Carlos, Tassi e Quixotina aos poucos entravam na mata da onça para encontrar uma caverna que pudesse ter salitre. Era de manhã, mas já estava quente e cheio de mosquitos que estavam fazendo a festa e atacando os três. Ambas mulheres tentavam parecer que não estavam incomodadas com os mosquitos, pois uma não queria parecer mais fraca diante da outra. Além disso, as duas competiam para ver quem andava mais rápido. Carlos ficava atrás seguindo elas.

    “Se soubesse que seria transportado para outro mundo, teria pelo menos trazido um repelente de mosquitos, devo ter perdido pelo menos um litro de sangue para eles e a gente ainda nem tá na metade do caminho.”

    Os três carregavam equipamentos para minerar salitre caso encontrassem, além de cestos para levar eles. Além disso, Quixotina levava sua espada para cortar o mato a sua frente e para se defender caso se deparasse com algum perigo. Tassi também pegou seu revólver que ganhou.

    — Evite ao máximo usar este revólver pois não temos muitas balas para o revólver. Talvez nunca conseguiremos mais balas.

    — Eu sei, não se preocupe. Aaté contei quantas balas o posso usar, no total são 107, até eu acabar com as balas você vai ter desenvolvido mais armas.

    — Tomara que você esteja certa.

    Quixotina ficou olhando para aquela arma, apesar de fazer apenas uma semana desde de que o pessoal do engenho do Seu Jorge chegaram no quilombo, todos do Mocambo do Tatu já tinham ouvido falar de uma tal arma super poderosa.

    — Essa é a arma que usou para eliminar o senhor do engenho e libertar seus companheiros? Não parece uma arma poderosa.

    — As aparências enganam. Saiba que com este revólver aqui jamais teria perdido o duelo.

    — Então quando voltarmos poderemos duelar de novo com essa arma, gostaria de pisar em cima de você de novo.

    — É melhor não, essa arma é realmente poderosa, nas minhas mãos você até poderia escapar com vida devido a sua agilidade, mas quanto a Tassi já não sei.

    Tassi se sentiu orgulhosa ouvindo isso, mas Quixotina ainda retrucou e as duas começaram a discutir enquanto o pequeno grupo ficou completamente submerso na mata. A única coisa que conseguia ver eram árvores e mato alto, Carlos não sabia como ela se encontrava nessa mata. Também podia-se ouvir sons de insetos por todo lado, aves nas copas das árvores cantando e macacos gritando ao longe.

    Com a gema a gema da força que estava num colar em volta de seu pescoço, Quixotina facilmente ia na frente e abria espaço, nem se sentia cansada e ainda conseguia andar bem rápido. Tassi também por sempre fazer muitos exercícios também estava bem. O único que estava realmente mal era Carlos que estava suando muito e já meio cansado, mas ainda mantinha o ritmo. Apesar dos pesares ainda tinha seu orgulho e não queria perder para duas mulheres. Infelizmente para logo começaram a subir uma montanha. 

    Depois de um tempo subindo a montanha, Tassi começou a demonstrar sinais de cansaço apesar de não diminuir o ritmo e Carlos estava quase pedindo para as duas pararem para ele respirar. Por sorte a cavaleira resolveu também queria parar para descansar um pouco.

    — Pela posição do sol já deve ser meio dia, também sei que é meio dia por conta de quanto fome que to sentindo. Por sorte logo a frente tem um pé de mangaba, podemos parar um pouco e comer frutas, não é exatamente uma refeição completa, mas é melhor que nada. Além disso tem uma nascente aqui perto, então teremos água também.

    “Graças a Deus, to quase morrendo. Nem sei o que é mangaba mas já to feliz por podermos descansar, além de que to morto de sede.”

    O pequeno grupo andou mais um pouco até chegar perto de uma árvore de uns 10 metros cheia de frutos amarelos alaranjados tanto no pé quanto no chão, podia-se até sentir um cheiro doce no ar dos frutos. Carlos se sentou para descansar embaixo do pé de mangaba, pegou um fruto do chão apenas para olhar. Já Tassi curiosa pegou uma mangaba do pé.

    “Isso é uma mangaba, como sou do Paraná não conheço muito as frutas dessa região.”

    Tassi experimentou a mangaba, apenas para sentir um gosto adstringente e amargo. Fez uma cara feia e largou a fruta no chão.

    — Mas que fruta ruim!

    — Ha ha ha, as do pé mesmo ainda estão verdes. Tem que pegar as que estão no chão.

    — Mas metade delas está sendo comida por formigas! — Disse Tassi indignada.

    — As formigas dão um gostinho a mais, e fazem bem para à vista. — Carlos disse sorrindo e mordendo um mangaba que tinha pegado do chão, e claro pegou uma mangaba que não tinha sido encontrada por formigas, só disse aquilo para implicar.

    “Nossa que fruta diferente, tem um gosto de manga misturada com maracujá!”

    Logo todos se deliciaram com as frutas no chão, mas logo estavam satisfeitos. Só quem demorou para ficar satisfeita foi Quixotina que apesar de corpo magricelo ficou comendo por um bom tempo, comendo bem mais que os dois. Até que notou os olhares que estava recebendo dos dois.

    — Não estou gostando dos olhares que estão dando a minha pessoa. Saibam que não sou uma gulosa, isso se trata dos efeitos negativos da gema da força, te dá muita fome.

    — Sério? Não sabia disso, mas também mesmo no exército nunca conheci alguém adepto da gema da força. Só lutei contra alguns inimigos que a usavam.

    “Nossa que interessante, então tem algumas gemas que têm desvantagens. No caso dessa, talvez não seja uma boa opção em um cerco ou em uma luta que dure muito tempo.”

    Depois que terminou de comer, o grupo começou a andar novamente. Carlos conseguiu descansar bem, mas sabia que se continuasse subindo nessa mata começaria a ficar cansado novamente, por conta disso resolveu puxar conversa com Quixotina para ver se ela diminuía um pouco o ritmo de sua caminhada.

    — Então, Cavaleira Quixotina, qual o seu nome de verdade? 

    Tassi ficou surpresa com a pergunta: — Peraí, esse não é o nome dela, como você sabe disso?

    — Dom Quixote, é um personagem de um livro, um cavaleiro maluco perdido no tempo. É um livro bem famoso na Espanha nesse período, pelo menos eu acho já no meu mundo virou um livro famoso pelo mundo todo. Apesar do livro ser famoso não acho que nenhuma mãe em sã consciência daria o nome de Quixotina para sua filha. Primeiro porque é um nome de personagem de uma história, e nem um personagem exemplar, e sim um maluco, e segundo porque simplesmente é um nome horrível! Mesmo se tivesse esse nome não sairia por aí falando com orgulho, o que resta apenas uma opção, ela mesmo escolheu esse nome horrível para si mesma porque é fã de Dom Quixote.

    — Qual é o problema de Quixotina, é bonito, além disso Dom Quixote não é um maluco. É um sonhador que infelizmente nasceu no tempo errado, assim como eu, nasceu num mundo cinza em que os valores cavalheirescos e de nobreza não são mais usados. Um mundo onde a igreja que em seu passado combatia a escravidão, agora a incentivava. Um mundo onde o mais forte usava seu poder contra o mais fraco, onde a nobreza se corrompeu e apenas se recusava a viver em um mundo assim, acho isso bonito.

    — Claro, cada um tem sua interpretação, mas acho que nunca existiu um mundo assim, mesmo nos tempos dos cavaleiros.

    — Talvez, mas não acho que seja loucura lutar por um mundo assim.

    “Ela é bem idealista, apesar de viver num mundo como este. Chego até a invejar ela, para mim não existem heróis nem vilões, até sei que o pessoal do quilombo também não são todos certos, mas nesse mundo é a melhor opção que temos.”

    Carlos não foi o único que sentiu um pouco de inveja, Tassi também sentia.

    “Havia uma época em que acreditava que a minha luta iria dar um futuro melhor para meu país e para o meu povo. Infelizmente descobri a força que o mundo não é preto e branco e sim cinza, mesmo agora, apesar de estar ajudando Carlos e planejando lutar pelo quilombo, ainda não consigo ver um futuro promissor, ou o rei daqui como um rei melhor que os reis europeus. Apesar de que vou lutar até o fim, já não acredito que minha luta irá trazer um muito melhor, talvez no fim tudo isso acaba sendo destruído, ou o rei daqui se fique corrompido, como meu rei foi.”

    Por um tempo os três ficaram em silêncio apenas ouvindo o som deles caminhando e de mato sendo cortado, ao fundo o sempre incessante da vida pulsante da mata antes de Carlos quebrar o silêncio:

    — Mas então qual seu nome de verdade?

    — Joguei fora meu antigo nome desde que vim ao Brasil. Apenas algumas pessoas sabem meu antigo nome, se quiserem falo o meu nome para vocês, caso se mostrem dignos.

    — E como podemos nós mostrar dignos de ouvir seu nome?

    — Para obter a honraria de saber meu nome, basta fazerem essa tal arma e me mostrarem, se realmente for poderosa e puder ajudar a luta do povo do quilombo, então falarei meu nome para vocês.

    — Promessa é dívida. — O grupo mais uma vez ficou em silêncio até finalmente chegarem na caverna. Como geralmente vinha sozinha para explorar a região, acabou demorando mais do que de costume.

    A frente do pequeno grupo havia uma caverna que mais parecia uma ferida na montanha. Na borda da entrada havia trepadeiras e vinhas, o sol chegava até uma pequena parte da entrada da caverna, depois disso havia apenas uma escuridão sem fim que parecia engolir tudo. A floresta continuava barulhenta por conta dos insetos e animais, já a caverna em comparação era completamente silenciosa. Carlos vendo isso apenas se lembrou das muitas mortes que ocorriam entre os exploradores de cavernas e acabou engolindo seco. 

    Tassi também apesar de se considerar uma pessoa corajosa estava com uma pitada de medo, mas por motivos diferentes, olhou para Quixotina e falou: — Não tem nenhum monstro vivendo ali não né. 

    “Monstros não existem, o problema mesmo é cair num buraco, ficar emperrado e não conseguir sair, ou mesmo algum gás tóxico preso na caverna, por sorte o que quero já vai dá para ver na entrada da caverna.”

    — Não vi nenhum monstro não, mas ultimamente muitas pessoas estão desaparecendo do quilombo, e todos desaparecimentos têm algo em comum, eles vagaram pela mata, além disso não fui muito a fundo na caverna para descobrir se tem monstros, porém sei que tem muitos morcegos, pois um dia estava aqui perto e ouvi um barulho enorme e depois um mar de morcegos saiu da caverna. Ou seja, morcegos aqui tem, só não sei se vai ter o que vocês procuram. Se não tiver aqui, talvez tenha em outras cavernas, mas as outras cavernas ficam bem mais longe do que essa.

    Os olhos de Tassi que se mantinham calmos, possuía um coração turbulento mas seu olhos sempre demonstravam tranquilidade e serenidade, o que não impedia a Quixotina de tentar implicar:

    — Vai me dizer que está com medo? 

    Apesar de dizer isso, ela mesmo estava aterrorizada, pois desde aquele dia que viu os morcegos saindo da caverna, passou a evitar o local. Só veio hoje pois estava com mais pessoas, mas sozinha não chegaria nem perto daqui. 

    Tassi não quis responder a pergunta, pois realmente estava com medo e temia que se falasse algo sua voz poderia demonstrar seu medo. Carlos também ficou com medo com a história, mas convenceu a si mesmo que era apenas uma invenção para assustar Tassi.

    Quixotina pegou uma tocha da sua bolsa de couro que carregava, e tirou também duas pedras para acender a tocha, uma das pedras era amarela e a outra era cinza.

     — Essa pedra amarela em sua mão, é a pederneira que vocês pegam na caverna do mocambo?

    — Ha ha ha, tá achando que isso era ouro? Lamento, mas isso é ouro dos tolos, consegui com a Nia, ela pega essas pedras caverna de fogo que fica dentro do Mocambo do Tatu. Nessa caverna também é onde pegamos gemas de fogo. 

    Folheou o livro e parou em uma página de seu livro de minerais que mostrava um mineral semelhante ao mineral que possuía na mão.

    — Que sorte, então realmente tem uma caverna de pirita no mocambo! Com a pirita posso fazer uma reação química para conseguir enxofre e com isso só vai faltar o salitre para fazermos pólvora!

    Ficou muito animado com isso e até perdeu o medo.

     — Agora vamos logo entrar nessa caverna. 

    Apenas fez faíscas com as duas pedras para acender a tocha que estava no chão, e assim que o fogo acendeu, pegou a tocha e se levantou e disse.

     — Vamos!

    Quixotina começou a andar e Carlos seguia na frente com seu livro, já havia decorado as características do salitre, mas trouxe o livro para ver se teria mais algum mineral na caverna. Aos poucos o pequeno grupo adentrou completamente a escuridão da caverna e não demorou muito para começarem a sentir um cheiro forte de urina e cada passo que davam o cheiro aumentava, as duas mulheres não aguentavam mais o cheiro porém eram orgulhosas demais para falarem alguma coisa. Carlos por sua vez estava animado com o cheiro, esse era o cheiro de amônia e como estava bem forte indicava que a caverna estava cheia de guano, que basicamente são fezes de morcegos, são um excelente fertilizante, tanto que guerras já foram travadas na américa do sul por conta dele, mas isso não era importante, o mais importante era que o guano é um indicativo que poderia haver salitre na caverna também. Andando mais um pouco encontram a fonte do cheiro.

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