— Você é a Jaqueline?

    O motorista, um homem negro de cabelo castanho liso, perguntou enquanto olhava para a mulher que estava sozinha na esquina de uma boate. Pela janela do carro e mesmo estando a um metro de distância, conseguia sentir o cheiro de álcool vindo dela.

    — Aham…

    “Está completamente bêbada, espero que não vomite no meu carro.” 

    O motorista a olhava enquanto ela cambaleava até chegar na porta do carro, abriaa porta e entrava no carro. “Normalmente as mulheres confirmam se é o motorista certo antes de irem entrando direto no carro. Mas acho que tá bêbada demais pra se lembrar disso.”

    Após entrar no carro, se lembrou que deveria verificar a placa e o motorista, ainda mais de madrugada, porém com a mente meio confusa apenas conseguiu perguntar: — É o Carlos? 

    — Sim Jaqueline, qual é o código de segurança?

    A mulher ficou olhando pro motorista meio confusa, depois voltou o olhar para seu celular e começou a mexer nele. Depois de um tempo mexendo no celular, que nem foi muito tempo, porém para Carlos parecia uma eternidade, ainda mais com o cheiro de álcool impregnando o carro, por conta do cheiro, abriu todas as janelas.

    — Quatro… um… oito… um…

    Assim que ouviu o código, inseriu no aplicativo e começou a andar com o carro, sem nem falar uma palavra “Normalmente tentaria começar uma conversa, mas tá bêbada demais pra isso, e já são duas da manhã, só quero terminar essa viagem e ir direto pra casa dormir.”

    Com um olhar melancólico e cansado dirigia pelas ruas vazias, enquanto refletia sobre sua vida “Fui o primeiro da minha família a fazer faculdade, toda minha família esperava grandes coisas de mim, e olha onde vim parar. Mas também, o que poderia fazer, fiz engenharia civil esperando achar um emprego que pagasse bem, mas não achei emprego nenhum.”

    Enquanto dirigia, notou um prédio que estava sendo construído perto do centro da cidade, mas o que chamou sua atenção foi a frente do outdoor que tinha o nome da firma que estava construindo o edifício, além de três nomes de engenheiros “Renato Ferreira Garcia, Eduarda Ferreira Garcia e Fábio Ferreira Garcia”. O outdoor chamou sua atenção pois reconheceu dois nomes que estavam escritos no outdoor.

    “Não acredito que os dois piores alunos da minha turma foram os únicos que conseguiram trabalhar na área… Mas também, o pai deles era engenheiro e tinha uma firma, claro que eles conseguiriam emprego com o papai, afinal só consegue trabalho quem tem Q.I – Quem Indica!”

    “Fui muito inocente, achei que se me dedicasse aos estudos e trabalhasse duro conseguiria me dar bem na vida. Mas não foi o que aconteceu, trabalhava duro de dia como garçom num hotel chique e de noite estudava mais duro ainda, e no fim quem se deu bem? Os filhinhos do papai.”

    Carlos começou a ficar amargurado, tanto que até começou a perder o sono e ficou perdido em pensamentos, seguindo a rota do uber de forma automática. Até que uma voz o trouxe de volta para a terra.

    — Moço é logo ali a minha ca… —  Antes de terminar a frase, sentiu um gosto horrível preencher sua boca, e o pouco que havia comido resolveu sair. Até tentou se aproximar da janela para não sujar o carro, infelizmente não conseguiu segurar o vômito a tempo e acabou vomitando na porta do carro, o vômito foi escorrendo da porta até o chão. 

    Depois de soltar tudo para fora, conseguiu falar com a voz baixa — Moço me desculpa….

    Como já estava cansado demais pra sentir raiva, apenas suspirou e respondeu: — Tudo bem, aquela aqui é a sua casa, né?

    —Sim, se tivesse mais dinheiro te daria como gorjeta…

    Deu a volta com o carro e estacionou do lado da casa de Jaqueline. 

    —Não se preocupe com isso.

    O uber foi pago pelo aplicativo então não precisava fazer nada. Jaqueline pediu desculpas mais uma vez e saiu do carro de forma desajeitada e foi cambaleando até o portão de sua casa. No portão ficou procurando a chave de sua casa por um tempo e depois que achou a chave, com dificuldade abriu o portão. Deu uns passos para  a porta da casa, mas logo voltou para trancar o portão, então novamente caminhou até a porta da casa. Onde ficou parada procurando a chave de sua casa dentro da bolsa por uns cinco minutos. 

    Carlos ficou olhando isso o tempo todo, para se certificar de que não desmaiasse antes de entrar dentro de casa, apesar de ter uma grade de ferro ao redor da casa, não era muito alta, se alguém quisesse pular, conseguiria. 

    “Não quero nem imaginar o que poderia acontecer, se alguma pessoa mal intencionada encontrasse uma mulher desmaiada de madrugada.”

    Assim que Jaqueline finalmente entrou dentro de casa. Tirou seu celular do suporte que ele ficava e o colocou no bolso e começou a dirigir o carro em direção a sua casa. O carro fedia a vômito, mesmo com todas as janelas abertas, o cheiro continuava insuportável.

    — Mas um dia miserável terminou nessa vida miserável.

    “Se eu pudesse voltar no tempo, escolheria outra faculdade, alguma que não fosse tão concorrida, que tivesse mais oportunidades. Apenas queria ter conseguido comprar uma casa para minha mãe, dar algo para a pessoa que sozinha deu a vida para me criar.” 

    Enquanto estava perdido em pensamentos, começou a dirigir rápido pelas ruas desertas, mas rápido que o de costume, fazia isso porque apenas queria sair do carro fedendo a vômito e deitar em sua cama.

    Por conta disso acabou virando uma esquina para a avenida sem olhar se tinha algum carro vindo. Ao virar a esquina, deu de cara com um caminhão indo a toda velocidade na contramão. 

    Carlos não sabia se o motorista do caminhão havia dormido no volante ou estava bêbado, nem tinha tempo pra isso, mal teve tempo de reagir, tudo que viu foi uma luz muito forte, sentia como se a luz encobrisse todo seu corpo. Pensou que talvez fossem os faróis do caminhão, mas não tinha certeza, apenas fechou os olhos para evitar a luz, pois na velocidade que estavam não havia nada a se fazer, apenas se preparou para o impacto, mas o impacto não veio. 

    Carlos ia abrir os olhos para ver o que tinha acontecido, quando o banco de carro que estava sentado pareceu desaparecer. Fazendo com que caísse num chão frio de terra, por sorte conseguiu proteger sua cabeça antes de acertar o chão.

    Após cair, abriu os olhos para ver o que havia acontecido, mas apenas havia uma escuridão total, nem dava para enxergar suas próprias mãos.

     “Eu morri? Essa é a vida após a morte?”

    Deixando esses pensamentos de lado, se levantou e logo seus olhos foram sugados para a única coisa que brilhava em meio a completa escuridão, as estrelas. Nunca havia visto um céu com tantas estrelas quanto via agora, dava até para distinguir a via láctea em meio ao céu noturno. Mas logo seu maravilhamento se esvaiu, e o medo e a ansiedade começaram a surgir em seu lugar.

    “Mas que porra, o que aconteceu com meu carro, e o caminhão!? A cidade sumiu!? Onde que eu tô? Será que eu morri e aqui é o inferno? Ou o céu?”

    Uma leve brisa fria passou pelo seu corpo, o que lhe deu calafrios “Talvez esteja em coma e isso seja um sonho, mas essa brisa pareceu muito realista para ser sonho, se tentar me beliscar consiga acordar” ao se beliscar, se deu conta que não era mesmo um sonho  “Eu fui teleportado para fora da cidade? Talvez… Eu tenha vindo parar em outro mundo? Se for isso, tomará que seja um mundo de fantasia medieval em que possa usar magia, ser apelão, derrotar dragões e ficar com a heroína no final…” após pensar isso suspirou e se acalmou “Tomara que seja realmente isto, afinal a única coisa que me ligava ao meu mundo era minha mãe, que partiu sem eu nunca poder retribuir tudo que fez por mim.”

    Enquanto estava perdido em pensamentos, acabou notando umas luzes laranjas ao longe.

    “Será que são pessoas!? Talvez elas saibam o que está acontecendo, que lugar é esse, que mundo é este.”

    Não quis gritar para não assustar ninguém, apenas foi caminhando rápido em direção às luzes, mas tomando cuidado para não tropeçar em meio a escuridão. Ao se aproximar mais, notou que as luzes apareciam e desapareciam. O que o deixou intrigado, ao chegar mais perto, notou que as luzes se pareciam com chamas.

    “O que será que está acontecendo lá, isso não são luzes, parece fogo! Mas como é possível ser fogo!? Será que é um lança chamas? Eu não sei se chego mais perto para confirmar, pode ser perigoso.”

    Por medo do que poderiam ser estas luzes começou a desacelerar o passo. Quando estava a uns vinte metros de distância uma mulher alta e negra de cabelo curto, usando calças de algodão grosso e uma blusa larga, correu em sua direção e assim que avistou o homem em meio a escuridão gritou:

    — CORRA! Ou os capitães do mato vão pegar você também!

    Ao ouvir isso ficou confuso com a situação por um tempo até notar que a fonte das luzes de fogo eram homens brancos montados a cavalo com chapéus de vaqueiro, e o mais estranho um deles segurava um arco algo que não combinava com a imagem de vaqueiros. Mas não havia nenhuma flecha no arco, apenas fogo em formato de flecha. Vendo tal cena, finalmente recuperou a razão, se virou para o outro lado e começou a correr.

    Carlos não pode ver, mas a flecha de fogo que antes era bem fina começou a aumentar de grossura até que o capitão do mato soltou a flecha de fogo que foi lançada em sua direção. Nesse momento já estava correndo a toda velocidade, mas foi tarde demais.

    A flecha de fogo acertou bem perto do seu pé esquerdo, o que fez dar um pulo. Por sorte estava de tênis o que impediu que seu pé fosse queimado, apenas queimou a parte de trás de seu tênis.

    “Mas que merda! isso foi magia!? Se tivesse sem tênis, meu calcanhar teria virado torresmo. Eu ainda to sentindo o calor no meu pé, pelo menos meu tênis não pegou fogo, mas tá tão escuro que não consigo ver nada. Pelo visto saí dê uma situação de bosta pra ir numa situação de merda, não acredito que to com saudades do carro fedendo a vômito.”

    “Mas porque tão querendo me matar! Não fiz nada! Não sei de nada! O pior é que nem consegui ver quantos estão me perseguindo, apesar de que mesmo que eu soubesse, estaria ferrado igual, estão a cavalo não tem como ganhar.”

    Eram dois capitães do mato que o perseguiam, montados a cavalo.  Um deles era um menino de quatorze anos, caboclo, com um chicote de cipó em sua cintura, no cabo do chicote havia uma gema de cor oliva parda. O menino perguntou apreensivo para o capitão do mato mais velho, um homem com um chapéu de vaqueiro e uma camisa de algodão, além de uma barba mal feita:

    — Seu Sebastião, não seria melhor o sinhô não tomar cuidado para não acabar queimando a mercadoria?

    Ao ouvir isso, ficou bravo: — Apenas fique quieto e aprenda moleque, você recém entrou com nóis e num sabe de nada. Desde que o escravo ainda possa trabalhar o patrão não vai reclamar, não se preocupe que estou controlando as chamas para não matar esse preto.

    — Joãozinho, neguinho que nem aquela vadia some nesse breu todinho. Mas sorte nossa que esse coitado aí tá mais manco que rato bêbado, então é só meter a porrada nele que a tal da Tassi aparece. Lembra o que o sinhô do engenho disse? Que aquela cachorra é mais importante que os outros tudo e que ele paga uma nota pra quem pegar ela. Mas até agora, nós só tá dando volta no mato atrás dessa maldita, e os cavalo já tão arreado. Só que reparei uma coisa, toda vez que a gente acerta um preto, a desgraçada sai do escuro e tenta acertar a gente com pedra. Fica ligeiro, Joãozinho, essa puta tá perto e é esperta pra diabo.

    Enquanto respondia, continuava atirando flechas com seu arco de madeira que possuía uma gema de cor alaranjada no meio.

    João, ficou pensativo ao ouvir isso. Mas sua atenção logo saiu disso para as roupas de Carlos, uma camisa branca e uma calça jeans, normais pro nosso tempo, mas aos olhos dele pareciam ser roupas bem diferentes, e não algo que um escravo usaria, até porque os escravos mal tinham roupas para usar. 

    — Mas, sinhô, esse cabra aí tá vestido mó esquisito, parece até coisa de outro mundo. Num tá com cara de ser dos neguinho que a gente tava correndo atrás. Acho memo que esse daí num é escravo do tal sinhô do engenho não… Tá com mó cara de forasteiro!

    — E daí, pivete! Negro é tudo igual, cê num tá vendo? Aposto que o sinhô do engenho vai ficar mais contente que pinto no milho quando vir que a gente pegou um escravo novinho em folha! Quem liga se era dele ou não? Negro bom é negro no tronco!

    Enquanto conversavam, Carlos já ofegante pensava “Até quando eles vão ficar me perseguindo? E pior! Eles nem estão vindo muito rápido atrás de mim, parece que estão me torturando por prazer. Por sorte minha roupa me protegeu, só meu braço que foi atingido em cheio e tá doendo para caramba!”.

    Enquanto isso, a mulher que havia avisado Carlos sobre os capitães do mato ainda estava perto escondida olhando a situação “Mas que merda, esse idiota mal consegue correr. Eu deveria sumir daqui, eles não sabem onde estou… Porém fui culpa minha os capitães do mato terem o encontrado… Mas como que eu ia saber que teria um coitado andando nesse breu a essa hora!?”.

    Sebastião vendo que Carlos mal conseguia ficar de pé, se aproximou com seu cavalo e mirou com seu arco na sua direção, formando uma flecha de fogo fina que foi aumentando a espessura, e aumentando, até a flecha ter a espessura de um braço, mas mesmo assim Sebastião não soltou a flecha.

    — Aparece logo, sua macaca! Se não, a gente vai deixar esse nego aí mais torrado que carvão!

    Enquanto segurava a flecha ouviu um leve farfalhar de folhas, sem perder tempo, mirou o arco para a fonte do som, fez com que a flecha diminuísse de tamanho e soltou a flecha que saiu em direção a fonte do som mas em meio ao ar foi atingida por uma pedra, isto não desfez a flecha nem mudou sua direção. 

    A mulher tentou desviar da flecha, mas não deu tempo e a flecha acertou seu pé esquerdo, criando instantaneamente uma queimadura. Porém Sebastião não saiu ileso. A pedra que ela havia atirado acertou bem na sobrancelha de Sebastião. Fazendo um corte profundo e quase o derrubando do cavalo. Por conta de sua experiência conseguiu recuperar o equilíbrio e acalmar o cavalo.

    — Porra! Depois dessa tu não escapa! — Com raiva olhou com raiva para João: — O que você tá olhando moleque, captura logo essa macaca.

    Apressadamente pegou o laço em sua cintura e o lançou em direção ao chão, onde o “laço” entrou dentro da terra, sumindo de vista, mas não por muito tempo, logo saiu da terra perto de mulher que ainda tentava fugir mesmo mancando. O cipó subiu por seu pé machucado e começou a enrolar em volta de seu corpo da mesma forma que uma figueira-estranguladora se enrola em volta de uma árvore, deixando imobilizada.

    Com o rosto cheio de sangue da pedrada, desceu de seu cavalo, jogou seu arco no chão, correu até Tassi e a deu um soco em seu rosto a derrubando no chão.

    Caída no chão, apenas gemeu de dor e olhou com ódio para Sebastião, que estava prestes a pisar na cabeça dela, mas se controlou. Então se abaixou e a pegou pelo seu curto cabelo preto e gritou em seu rosto:

    — Sua vagabunda! Você tem sorte que o patrão vai pagar bem se você voltar inteira! Se não eu iria acabar com você agora!

    Sebastião a largou. Por estar com os braços amarrados pelo cipó, não pode proteger sua cabeça que bateu no chão de terra, por sorte não atingiu nenhuma pedra.

    Depois de lidar com Tassi, olhou para João. 

    — Bora pegar aquele nego manco e arrastar essa cadela de volta pro tronco!

    Os dois olharam para onde Carlos estava, mas não estava mais ali.

    Sebastião ficou irritado por um breve período, mas logo a raiva passou, e seus olhos se focaram em Tassi e em seu rosto apareceu um leve sorriso malicioso. 

    — Ha ha ha, teu cúmplice te deixou pra morrer que nem cachorro sarnento!!

    Antes que Tassi pudesse exibir qualquer emoção, Carlos que havia se escondido na escuridão pegou uma pedra e atirou na cabeça de Sebastião, o acertando em cheio, nem deu tempo para ele gritar de dor e foi correndo em sua direção com suas últimas forças o empurrou no chão e começou a chutar várias vezes sua barriga. No chão, começou a se contorcer de dor, e levou suas mãos para sua barriga para protegê-la, o que fez mudar o alvo para a cabeça dele. Mas antes que pudesse acertar um chute na cabeça, ouviu um grito feminino.

    — Cuidado!

    Até tentou se virar e ver com o que precisava tomar cuidado, mas foi tarde demais. Um cipó foi em volta de seus braços o imobilizando os amarrando a seu torso, e antes que pudesse fazer qualquer coisa, sentiu algo acertar sua cabeça e tudo escureceu.

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