Capítulo 15 - Armas
No engenho do seu Jorge a vida seguia como sempre. Com muitos escravos levando chibatadas, Jorge bebendo e batendo na mulher e Carlos na sua rotina nesse mundo, trabalhando no canavial e explicando os artefatos do diabo a tarde. Apesar dos dias passarem como sempre, estava ansioso pela volta do comerciante, que talvez pudesse ter trazido armas que poderiam garantir sua liberdade, e não era o único ansioso por esse dia.
Jorge também estava ansioso por esse dia, não imaginava que Carlos estivesse falando a verdade, estava mais ansioso em como aqueles artefatos do diabo seriam usados, sabia que deveriam ser algum tipo de arma, ainda mais porque o Pedro lhe disse que Carlos e Tassi estavam cochichando muito um com o outro, estava confiante, com as pedras de defesa e defesa divina, ninguém poderia tocar um dedo nele, independente do tipo de arma, até conseguiria proteger Jairo, seu melhor capataz, que poderia atacar, mas caso houvesse a possibilidade dele estar falando a verdade então seria melhor ainda, poderia aumentar sua coleção de artefatos do diabo.
“Não importa o que seja, de qualquer forma esse escravo já me passou tudo que sabe sobre os artefatos do diabo, ele acha mesmo que não notei que tá me enrolando toda tarde, além disso os capatazes dizem que é muito lento no canavial. Mesmo se tente fazer qualquer coisa contra mim, posso revidar sem pena nenhuma, não vou perder nada.”
Tassi também estava com uma pequena expectativa sobre que armas que colocava tanta esperança. E Pedro não sabia o que esperar.
No meio de tanta expectativa e ansiedade, acabou chegando o dia em que o comerciante Francisco deveria voltar ao engenho. Carlos trabalhou no canavial, mas sua cabeça estava em outro lugar, ele sentia diversos sentimentos conflitantes, coragem, medo, esperança, e desespero.
“Tomara que tudo dê certo, se o comerciante não tiver as armas e munições, terei que continuar vivendo esse inferno por mais sei lá quanto tempo. Não só eu, a Tia Vera também, a Tassi o filho do Pedro, Juquinha. Preciso conseguir, apesar de que nunca matei ninguém, aliás nunca nem briguei direito, a última vez que briguei com alguém foi no fundamental.”
De tarde, enquanto explicava os livros do diabo do senhor do engenho, Jairo trouxe a tão aguardada notícia de que Francisco havia chegado. Assim que ouviu isso Carlos teve que se conter para não sair correndo, mas manteve a calma
— É melhor levarmos aquele artefato de invocação também. — Carlos disse enquanto apontava para a arma que ficava em cima da estante de Jorge.
— Hunf, claro, mas quero que o Pedro segure este artefato até lá. Além disso, Carlos saiba que se você tentar qualquer coisa contra mim, você nunca mais ver o sol nascer de novo!
— Claro meu senhor, jamais faria nada contra você.
“Acha que nasci ontem, seu preto burro! Apenas me mostre logo porque você se interessa tanto por este artefato do diabo em especifico. Se for uma arma, gostaria de saber como funciona, pois não parece nada com uma arma mágica, de qualquer forma não importa, nada passa pelos meus escudos mágicos.”
Enquanto os três desciam até o comerciante, Tassi por sua vez fingia que havia acabado toda a magia em seu corpo.
“Ainda bem que sempre uso apenas um décimo da minha magia neste canavial, nem sabem que a quantidade total de magia em meu corpo é bem maior. Hoje usei o dobro de magia que normalmente uso, então para eles, já devo estar sem magia. E como o uso excessivo de magia também causa cansaço, não tem como me deixarem no canavial, por conta disso posso ir observar Carlos, mas tenho sorte que suo bem fácil quando uso magia, senão não iria parecer que quase acabei com minha magia, nunca achei que suar demais seria útil.”
Enquanto se aproximavam do mercador, repassava todo seu plano em sua mente: “Eu vou com calma ver as balas, as armas, carregar as balas no máximo de cartuchos de armas que posso usar, e então mirar no Jairo e descarregar tudo, depois miro no Jorge, já os outros capatazes, mato assim que tentarem fazer qualquer coisa contra mim. Sei que tem uma boa defesa, mas não deve ser impenetrável. Mesmo que as balas não o atinjam, pelo que Tassi disse, posso esgotar a magia dele. Se não conseguir, Jorge provavelmente vai me matar, já ensinei tudo sobre os artefatos do diabo da coleção dele, claro escondi as informações de várias coisas. De qualquer forma morrer seria melhor que viver essa vida, mas não planejo morrer. Infelizmente até hoje eu nunca usei uma arma, mas tem uma primeira vez para tudo não é mesmo, preciso apenas manter a calma ficar esperto com o coice da arma.”
Carlos, Jorge e Pedro chegaram ao comerciante Francisco que estava sentado em uma pedra e havia amarrado seu burrinho com a carroça em uma árvore perto do lago. Tia Vera e Alice já estavam vendo os itens da carroça. Alice que sempre mantinha uma expressão cabisbaixa estava sorrindo enquanto pegava um pouco de cacau em pó e falava para Tia Vera sobre o bolo nega maluca.
Assim que Francisco viu Jorge se levantou: — Boa tarde, Seu Jorge, como prometido trouxe tudo que o senhor pediu. Entretanto, meu fornecedor disse que só poderia vender os itens se visse o tal método de invocação de seu escravo.
— Mas que ótima notícia, você nunca decepciona, e isso não será um problema, quando mais pessoas saberem como invocar artefatos do diabo, mas artefatos poderei comprar para a minha coleção. Agora vamos ver se meu escravo também não vai decepcionar. Vá, escolha os artefatos que você vai usar para a “invocação”.
Animado e logo mostrou as suas coisas, havia dois sacos de balas soltas e umas três armas, ao ver tudo isso os olhos de Carlos quase saltaram para fora.
“Meu Deus, estava esperando umas dez balas no máximo e talvez apenas uma arma se eu desse sorte, mas o que veio foi sacos e sacos de balas novinhas e várias armas. Mesmo para um traficante no Brasil, conseguir tudo isso seria difícil, qual é o fornecedor desse Franscisco? Deve ter ido nos Estados Unidos e voltado para conseguir tudo isso, de qualquer forma como conseguiu não importa, o que importa é que conseguiu.”
Alice até olhou para os artefatos que estavam à mostra, mas logo voltou a escolher itens para sua casa.
— Preciso apenas pegar os itens e analisar bem, mas me parecem bem promissores.
Sem perder tempo pegou as armas e os sacos de balas e os colocou no chão, contando com a arma do seu Jorge davam no total quatro armas, sendo três pistolas e um revólver. Carlos não entendia muito de armas, apenas sabia que tinha que cada arma tinha um calibre a munição tinha que ser do mesmo calibre que a arma, por sorte o calibre de cada arma estava gravado no cano delas.
— Vou começar o processo, é meio lento então peço que tenham paciência.
— Apenas comece logo!
Irritado com a resposta e apenas olhou pro comerciante.
“Não queria que o comerciante ficasse por aqui, não tem nada a ver com isso. Talvez alguns até considerariam comercializar com escravagista como algo questionável, mas nessa época não tem como um comerciante ganhar dinheiro de outra forma. Ou seja, é inocente, mas tudo bem acredito que nada vai acontecer com ele, não estou tão ruim de mira.”
Francisco notou seu olhar.
— Não se preocupe comigo, faça o processo no seu tempo.
Ao ouvir isso deixou esses pensamentos de lado e começou a ver os calibres das armas e das balas e então começou a separar as balas para cada respectiva arma, por sorte havia munição suficiente e de todo tipo, ao mesmo tempo que começou a explicar o que fazia para pelo menos fingir que iria invocar algo.
— Basicamente cada artefato desses tem seus respectivos mini artefatos do diabo, no momento estou separando eles.
Depois de levar uma hora separando as munições, começou a carregar os carregadores com as munições de cada arma, suas mãos suavam enquanto fazia esse processo de tanto nervosismo, ainda mais sob os olhos atentos de todo mundo. Nesse meio tempo Tia Vera e Alice já havia voltado para casa e Tassi estava a espreita só de olho. Jairo normalmente vigia ela, mas no momento estava vigiando Carlos, e os demais capatazes estavam ocupados no canavial, outros na casa da moagem.
“Vou usar esta pistola primeiro porque pode disparar quinze tiros, infelizmente não tenho bolsos em calça que não passa de um trapo velho, então vou ter que deixar as outras armas no chão. Vou deixá-las ao meu pé para pegar elas rápido, até pensei em fazer como nos filmes de velho oeste e usar duas armas, mas melhor não, afinal sou amador e no filme parece fácil, mas aposto que é bem mais difícil na realidade.”
Respirou fundo antes de dizer: — Agora o processo está finalizado, vou demonstrar como funciona.
Jorge viu Carlos lentamente erguendo o artefato do diabo em sua direção.
“Realmente é algum tipo de arma, mas vendo os artefatos do diabo eles não são nada demais, são fascinantes sim, mas não poderosos, vide o ímã e o isqueiro, mas achei que a vadia da Tassi teria contato sobre a minha defesa, a não ser que realmente acha que pode quebrar mina defesa, se for isso realmente burro. De qualquer forma estou interessado em como essa arma funciona, aposto que deve disparar que nem um arco. Vou erguer a minha defesa e ver como ela funciona. E assim que terminar de ver este arfetado do diabo, este escravo deixará de ter utilidade para mim.”
— Jairo, fique atrás de mim!
Assim que Jairo estava atrás de si mesmo, ativou as gemas mágicas que estavam no colar em seu pescoço e com isso duas barreiras translúcidas apareceram em sua frente, uma barreira era meio esbranquiçada e a outra meio escura. As barreiras o protegiam da cabeça aos pés.
— Você acha que sou burro! Pois saiba que se você apenas tivesse falado a verdade poderia ter te deixado viver! — Sua fala foi cortada por um forte barulho alto e algo que acertou sua defesa mágica, a barreira mágica o defendeu, mas surpreso porque nem viu o que atingiu sua barreira. Infelizmente para ele, mal tinha tempo para pensar no que aconteceu pois mais tiros vieram.
A cada tiro Carlos sentia o coice da arma, mas estava preparado para isso e como o alvo não estava muito longe dificilmente errava o alvo.
“Com essa foram quinze balas acabou os tiros desta arma, mas que merda a defesa dele parece estar intacta! Vou morrer mesmo, nem deu pra matar Jairo que se escondeu atrás de Jorge, logo vai atacar!”
Jogou a pistola no chão e pegou outra pistola que podia dar onze tiros e começou a atirar, para a sua felicidade a defesa começou a rachar, e rapidamente o escudo quebrou por completo instantaneamente, sem nenhum remorso acertou sete tiros. A maioria dos tiros atingiu o peito, porém um dos tiros acertou sua cabeça o que fez seus miolos caírem no chão, junto com seu corpo sem vida. Jairo conseguiu escapar ileso, pois não esperou a barreira quebrar para sair de trás da barreira.
Sem perder tempo mirou a arma na direção de Jairo que já havia lançado o chicote em sua direção. Por sorte estava longe demais para ser atingido pelo chicote, tanto que nem se preocupou com isso apenas focou em atirar nele, infelizmente errou o primeiro tiro. E pior, o chicote que parecia inofensivo a essa distância fez um estalo muito alto no ar, que além de um som atordoante soltou uma rajada de vento tão forte que o derrubou.
Ao ver seu senhor cair morto no chão ficou muito puto, não por sentir algo em relação e sim por perder sua fonte de renda.
— Seu preto desgraçado, vai ver só!
Foi correndo em direção a Carlos e mais uma vez lançou o chicote no ar que fez um estalo mais alto ainda que da última vez. Este estalo fez com que as pessoas que estivessem ali perdessem a audição momentaneamente, mas isto não afetou tanto Carlos que estava no chão, nem tentou se levantar, apenas mirou na direção do capataz e voltou a atirar, por sorte o tiro acertou na canela, que logo se ajoelhou de dor e gritou:
— Verme inútil! Você vou te matar!
Tentou aproveitar a oportunidade para esvaziar o cartucho em Jairo, porém a munição já havia acabado. Por sorte ainda estava gemendo de dor, aproveitando esta oportunidade foi correndo pegar outra arma no chão, ao fazer isso se aproximou de Jairo, que antes que pudesse pegar uma arma, apesar da dor deu uma chicotada em sua direção. Como estavam mais próximos um do outro, o chicote acabou acertando o braço seu braço, como chicote foi embutido com a magia de vento de, tomou tanta velocidade que fez um corte profundo no braço e com a gema da podridão este machucado poderia piorar ainda mais se não tratado. Por conta da dor acabou soltando a arma. Vendo toda essa comoção, mais capatazes se aproximaram para socorrer Jairo.
“Merda! Preciso ficar longe dele senão vou acabar perdendo uma mão!”
Sem tempo de se levantar, Carlos rolou para trás, escapando por um triz de outra chicotada, mas infelizmente todas as armas estavam dentro do alcance do chicote de Jairo, e os demais capatazes ouvindo a comoção já estavam vindo, vendo a situação mudar para pior, começou a perder a esperança.
Até que do nada, uma pedra acertou a cabeça de Jairo o deixando meio atordoado. Nem viu quem atirou a pedra, apenas aproveitou a oportunidade para se levantar e ir correndo pegar uma arma. Conseguiu pegar o revólver, e devido a adrenalina mal sentia dor no braço, o que permitiu que mirasse em direção ao alvo, mas ele não ficou parado esperando ser morto se recuperou e da pedrada e iria chicotear novamente, mas Pedro que estava observando tudo, resolveu agir.
Chutou Jairo bem na canela que o tiro o acertou, isso fez com que Jairo caisse no chão gritando de dor. Após fazer isso saiu de perto o que permitiu com que Carlos se aproximasse mais de desse vários tiros na cabeça.
Nessa hora os capatazes do engenho já estavam o cercando, mas já havia notado isso, apenas mirou o revólver na direção de um capataz que estava mais próximo dele, dando mais quatro tiros, apenas um tiro acertou no peito, mas esse um já foi o suficiente para derrubar o capataz. E com isso o revólver ficou sem munição.
Sem perder tempo, foi correndo pegar a próxima arma. Os capatazes restantes estavam todos a poucos passos dele, mas já entendiam que aquelas armas que o escravo estavam usando eram perigosas, com elas o escravo conseguiu matar Jairo o mais forte entre eles, pensando assim alguns capatazes perderam a coragem mas outros resolveram impedir que pegasse estes artefatos perigosos. Nessa hora Tassi saiu de um lugar próximo e foi correndo pegar uma arma e a jogou em sua direção.
Com a armas em mãos muitos capatazes perderam a vontade de lutar e começaram a correr. Como não tinha certeza absoluta de que nenhum outro capataz tinha mais algum poder mágico maluco, e também não sabia se os capatazes estavam correndo para fugirem do engenho, ou para planejar alguma forma de contra atacar. Por não saber disso, Carlos optou pela opção mais segura, que era matar todos os capatazes restantes.
Atacou primeiro os capatazes que estavam fugindo, pois não se considerava bom o suficiente para acertar alguém mais longe do que poucos metros. Depois de disparar alguns tiros nos que fugiram se focou nos outros que estavam se preparando para dar chicotadas. A maioria dos tiros de Carlos errava os alvos, mas bastava um tiro acertar para incapacitar qualquer um deles, nem que seja por alguns poucos segundos. O que deu tempo suficiente para Carlos pegar a última arma, com ela, pode incapacitar a maioria dos capatazes mas sobrou alguns e munição havia acabado.
Nessa hora Tassi começou a agir mais uma vez para resolver esse problema, com pedras e chutes nos capatazes que ainda estavam vivos. Não só ela começou a agir, todos os escravos fizeram o mesmo.
Com isso poderia respirar novamente, a adrenalina baixou e seu braço começou a doer muito, mas antes de ir ao padre para curar seu braço, resolveu fazer uma última coisa.
Foi até o corpo do Jorge, pegou todas as moedas que estavam em seu bolso. Com as moedas em mãos, foi em direção ao Francisco que estava abaixado no chão aterrorizado com toda a cena. Colocou o saco de moedas na mão de Francisco e disse: — Foi um prazer fazer negócios com o senhor. Depois vou para o Quilombo da Jabuticaba, se você por acaso aparecer lá, saiba que aceitaria comprar qualquer artefato do diabo.
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