Capítulo 35 - Quixotina Parte II
Quixotina ficou quieta por um tempo, sem falar nada, Carlos até perguntou se estava bem e Tassi disse que não precisava continuar.
— Estou bem, já superei isso, e me preparei para contar minha história hoje, aliás me preparei desde de o dia que vocês mataram o boitatá. Essa é a segunda vez que conto a minha história, a primeira vez foi para a Aqua. Enfim, continuando com a minha história…
— No dia seguinte estava horrível, e passei a ter nojo de meu marido e de mim mesma, chorei muito, mas minha mãe já havia me falado que me sentiria assim, que toda mulher se sente assim e que esse é o dever que Deus deu a mulher, de satisfazer seu homem, por isso aguentei, por semanas. Estava tão mal com isso, apenas chorando e estando triste que havia me esquecido completamente do presente do meu tio. Até que um dia não aguentava mais, subi até o ponto mais alto da mansão e pretendia dar um jeito de pular da janela e acabar com esse sofrimento, mas nesse momento me lembrei das palavras de meu tio o que me deu esperança, rapidamente desci as escadas e fui até meu quarto, peguei o livro e comecei ler.
— Infelizmente me decepcionei com o livro, pois aquilo não era um livro de cavaleiros, era um livro que justamente zomba dos livros de cavaleiros, o protagonista do livro era um louco que achava que era um cavaleiro, mas na realidade lutava contra moinhos de vento, no livro também não havia donzelas em perigo, aliás as mulheres do livro pareciam mais capazes do que as donzelas que ouvirá tanto. Estava odiando o livro, até chegar à última página, nela havia um colar de ouro com uma gema vermelho vinho e uma mensagem de meu tio, era uma mensagem bem breve:
“Luíza se está lendo isso é porque você parou de sonhar, mas não pare, você tem o mundo pela frente. Meus únicos arrependimentos dessa vida é que não pude te ajudar mais, e que não respondi naquela noite que você poderia ser uma cavaleira, mas te digo agora, você pode, mas você terá que lutar por isso. Este livro e colar são meus últimos presentes para você, este colar tem a gema da força, você é uma adepta da gema da força, basta colocar a magia nela que você sentirá seu corpo se fortalecendo e com você poderá derrotar quaisquer dragões e monstros em seu caminho, apenas se lembre de tudo que lhe ensinei com a espada, e saiba que, monstros também assumem uma forma humana, e quando se luta contra monstros pode se jogar um pouco sujo”.
Quixotina então voltou o olhar para Carlos e Tassi e disse: — Então o que vocês acha que fiz ao ler essa carta e ter esse colar?
Não esperou por uma resposta disse: — Não fiz absolutamente nada, apenas guardei os dois e fiquei confusa e decepcionada. Afinal ainda era uma criança, não entendia o que meu tio queria me dizer, mas perdi a vontade de acabar com minha vida e resolvi aguentar mais um pouco até descobrir a resposta.
— Além de ter que ficar tentando ter um herdeiro com meu marido, também tinha que o acompanha-lo em eventos sociais, a gente saia da mansão dele e passava pelo seu ducado de carruagem, apesar dele possuir uma mansão tão grandiosa, o ducado dele parecia pobre, só havia pessoas magricelas vestindo trapos rasgados, tinha ouvido falar que as pessoas estavam passando fome pois naquele ano havia tido uma colheita ruim, mas dentro da mansão não se percebia isso, havia muita comida sempre, tanto que muita comida era jogada fora. Nos eventos sociais da nobreza era a mesma coisa, me lembro bem de estar em uma festa da nobreza e uma empregada acabou derrubando uma taça de vidro sem querer, logo todos os nobres começaram a gritar com ela, chamando-a de imunda e inútil, até meu marido fez parte disso, e a dona da empregada foi e bateu nela com um pedaço de madeira, todos os nobres riram da empregada. Eram totalmente diferentes dos nobres das histórias, mas não tão diferentes da minha família.
— Foi aí que entendi, a nobreza que estava vendo era a nobreza de verdade, nesse mundo não existiam nobres que defendiam os ideais de justiça e valor, e donzelas em perigo não seriam resgatadas por cavaleiros justos e bondosos. Aí me lembrei da carta do meu tio, “monstros também assumem formas humanas”, finalmente entendi tudo o que quis dizer, e entendi o livro também.
— Quixote era louco, porque acreditava num mundo ideal que não existia, mas apesar disso lutava em virar um cavaleiro ideal de suas histórias. Claro, isso é a minha visão do livro, mas pra mim isso se tornou uma verdade, e acho que era por isso que meu tio me deu esse livro. Se Quixote era louco por querer ser um cavaleiro ideal e lutar pela justiça, então também lutaria pelo meu sonho, e seria uma cavaleira, mesmo que todo mundo me achasse louca. O nome Luíza foi um nome que meu marido escolheu para mim e odiava isso por isso decidi que eu teria um novo nome que eu mesma escolhi, seria a cavaleira Quixotina de La Mancha.
— No dia que entendi isso, realmente me tornei uma adulta, tinha treze anos, não me tornei uma adulta com doze como minha mãe me disse.
Carlos pensava que aos 13 anos também não era idade para ser considerada adulta, mas ficou quieto, apenas sentindo tristeza por tudo que havia passado.
— Com essa mentalidade bolei meu plano, que era bem simples. No quarto do meu marido havia uma armadura grudada na parede, era uma armadura de muito mal gosto, pois havia uma proteção para o pênis dela na armadura, mas isso não importava no momento, porque além da armadura havia uma espada com uma gema da luz, diziam que ter dois pais com aptidão a gema da luz aumentava as chances de ter um herdeiro com o mesmo poder. Esperei meu marido adormecer enquanto fingia ler o livro de Dom Quixote, para minha sorte meu marido não se importava com nada do que fizesse desde de que cumprisse meu dever como mulher, assim que adormeceu peguei o colar com a gema da força que estava grudado no livro, não sabia como ficou grudado lá, mas isso não importava no momento, fiz como meu tio disse e coloquei magia no colar e senti minha força aumentando, peguei a espada que estava na parede e cortei o pescoço do meu marido, ele nem fez um barulho sequer. Não sentia nenhum remorso ao fazer isso, pois como meu tio havia dito, havia monstros que tomavam a forma humana e esse era um deles.
— Após isso gritei com toda a minha força “SOCORRO, GUARDAS!”, corri me escondi atrás da porta e esperei os guardas entrarem, assim que entraram cortei eles pelas costas um a um. Não foi muito cavalheiresco da minha parte, mas apenas queria sair dessa vida e também fazer algo que realmente fosse justo e bom. Continuei gritando loucamente e matando os cavaleiros um a um, até não sobrar nenhum no castelo, nenhum cavaleiro esperava que a menina de treze anos que gritava por socorro fosse a mesma que estivesse matando os guardas, cada guarda deixava meu vestido branco mais ensanguentado, depois que todos os guardas foram eliminados apenas disse chorando para os empregados que um assassino matou meu marido e todos os guardas do local, os empregados não pareciam muito convencido afinal meu vestido branco estava vermelho de tanto sangue, mas se acreditaram nisso ou não, não importava.
— Nesse momento, se quisesse poderia ter a mansão para mim e continuar vivendo uma vida de luxúria, mas odiava aquela mansão, odiava aquela vida e odiava a nobreza, então iria destruir tudo aquilo ao mesmo tempo que faria o que era certo.
— Na manhã seguinte, reuni todos meus empregados e disse a eles para não falarem para ninguém sobre o que aconteceu de noite. Então mandei eles me seguirem até o tesouro do meu marido, peguei uma pequena quantidade das moedas para mim e depois dei todo o restante de moedas para todos os empregados, e pedi para eles que começassem a distribuir toda a comida que estava na mansão para os famintos. Nunca vi um grupo de pessoas com caras tão surpresas na vida, nem acreditavam que aquilo era mesmo real, mas mesmo assim começaram a fazer o que pedi. Depois de alguns dias só restava um pouco de comida na mansão, suficiente apenas para os empregados viverem bem por um tempo.
— Quando vi que não tinha mais nada a fazer pelo povo dali, apenas peguei meu livro, meu colar, e armadura asquerosa do meu marido e sua espada e me preparei para ir embora e nunca mais voltar. Alguns empregados me viram e me perguntaram o que ia fazer, apenas respondi para eles o que faria, novamente seus rostos ficaram em choque e os empregados ficaram desesperados e me perguntaram o que eles deviam fazer. Essa me pergunta me deixou surpresa, achei que estariam felizes por estarem livres daquele velho nojento, mas deixei esses pensamentos de lado, suspirei e disse:
— “Isso é algo que vocês mesmos devem decidirem, vocês tem comida e dinheiro, podem fazer o que quiserem”, pensei um pouco mais antes de dizer: “Que tal vocês irem atrás do sonho de vocês?”. Então sai daquela mansão e nunca mais olhei para trás.
Ao ouvir isso, Carlos apenas pensou: “Puta merda, não sei se teria coragem de fazer algo assim, que história.” Tassi também não tinha um pensamento tão diferente do dele.
Quixotina que estava meio cansada de tanto falar, se espreguiçou um pouco e continuou:
— Depois disso apenas queria fugir de tudo isso e ir o mais longe possível, o que lugar seria melhor do que o novo mundo, um mundo cheio de monstros a serem derrotados, tribos canibais a serem exterminadas e cidades de ouro a serem descobertas. Claro que estava toda iludida e vi que a realidade daqui era completamente diferente e pior ainda na viagem descobri que estava grávida. Quando cheguei aqui e vi que na realidade aqui apenas tinha índios sendo exterminados para que senhores de engenho pudessem por seus escravos para plantar e fazer açúcar.
Quixotina então esboçou um pequeno sorriso no canto dos lábios e começou a falar: — Porém tinha um lugarzinho onde não existia isso, sem nobres e sem donos de escravos, esse lugar é aqui, um lugar onde pessoas livres lutam por sua liberdade, como cavaleira é meu dever ajudar nessa luta e também precisava de um lugar para ficar para dar a luz a minha filha. Claro que depois também descobri que aqui tem alguns escravos, nada é tão simples nesse mundo… Talvez não exista um lugar no mundo os verdadeiros valores da nobreza estejam sendo protegidos, mas ainda prefiro a vida daqui do que a de lá.
— Por sorte a gravidez ainda estava no começo então consegui chegar até aqui, no começo não fui bem aceita por ser branca, o que era natural, mas Aqua viu que que estava grávida e me ajudou desde que pus os pés aqui, e foi ela a primeira pessoa com quem falei sobre a minha história. Com a ajuda dela dei a luz a minha amada Dulcinéia. Aliás, o rei daqui até queria me fazer sua concubina, mas Aqua me protegeu.
— Que história incrível, você é mesmo uma guerreira. — Disse Tassi sorrindo para ela.
— Concordo completamente, sabe, no seu lugar nem sei o que faria, só sei que você tomou a escolha certa e aquele homem nojento teve seu fim merecido. — Disse Carlos concordando com Quixotin.
Após dizer isso pensou um pouco e disse: — Mas porque você trouxe a armadura dele para cá?
Quixotina estufou o peito e disse: — A armadura dele era de uma qualidade muito alta e que cavaleira seria se não tivesse minha armadura? Só tive que pedir para Nia fazer algumas alterações, aliás fiquei bem feliz por ver uma ferreira mulher, de qualquer forma vocês já viram o resultado final, não ficou maravilhosa?
“Ahhhh, então é aquela armadura com aqueles peitão, que só serve de propaganda enganosa. Não acho que seja maravilhosa, acho meio tosca até, mas depois de ouvir a história dela não posso deixar de falar.”
— É mesmo maravilhosa.
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