Capítulo 17 - Jornada
“Como é bom poder usar sapatos de novo, não só isso como ter uma camisa e minhas roupas de volta. Ainda mais porque vamos ter que caminhar muito até o quilombo mas está estrada está em péssimas condições, nem sei onde estamos, nem sei quanto tempo vamos ter que andar. Queria olhar um gps, celular tenho, só não tem bateria ou sinal, ou nada. Bem que podia achar um carregador, e um painel solar.”
Tassi e Carlos seguiam na frente liderando o grupo de ex-escravos. Todos carregam um saco com comidas, roupas, ou coisas que foram pegas do engenho. As armas ficaram com Carlos e Tassi e os demais artefatos ficaram com Pedro e outras pessoas de confiança.
— Tassi, você sabe quanto tempo vamos ter que andar para chegar no Quilombo da Jabuticaba?
— Eu não sei, o povo diz que fica dentro da Mata da Onça.
— Espera então você nem sabe onde fica?
— Mas é claro que ninguém sabe direito, os donos de engenho não querem que ninguém fique falando disso. Só sei que fica dentro da Mata da Onça, que não é muito longe daqui.
“Tomara que Mata da Onça só seja um nome e não tenha realmente onça nessa mata.”
Os dois caminharam em silêncio por mais alguns minutos.
— Devo pedir desculpas a você, não acreditei na sua história que era de outro mundo.
— Desculpas aceitas, mas o que fez você mudar de idéia?
Pedro acabou escutando parte da fala de Tassi, mas ainda não ouvia bem, por isso se aproximou mais para escutar melhor. Afinal viu de primeira mão os conhecimentos que Carlos tinha sobre os artefatos do diabo e estava curioso sobre essa história de outro mundo. Não só ele estava curioso como também outras pessoas, que se aproximaram dos dois enquanto andavam. Carlos até ficou meio constrangido vendo todo mundo olhar pra ele, mas acabou resolvendo não esconder nada, não havia razão para esconder nada e se não acreditassem nele, não iria fazer diferença nenhuma.
— Aquelas armas claramente não são daqui, e você também não, ainda mais com essas roupas. É difícil acreditar em sua história, mas não tenho uma explicação melhor para tudo isso. Aquelas armas são mesmo muito interessantes, poderia falar um pouco mais delas? E dos artefatos também, sei que você me falou isso antes, mas entrou por um ouvido e saiu por outro, porque na hora não acreditava em nada que você falava.
— Tudo bem, vou te falar que foi a primeira vez que usei uma arma, nunca toquei em uma delas antes, mas no meu mundo todos tem uma certa noção de como funcionam, se chamam armas de fogo. Pelos poucos artefatos do diabo que eu vi, posso afirmar que todos eles são artefatos do meu mundo, assim como eu, mas não sei como vim parar aqui. O dia que apareci neste mundo foi o dia em que me encontrei com você Tassi. Aliás, os artefatos do diabo não tem nada a ver com o diabo, ou magia, são apenas fruto de ciência, tecnologia e do trabalho humano.
Ao ouvir isso as pessoas ficaram em silêncio por uns minutos, até que Tassi quebrou o silêncio.
— Se você é mesmo de outro mundo como sabe a colônia do Brasil, o reino de Portugal, dentre outras coisas. Também fala a mesma língua daqui, basta a gente ir para outro reino para achar alguém falando uma língua diferente, mas você fala a mesma língua que a nossa, porque?
— Também estranhei isso. A história do mundo não é tão diferente do seu, sou do Brasil também, mas de um Brasil futuro, também fiquei surpreso com a questão do idioma, deveria ter uma diferença maior.
“Brasil no futuro isso é mais inacreditável ainda”, foi o que todos pensaram. Ninguém sabia se era louco ou se estava falando a verdade, o importante era que sabia usar aquelas armas.
— Entendo. Poderia me dizer como funcionam aquelas armas, digo, posso usar também ou precisa saber usar alguma gema mágica.
— Como disse, no meu mundo não existe magia, logo não existem gemas mágicas. E respondendo a sua pergunta qualquer um pode usar aquelas armas, só precisa da munição certa.
Essa foi a fala que a deixou mais surpresa, ficou boquiaberta, afinal uma arma poderosa dessas que não precisa que a pessoa seja adepta a uma gema mágica. Isso mudaria os rumos das guerras, mesmo se fossem armas raras.
— No seu mundo armas assim são comuns?
— Olha, depende do lugar, tem lugares que para um civil conseguir uma arma dessas é mais fácil e tem lugares que é impossível. Isso é para civis, já para os militares a história é diferente. Todos os exércitos do meu mundo possuem armas que nem essas e assim como também armas muito mais fortes que essas.
Tassi mal conseguia imaginar como seria uma guerra em que todo mundo tivesse armas assim, após pensar nisso ela foi fazendo várias perguntas a Carlos, não só ela como Pedro também e algumas outras pessoas também e assim foram caminhando até o anoitecer.
Quando ficou escuro demais para caminhar, o grupo parou para descansar perto de um rio e começaram a acender fogueiras enquanto pessoas ficavam de vigia por turnos. Uns aproveitaram para tomar banho no rio, outros começaram a fazer comida. Conseguiram bastante comida pegando as reservas de comida do engenho.
Depois de todos comerem, todos foram dormir e apesar de ficarem andando a tarde toda, ninguém se sentia muito cansado. Afinal ninguém foi chicoteado, nem teve que trabalhar até desmaiar, puderam tomar banho e conversar à vontade e comer bem também. Apesar de ainda não terem uma casa, pelo menos já eram livres.
No dia seguinte continuaram a caminhar sem parar, só parar almoçar. Depois do almoço eles continuaram a caminhar e não demorou muito para eles chegaram na Mata da Onça. Ninguém sabia onde exatamente ficava o Quilombo da Jabuticaba, só sabiam que ficava no meio da mata, logo todos começaram a adentrar a mata.
Na frente seguiam os homens mais fortes com facões cortando a mata, Tassi seguia junto com eles. Já Carlos ficou um pouco para trás por não estar acostumado a caminhar tanto. O grupo continuou por mais uma hora em meio à mata, quando aparentemente do nada Tassi gritou — Parem! Olhem aqui!
— Tem muitas folhas de bananeira no chão, mas não tem nenhuma bananeira aqui perto, só pode ser uma armadilha! — Depois de falar tirou as folhas e por debaixo dela havia um buraco com várias estacas de madeira apontando para cima. Ao ver isso, todo mundo ficou bem preocupado, menos Tassi que sorriu e disse: — Isso significa que estamos perto do quilombo, devemos tomar cuidado, imagino que devem sofrer muitos ataques de capitães do mato, por isso colocaram armadilhas. Então tomem cuidado onde pisam!
“Ainda bem que Tassi está na frente liderando o grupo, infelizmente nessa situação não passo de um peso morto.”
Todo mundo começou a andar com bem mais cautela, tomando cuidado com cada passo, o ritmo deles diminuiu, e logo iria anoitecer o que deixava muitas pessoas aflitas, mas eles não poderiam se dar ao luxo de pisar em uma armadilha sem querer.
Enquanto andavam, Tassi notou que alguém estava observando eles. — Parem! Estamos sendo observados, provavelmente devem ser o pessoal do quilombo. — Tassi suspirou antes de gritar: Se alguém do quilombo estiver nos ouvindo saiba que somos fugitivos de um engenho, por favor, nós deixem entrar! Nós iremos trabalhar e lutar pelo quilombo!
Carlos, apesar de confiar na idéia de se juntar no quilombo, resolveu se preparar para atirar caso acontecesse algo.
Enquanto todo mundo estava ansioso esperando o que iria acontecer, um homem apareceu do nada na frente de todos eles. O homem era bem alto, musculoso, e tinha uma cicatriz no rosto, também não usava camisa, apenas tinha um colar com uma gema cinza em volta do pescoço.
— Peço desculpas por assustar vocês. É que geralmente não temos tantas pessoas vindo para cá, a última vez que tantas pessoas vieram para cá era para nós atacar, por isso ficamos bem cautelosos, mas não se preocupe, o Quilombo da Jabuticaba dá boas vindas para qualquer um que seja honesto e trabalhador.
— Sou conhecido como Espectro, sou o chefe do Mocambo da Noite. Como está anoitecendo é melhor vocês me seguirem para chegarmos no Quilombo da Jabuticaba antes do anoitecer. Afinal nunca se sabe que tipos de monstros rondam essa mata à noite. Nós poderemos conversar melhor lá, por enquanto apenas me sigam.
Ao ouvir o nome espectro várias pessoas começaram a falar coisas como “Estamos salvos! É o espectro!”, “A pessoa que os donos de escravos mais temem!”, “É como nas histórias, o espectro consegue desaparecer e aparecer no ar!”, “Sob a proteção deles estaremos seguros!”. O grupo de pessoas ficou muito animado com Espectro e começaram a segui-lo sem questionar.
Ao ouvir tudo isso, não pode deixar de aproximar de Tassi e perguntar.
— Por acaso é famoso?
— É sério mesmo, não conhece? Perguntando uma coisa dessas dá até para acreditar que você veio de outro mundo, mas enfim basicamente Espectro é muito famoso entre os escravos porque aparece a noite acabando com engenhos liberando escravos e sumindo ao amanhecer. Tal como um fantasma.
— Também tem várias lendas dizendo que é imortal e consegue ficar invisível. Claro que tudo isso é exagerado, mas como pode ver a parte de desaparecer e aparecer é verdade, mas não tem nada de milagroso nisso é apenas uma gema do assassino, permite a pessoa aparecer e desaparecer.
— Nossa que apelação e como se luta contra alguém usando uma gema dessas?
— É realmente complicado mas não imbatível, pois com a gema da visão você consegue ver qualquer pessoa escondida. Além disso depois de muito tempo batalhando você consegue desenvolver um sexto sentido e pode sentir pessoas se aproximando. Apesar de não ser imbatível ainda é complicado de lutar contra alguém que usa está gema, por sorte os adeptos dessa gema são bem raros.
— Mas mais importante do que o poder da gema que a pessoa usa, é a pessoa que usa a gema. Espectro é lendário por conta de seus feitos de libertar escravos e lutar contra capitães do mato, mas mais importante por ele comandar os guerreiros do Quilombo da Jabuticaba e conseguir defender o quilombo das invasões dos portugueses, holandeses e capitães do mato em busca de dinheiro. Ele conseguiu tudo isso tendo no máximo uns quarenta anos. Com isso dá pra você entender porque ele é tão famoso.
“Realmente faz sentido, afinal Zumbi dos Palmares também era uma figura bem famosa e quase lendária para os escravos. Espera, que idade que o Espectro parece ter, quarenta? Tomara que a história do meu mundo não se repita aqui, onde o Zumbi dos Palmares acabou sendo morto com quarenta anos e o quilombo sendo destruído…”
“Aliás, quanto tempo mesmo que o Quilombo de Palmares durou no meu mundo? Eu lembro que foi perto de cem anos, não lembro se foi mais ou menos de cem. De qualquer forma não importa, tomara que este quilombo não tenha o mesmo destino do quilombo em meu mundo. Mas acho difícil, só o fato do quilombo existir e ser formado por pessoas negras livres já o torna automaticamente inimigo de um império escravista, e eventualmente a colônia no Brasil vai se estabelecer mais e mais, e uma hora ou outra eles vão eliminar todos os quilombos. Que se tornarão apenas uma pequeno capítulo num livro de história…”
“Não vou deixar isso acontecer, não quero virar um escravo novamente. Por isso vou usar tudo o que sei para impedir que a história se repita.”
Enquanto Carlos estava perdido em seus pensamentos, Espectro olhava de relance para Tassi. “Essa mulher, notou que estávamos observando o grupo e nem usa um óculos com a gema da visão, é melhor tomarmos cuidado com ela. Ultimamente o governador tem mandado poucos ataques aqui por conta de ainda estar se recuperando da guerra contra os holandeses, mas em compensação têm mandado muitos espiões. Talvez eu esteja enganado, mas é melhor ficar de olho nela, ainda mais porque certamente foi ela que liderou esta fuga do engenho. Afinal não estou vendo um lutador melhor por aqui.”
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