombras dançantes nas paredes de madeira enegrecida. O cheiro predominante era de cerveja azeda, suor rançoso e uma pitada de óleo de máquina – uma combinação que, após algumas canecas, se tornava estranhamente reconfortante. Nix e Madoc se espremeram em um canto próximo ao balcão, longe dos grupos mais ruidosos de marinheiros já…
    • Capitulo 9

      Capitulo 9 Capa
      por Eloisa S. Reis    A construção do Semente do Caos começou no dia seguinte à invocação do espírito, e Nix não queria delegar nada. Astéria e os carpinteiros experientes, com seus olhares astutos e mãos calejadas, ofereceram ajuda, mas ela recusou com uma teimosia quase infantil. Queria fazer tudo sozinha. Queria sentir a madeira sob as mãos, ajustar cada peça, testar cada encaixe, entender como tudo se conectava como se fosse uma extensão de seu próprio corpo. Era uma promessa silenciosa a si mesma, uma…
    • Capitulo 8

      Capitulo 8 Capa
      por Eloisa S. Reis  O Cais das Lágrimas acordava em um turbilhão de cheiros: peixe fresco, sal marinho e o aroma pungente de rum. Na pequena cozinha improvisada do estaleiro Aurora, o cenário não era menos caótico. Panacéia, com um sorriso matreiro, tentava convencer Nix e Vênus a experimentar um pequeno gole de uma bebida de aparência duvidosa.— Ah, qual é, meninas! É tradição aqui no Cais! — Panacéia insistia, segurando um copo que cheirava a destilado de algas. — Um pequeno gole para aquecer a alma…
    Nota