Carlos e seu grupo ainda estava na área de testes, estavam guardando os materiais que eles usaram para os testes, pelo menos ele e Tassi estavam fazendo isso, já Quixotina e Nia estavam conversando, Nia olhou para Carlos e disse mal contendo o riso.

     — Sabe aceito ser sua quinta esposa vossa alteza, apenas espero que você não se morra de medo até lá.

    Logo as duas começaram a se matar de rir e até Tassi começou a rir também, só ouvir a risada delas revirou os olhos e pensou consigo mesmo: 

    “Claro que me caguei de medo, o cara é o dobro do meu tamanho é general e ainda por cima serve ao rei, aposto que se tivesse em uma corte européia teria sido decapitado ali mesmo, ainda bem que aqui são mais lenientes.”

    Quixotina parou de rir aos poucos e disse: 

    — Mas sabe fiquei mesmo supresa de você virar um nobre, acho que na minha terra você poderia ser considerado um duque talvez, de qualquer forma fiquei admirada com a forma que você proclamou sua lealdade, parecia até mesmo um cavaleiro, apesar de que ainda pode melhorar suas maneiras.

    — Muita engraçada, aliás o que você veio fazer aqui mesmo? Não lembro de ter te convidado, o quilombo é mesmo muito leniente.

    — Como uma cavaleira como eu poderia perder a oportunidade de ver essas novas armas magníficas? E quando a segunda questão, saiba que sou muito bem vista por Aqua, a Chefe do Mocambo em que estamos e por isso tenho permissões especiais.

    — Ex-chefe de Mocambo, agora sou o chefe, e acho que vou repensar toda essa liberdade que você tem.

    Nessa hora Quixotina ficou sem palavras e Tassi se meteu na conversa dizendo:

     — Também fiquei muito surpresa com isso, só quem não parecia muito surpreso era você que prontamente fez aquele discursinho, parecia até que estava preparado para que aquilo acontecesse.

    Carlos vendo a oportunidade de fazerem pararem de rir dele prontamente sorriu e disse:

     — É porque estava realmente preparado para que algo assim acontecesse. Claro que não esperava que fosse tão cedo.

    Nia dessa ficou espantada com a fala dele e perguntou: — Como!? Você esperava por isso?

    Carlos continuou: 

    — Sim, apenas pense bem, vejam as armas que ajudei a produzir, não tem como negar minha utilidade.

    Tassi o interrompeu dizendo:

     — Mas não importa o quão útil você é se não for leal, confiam muito fácil por aqui, no meu reino você só teria esse reconhecimento depois de anos.

    — Mas sou leal, a primeira coisa que fiz foi entregar minhas armas a eles, ajudá-los a se defenderem, e respondi qualquer dúvida que traziam para mim, não mantive nada para mim com exceção dos meu livros que até emprestei, acho que já demonstrei muito bem a minha lealdade.

    Tassi ficou espantada com essa resposta mas não demonstrou, apenas pensou consigo mesma: “Desde de aquele momento já estava planejando isso…”, seu respeito por Carlos aumentou muito mais, fez o mesmo movimento que Carlos fez  de se ajoelhar e por uma mão no joelho, fez isso metade por zombaria, e metade por estar séria:

     — Eu, Tassi Hangbé prometo ser sua leal guerreira, serva, trabalhadora e o que você precisar de mim até o fim. — Após dizer começou a rir, e as outras duas também começaram a rir.

    Depois de parar de rir Nia respirou fundo e disse: — Infelizmente tenho que ir, afinal tenho que fazer mais e mais armas, ah e quero mais aprendizes chefinho. 

    Nia saiu de volta para o mocambo, mas antes dela sair não pode deixar de dar uma rebolada e uma olhadela para trás para ver se virem isso.

    “Tem quatro maridos e quer mais um ainda, e pelo que o Espectro falou isso é normal… Bom não vou reclamar de vez em quando ter uma visão dessas.”

    Tassi vendo isso apenas bufou falando. — Homens…

    Quixotina também notou isso: — Não é muito cavalheiresco da sua parte senhor.

    Carlos vendo que foi pego no flagra apenas falou:

     — Ser um cavaleiro não é sobre apreciar a distância? Estou apenas fazendo isso, e Nia estava fazendo isso apenas pra ver, desviar o olhar seria um insulto a ela, não concorda?

    Tassi respirou fundo decepcionado e disse: — Você tinha ganhando um pouco de respeito comigo, mas já o perdeu, porém não posso negar que você é bom com as palavras, mas deixando isso de lado, tem algo que mais importante que quero saber, só que da Quixotina.

    Quixotina ouvindo isso já começou a tentar escapar para o mocambo, mas Carlos viu isso e falou:

     — Pode voltar aqui Quixotina que também me lembro bem da sua promessa de falar seu nome depois de ver a arma de fogo.

    Quixotina voltou aonde estavam e falou:

     — Sabe, arma de fogo é um péssimo nome, acho que um nome melhor seria arma do trovão, e pólvora negra também é um nome ruim, poderia ser pó da morte e a granda deveria ser laranja explosiva, não concordam? 

    — Não adianta ficar inventando nomes horríveis para fugir do assunto, pode falar seu nome, senhorita. — Carlos disse sorrindo.

    Quixotina vendo que não tinha escapatória, repetiu o movimento que Carlos fez, só que com muito mais graciosidade, ficou de joelhos com uma mão no joelho e olhando para o chão e disse:

     — Eu,  Luíza Esterhazy de Viseu prometo ser sua fiel cavaleira e lutarei por você até o fim. — Após dizer isso riu, apenas se levantou de forma graciosa sorriu e falou:

     — Luíza Esterhazy de Viseu, esse é meu nome, e para todo cavaleiro promessa é dívida, e aqui estou quitando minha dívida, apenas saibam que desde que vim para o novo mundo, deixei esse nome para trás.

    Tassi curiosa perguntou: — Porque deixou esse nome para trás? É um nome tão bonito.

    Olhou para seus pés, pensou por um tempo, suspirou levemente então respondeu. — É uma longa história…

    — Não tem problema, pode falar.

    Suspirou mais uma vez e começou a caminhar lentamente em direção a uma pedra que estava debaixo de uma árvore do lado da mata e se sentou e esperou chegarem perto e se sentarem também, então começou a falar:

     — Desde de pequena já sabia exatamente quais eram meus dois únicos deveres, sempre soube disso pois minha família sempre dizia isso pra mim. Meu primeiro dever era casar com o Duque Afonso de Viseu do Reino de Portugal, ele era uns vinte anos mais velho que eu, minha missão de vida era essa, casar com ele para estreitar os laços de nossas famílias. Meu outro dever como mulher era gerar um herdeiro que pudesse usar a gema da força e da luz. Toda minha vida foi planejada para isso, assim que meu casamento foi planejado comecei a aprender etiqueta e português, aliás até meu nome original foi mudado, não me chamava Luíza, mas o Duque achava meu nome difícil de pronunciar e pediu para mudarem.

    Carlos estava sentindo uma mistura de ódio e nojo ao ouvir essa história. Já Tassi que vivia nesse mundo e já viu coisas piores não estava tão surpresa, estava mais curiosa para saber o nome original de Luíza: — E qual era seu nome?

    — Eu não sei, era tão pequena quando mudaram que nem me lembro mais…

    Tassi e Carlos ficaram chocados ao ouvirem isso. Quixotina suspirou mais uma vez e continuou.

    — Minha vida já estava escrita, com um começo, meio e fim já demarcados. Toda minha família trabalhava para que pudesse realizar meus deveres, tudo que era me ensinado tinha esse fim… 

    — Mas havia uma pessoa da minha família que era a exceção e que me ensinava coisas que não precisava saber, era o meu tio Frederico, um nobre de verdade, que já lutou em cruzadas, por isso era muito respeitada pela nobreza, mas minha família o odiava pois vinha sempre brincar comigo, ou contar histórias de suas aventuras, também me ensinava coisas que era inúteis para uma mulher cujo objetivo de vida era apenas parir um herdeiro, me ensinava a ler e escrever. Minhas melhores memórias naquele lugar eram de eu sentada no colo do meu tio com ele lendo histórias de cavaleiros lutando contra magos malvados ou dragões para então poderem resgatarem suas donzelas em perigo.

    — Parando para pensar melhor, minhas únicas memórias boas eram com meu tio. Amava cada segundo que passava com ele, ainda mais porque podia escapar das aulas entediantes de etiqueta e português. De tanto ouvir histórias sobre cavaleiros e donzelas comecei a sonhar com isso e teve uma vez que pedi pro meu tio para ser uma cavaleira e fazer atos heróicos, quando falei isso para meu tio ficou sem reação e teve uma expressão de imensa tristeza, tanto que chorou, nunca vi meu tio chorar além daquele dia, me lembro que apenas sumiu do meu quarto me deixando sozinha, na hora comecei a chorar também por achar que a culpa era minha por ter perguntado aquilo.

    — No dia seguinte meu tio brigou com meus pais, foi uma briga muito feia, estavam gritando muito, só queria que parassem de gritar e o pior na minha cabeça a culpa era minha, pois ouvia meu nome ser falado várias vezes. Agora como adulta vejo que meu tio estava brigando por mim, e eu não era a culpada, meus pais eram. Depois de um tempo a gritaria tinha acabado, e meu tio veio me ver, comecei a chorar e pedir desculpas por perguntar se podia ser uma cavaleira, ele parecia surpreso ao ouvir isso, me abraçou gentilmente e me disse: “Nunca peça desculpas por sonhar”.

    — Apesar de me falar isso meu tio não me respondeu se podia ser uma cavaleira, mas passei a ter mais tempo com ele, além disso me deu uma espada e começou a me ensinar a usá-la, me dizia que precisava aprender a usar a espada para poder derrotar monstros, fiquei muito feliz com isso, mas a minha família sempre olhava com um olhar feio para nós dois, meu tio sempre olhava para com um olhar mais feio ainda. Não entendia porque minha família não se dava bem e ficava triste com isso.

    — Minha vida continuou assim até que me tornei adulta1 aos meus doze anos. No dia que me tornei adulta toda minha família ficou em polvorosa e animada pois agora poderia me casar com o Duque Afonso e cumprir meu dever, como todo mundo estava animado, também estava animada, só meu tio que estava muito triste num canto. Vendo isso fiquei triste também, porque teria que me mudar para bem longe para me casar, não iria mais ver meu tio Frederico e pensar nisso me deixava muito triste.

    — Apesar de todo mundo dizer que havia me tornando uma adulta, não me sentia uma adulta, e vendo agora não era mesmo adulta, apenas era uma criança.

    — No dia que da minha partida meu tio não estava em lugar nenhum, achei que nunca mais iria vê-lo e pensar assim me dava vontade de chorar, mas antes de entrar na carruagem para ir ao meu destino meu tio apareceu, vi que meus pais ficaram irritados com isso, pois fizeram uma cara muito feia e iam começar a discutir com meu tio, mas bastou um olhar do meu tio para o lado deles que meus pais se calaram. Os olhos do meu tio estavam vermelhos e os meus também, acho que nós dois tínhamos chorado a noite inteira, nas mãos dele havia um livro, mas antes que pudesse perguntar sobre ele, meu tio me abraçou, nessa hora usei todas as minhas forças para não chorar, pois estava toda maquiada e se desmanchasse a maquiagem minha mãe ficaria muito brava comigo, enquanto me abraçava disse baixinho para mim:

    “Luíza infelizmente não consigo te dizer que você pode ser o que você quiser, mas te digo uma coisa, você pode continuar sonhando, mas no dia que você achar que não é mais capaz de sonhar, quero que leia este livro”, ao dizer isso me soltou de seus braços o que me deixou muito triste e entregou o livro que estavam em sua mão na capa estava escrito “Dom Quixote de La Mancha de Miguel de Cervantes”.

    — Depois disso entrei na carruagem, e comecei minha jornada até onde seria minha nova casa, onde veria meu marido pela primeira vez, estava ansiosa para ler o livro do meu tio, mas a carruagem tremia demais, fiquei horas na carruagem até que páramos, achei que tínhamos chegado em meu destino mas não, teria que entrar em um barco, no pouco tempo que tinha em terra esperando carregarem o barco, pude admirar o mar, algo que antes só tinha lido em livros, parecia que estava em uma aventura. Nem lembro quanto tempo durou a viagem depois desse momento pois passei o tempo sonhando acordada olhando para o mar, depois voltamos em terra e tive que andar um pouco mais de carruagem até chegar no ducado do meu marido. Quando desci da carruagem a primeira pessoa que eu vi era meu marido, não sabia que era ele de início, pois no retrato era muito diferente uma pessoa jovem, bonita e elegante, mas a pessoa que estava a minha frente era tudo menos isso, era uma pessoa com uma pele cheia de acne, um queixo gigantesco e tinha uma barriga enorme. Parecia feliz ao me ver e todo mundo também parecia feliz, e mal cheguei e já teve a cerimônia de casamento, já estava tudo preparado para minha chegada, meu marido parecia ter muita pressa, não sabia o porquê dele ter tanta pressa… Hoje sei porque tinha tanta pressa.

    Quixotina suspirou pesadamente e tinha uma expressão de muita tristeza em seubrosto, Carlos e Tassi também estavam angustiados pois já imaginavam o que vinha a seguir.

    — Após o casamento fiquei num quarto a sós com meu marido, as luzes de velas não iluminava o quarto completamente, lá tive que cumprir meu dever como mulher, odiei cada segundo daquilo…

    1. Na europa da idade média, normalmente o dia em que uma mulher se tornava adulta era quando começava a menstruar e a partir daí tomar seu dever como esposa e gerar filhos. ↩︎

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