Índice de Capítulo

    Carlos sentia o peso da nova responsabilidade sobre os ombros. Liderar um quilombo inteiro era uma tarefa que ia muito além de qualquer coisa que ele havia experimentado em sua vida passada, onde seu máximo de liderança se resumira a coordenar um trabalho escolar em grupo. Agora, ele era o chefe de uma cidade — pequena para os padrões modernos, sem dúvida, mas uma cidade, com vidas, histórias e futuros dependendo de suas decisões.

    Sentado à mesa rústica de sua casa, o aroma de madeira encerada e o mofo úmido do cômodo enchendo suas narinas, ele passava os dedos sobre a lombada de alguns livros escassos. A luz fraca de uma vela de sebo projetava sombras dançantes nas paredes de taipa, criando um ambiente ao mesmo tempo íntimo e opressivo.

    “Quantas pessoas tem nesse mocambo? E qual o trabalho delas? Preciso saber de tudo. Vou falar com Aqua. Ela deve ter as informações de que preciso.”

    Levantou-se da cadeira de madeira, que rangiu com seu movimento, e seguiu pelo chão de terra batida até a casa de Aqua. A estrutura era um pouco maior que a sua, mas igualmente humilde. Bateu na porta de madeira maciça, cujas veias e nós pareciam contar histórias.

    Uma voz serena veio de dentro.

    — Pode entrar.

    Ao abrir a porta, o cheiro adocicado de baunilha e leite atingiu seu olfato. Aqua estava sentada em uma cadeira alta, com uma tigela de barro nas mãos, saboreando algo cremoso com uma colher de madeira. Seus olhos experientes pousaram sobre Carlos, e ela fez um gesto gracioso em direção a uma cadeira vazia à sua frente, forrada com um tecido simples.

    — Senta-se, moço. Sabe — disse ela, levando outra colherada à boca —, esse “sorvete” seu é realmente uma delícia. Frio, cremoso… uma invenção maravilhosa.

    Carlos arregalou os olhos, surpreso. Ele havia preparado a iguaria apenas para Quixotina, em um momento de descontração. Como Aqua poderia saber?

    Ela notou sua expressão e um leve sorriso iluminou seu rosto enrugado, seus olhos brilhando com uma centelha de diversão.

    — Você é novo no quilombo, é natural que não me conheça bem ainda. Saber dessas coisinhas é parte do meu ofício. De qualquer forma — continuou, colocando a tigela de lado —, gostaria de lhe contar uma história. Minha história, para ser mais exata. Claro, só se um moço curioso como você estiver disposto a ouvi-la.

    Carlos, ainda processando a revelação, limitou-se a acenar com a cabeça, num gesto silencioso de assentimento.

    — Pois bem — começou Aqua, ajustando-se na cadeira. — Saiba que fui a primeira rainha que este quilombo teve. E mesmo antes de ser arrancada da minha terra e trazida para cá, eu era uma princesa no Reino do Congo. Liderava meu próprio exército contra invasores, até o dia em que fui capturada, acorrentada e vendida como escrava. Trouxeram-me para o Brasil, mas a submissão nunca foi meu destino. Logo armei uma rebelião e, assim como você, moço, matei o meu senhor.

    Ela fez uma pausa, seus olhos perdendo-se na memória de um tempo amargo.

    — Naquela época, não existia refúgio seguro para escravos fugidos. Nosso pequeno grupo andava dia e noite, com o som dos capitães do mato e dos cães de caça sempre ao nosso encalço, um som que até hoje ecoa nos meus ouvidos. A fome era nossa companheira constante, e o medo, um sabor amargo na boca. Fomos nos embrenhando cada vez mais na mata, longe de qualquer vestígio da tal civilização, mas eles não desistiam. Até que chegamos à Montanha do Calango — ela apontou com o queixo em direção à janela. — Esta mesma montanha que nos protege. Dentro dela, encontramos cristais de gema do fogo. E eu, como princesa congolesa e praticante das artes do fogo, aprendi desde cedo a talhar coisas simples com essas pedras.

    Aqua pegou o colar que pendia de seu pescoço. A gema vermelho-alaranjada cintilou à luz da vela, como uma brasa viva.

    — No Reino do Congo — explicou, acariciando a pedra com os dedos calejados —, nossos guerreiros são exímios usuários da gema do fogo. Foi isso que nos permitiu conquistar nossos vizinhos. Até os europeus não sabiam talhá-las como nossos artesãos reais. Por sorte, todos da família real aprendem o básico, pois a gema do fogo é o símbolo da nossa linhagem. Então, eu sabia como entalhar runas básicas: ativação por comando, propagação de chamas… Usei esse conhecimento para incendiar a mata onde nossos perseguidores se escondiam.

    Seu rosto se tornou sério, a luz da vela acentuando suas feições duras.

    — O fogo crepitou, as árvores estalaram e… podia-se ouvir os gritos vindos da mata em chamas. Gritos de agonia, de desespero. Mas não senti pena. Nenhuma. Se nos pegassem, moço, fariam coisas muito, muito piores conosco.

    Ela tomou um gole de água de um copo de barro ao seu lado antes de continuar.

    — Depois que as cinzas esfriaram, nós nos assentamos no mesmo lugar onde os capitães do mato haviam queimado. Por um tempo, a vida foi pacífica. A terra era fértil, o ar era puro. Foi nessa época que conheci o amor da minha vida. Um homem bom, de coração forte… infelizmente, ele já partiu, sua vida ceifada durante um ataque ao quilombo.

    Um suspiro profundo escapou de seus lábios.

    — Foi durante essa era de paz que dei à luz ao ganga atual, Zala. Vivemos em relativa tranquilidade por anos, até que mais pessoas livres ouviram falar do nosso santuário e vieram até nós. A notícia se espalhou como fogo no capim seco. Infelizmente, não foram apenas almas necessitadas que nos encontraram. Logo, os capitães do mato voltaram a nos atacar. Sempre conseguimos repelir os ataques, por quaisquer meios necessários — ela enfatizou as palavras, olhando fixamente para Carlos. — Isso sempre incomodou Zala, que tem uma natureza pacífica e evita conflitos. Ele me lembra o meu pai… um homem bom, que se converteu ao cristianismo na esperança de ter melhores relações com os portugueses.

    Seu tom se tornou amargo.

    — E os portugueses, é claro, começaram a comprar os nossos prisioneiros de guerra. Como vender escravos era lucrativo, surgiram hordas de caçadores que capturavam pessoas livres para vendê-las. Os reinos vizinhos, seduzidos pelas armas mágicas europeias, começaram a nos atacar para sequestrar nosso povo. Foi um ciclo vicioso e sujo: tínhamos que vender mais e mais pessoas para comprar armas mágicas, para assim nos defendermos e… capturar mais pessoas para vender.

    Carlos olhava para Aqua com uma expressão complexa, uma mistura de compreensão, horror e uma ponta de julgamento que ele não conseguia disfarçar por completo.

    — Entendo perfeitamente esse seu olhar — disse ela, sem se ofender. — Infelizmente, moço, neste mundo não existem heróis ou vilões puros, apenas sobreviventes. Sei dos erros que cometemos. Sei, agora, que o caminho da paz do meu pai foi um erro ingênuo. Ele deveria ter queimado o primeiro navio português que atracou em nosso reino. Deveria ter queimado qualquer reino que ousasse fazer comércio com os europeus. Deveria ter queimado todos os senhores de escravos! Mas para isso, seria preciso conflito, e meu pai odiava a violência. Só começou a atacar os reinos vizinhos para conseguir mais cativos porque estávamos sendo dizimados e precisávamos desesperadamente das armas mágicas europeias para nos defender.

    Aqua balançou a cabeça, uma profunda tristeza em seus olhos.

    — Zala é a imagem do meu pai. Só conhece o mundo protegido do quilombo. Sabe que somos atacados, é verdade, mas sempre esteve seguro na Serra da Vitória, longe do cheiro de sangue e da violência crua. Ele nunca sentiu o ferro em brasa da escravidão na própria pele. Assim como eu nunca senti, quando era uma princesa distante em meu palácio. Os escravos que viviam abaixo de mim eram… invisíveis. Só passei a verdadeiramente me importar quando me tornei uma deles.

    Ela fechou os olhos por um momento, como se carregasse um fardo pesadíssimo.

    — Protegi Zala demais. Não queria que ele conhecesse a crueldade do mundo lá fora. E vejo agora que cometi um erro. Ele é um bom rei, sem dúvida, para um reino em paz. Mas nós… nós nunca teremos paz. É por isso que o escolhi para me suceder, Carlos. Porque você, com seu conhecimento estrangeiro, pode forjar as armas necessárias para que Zala, um dia, tenha a força para assumir essa luta.

    Aqua abriu os olhos e fitou Carlos diretamente.

    — Bom, essa é a minha história. Agora, imagino que você tenha um mar de perguntas na cabeça.

    “Sua história me lembrou um pouco a da Tassi… Mas não sei se concordo com sua ideia de queimar todos os navios de comerciantes. No fim, todos ficam manchados de sangue. Mas não vim aqui para discutir filosofia… Preciso de fatos.”

    — Obrigado por partilhar sua história comigo, Aqua — disse ele, com respeito genuíno na voz. — Agora que sou o novo chefe do mocambo, tenho muito que aprender. Para começar, pode me dizer quantas pessoas vivem exatamente aqui?

    Aqua pensou por um instante, seus dedos tamborilando no braço da cadeira.

    — Nunca fizemos uma contagem exata, mas acredito que sejam por volta de três mil almas.

    — E em todo o quilombo, quantas pessoas vivem?

    — Ah, essas devem ser umas vinte mil, talvez.

    Carlos sentiu um frio na espinha, mas também uma centelha de otimismo. Vinte mil pessoas. É uma população considerável, uma base sólida para começar.

    — E qual a profissão da maioria delas? — perguntou, se aproximando.

    — A maioria, sem dúvida, trabalha com a agricultura. Uns poucos integram o exército. O resto, os que sobraram, são artesãos: oleiros, ferreiros, carpinteiros… ofícios essenciais, mas em número reduzido.

    — Quantos sabem ler?

    Aqua franziu a testa, surpresa com a pergunta.

    — Olha, moço… acho que no máximo umas cem pessoas em todo o quilombo devem ser letradas. Talvez menos.

    — Hummm — Carlos fez um cálculo rápido mentalmente. — 0,5% da população. Isso é muitíssimo pouco. Precisamos resolver isso com urgência.

    Aqua observava-o, visivelmente intrigada. Suas perguntas eram inesperadas, e aquela última frase, cheia de números, soava como um delírio. Uma ponta de dúvida surgiu em seu coração. Terá sido um erro indicá-lo?

    — O que você planeja fazer com todas essas informações? — questionou, com um tom mais cauteloso.

    — Estou apenas avaliando o tamanho e a qualidade da nossa mão de obra — explicou Carlos. — Para iniciarmos uma revolução industrial, precisamos de muita gente e de gente capacitada.

    — E por que você quer fazer essa tal de revolução industrial? — insistiu Aqua, sua confusão só aumentando.

    — Para aumentar a qualidade de vida de todos. No meu mundo, no início, a revolução industrial piorou a vida de muitos, é verdade. Homens, mulheres e crianças trabalhavam por uma miséria em condições desumanas. Mas não pretendo repetir esses erros. Não pagaremos salários de fome e nem exploraremos crianças.

    Aqua ficou em silêncio por um momento, absorvendo suas palavras.

    — Entendo — disse finalmente, embora não parecesse totalmente convencida.

    — E quanto à saúde? Existe alguém aqui que possa usar a gema da cura?

    Aqua suspirou profundamente, e Carlos pôde sentir o cansaço e a frustração contidos naquele som.

    — Temos algumas pessoas com o dom, sim. Mas a Igreja controla todas as minas de gema da cura no ocidente. Claro, há contrabando dessas gemas de vez em quando, mas a Igreja não vende apenas as gemas; ela controla os métodos de talhe que permitem que a gema cure. E ela não vende as ferramentas mágicas de cura. Compramos alguns remédios da Cidade Santa ocasionalmente, mas são caríssimos. Por sorte, temos uma benzedeira no quilombo com uma ferramenta mágica que permite curar ferimentos leves.

    — Uma dúvida que possuo, como assim, controlam os métodos? — Carlos estranhou. — Não é só talhar a gema com os símbolos corretos? Qualquer um poderia examinar os entalhes de uma gema da cura e copiá-los, não?

    — Infelizmente, não é tão simples — explicou Aqua, balançando a cabeça. — Para algumas gemas, sim, basta copiar os símbolos. Mas a gema da cura é… teimosa. Além de ter que talhar runas específicas em áreas precisas da pedra, elas devem ser feitas em uma sequência secreta que só a Igreja conhece. E a gema precisa estar montada em uma armação de prata — um colar, um cetro, um anel. Apenas a prata permite que o poder da gema se manifeste. É uma arte muito mais complexa do que trabalhar com a gema do fogo, que é bem mais simples e direta.

    Tomando outro gole de água, continuou.

    — Mas o maior obstáculo é que a gema da cura é extremamente dura. Ninguém sabe que material a Igreja usa para talhá-la, pois há gemas que só permitem ser trabalhadas se banhadas em certos ácidos, ou que só podem ser riscadas por uma ferramenta específica. Algumas até dependem do poder de outras gemas para serem moldadas. Graças a esses segredos, a Igreja acumula rios de dinheiro. Se você quer ser curado, precisa fazer uma doação generosa. E se precisa curar um exército inteiro… bem, deve pagar muito mais, pois estaria cometendo o pecado da guerra. Os remédios comuns também são um luxo. Por sorte, a Papisa da Cidade Santa é uma mulher caridosa, e suas igrejas não cobram para curar os mais pobres, mesmo os escravos. Mas não temos uma igreja dela aqui. E, apesar de sua bondade, ela não poderia nos ajudar abertamente sem irritar os governantes e senhores de escravos da região.

    “De novo essa Papisa… Como uma mulher pode ter se tornado Papa? E será que ela é realmente tão boa quanto dizem? Bom, não adianta divagar. Tenho problemas mais urgentes para resolver. E são muitos. Em primeiro lugar, o analfabetismo. Queria fazer um censo, mas para isso preciso de pessoas que saibam ler e escrever.”

    Carlos suspirou, esfregando o rosto com as mãos.

    — A situação é mais precária do que imaginei. São muitos problemas, mas o primeiro que preciso atacar é a educação. Vou construir uma escola para ensinar nosso povo a ler e escrever.

    Aqua ficou visivelmente irritada com aquilo, e suas feições suaves se contraíram.

    — Como assim, o maior problema daqui é a educação? — questionou, erguendo a voz. — Sem dúvida alguma, nosso maior problema é a defesa! Precisamos proteger nosso povo!

    Carlos se surpreendeu com a intensidade da reação, mas se manteve firme.

    — O problema da defesa já está sendo resolvido. A pólvora e as armas de fogo que estamos desenvolvendo serão um grande equalizador. Além disso — ele argumentou, mantendo a calma —, ter pessoas com conhecimentos básicos será extremamente útil para a defesa.

    A raiva de Aqua se dissipou, substituída por confusão. Vendo sua expressão perplexa, Carlos continuou, enumerando exemplos com os dedos:

    — Por exemplo: quanto de pólvora um batalhão de mosqueteiros gasta por mês? Quanto nós produzimos? Precisamos contratar mais pessoas para a produção? Quanta comida esse exército consome? Quais são os nomes de cada soldado? Qual o histórico deles? São confiáveis? E de quem quer se alistar, de onde veio, qual sua origem? Tudo isso exige registro. Exige leitura e escrita.

    Aqua foi bombardeadapor essa enxurda de questões práticas. Lentamente, porém, o valor daquela ideia começou a fazer sentido em sua mente experiente. Pessoas letradas poderiam organizar a logística, evitar o desperdício de pólvora, controlar os estoques de comida, investigar desvios… ela via o potencial. Mas a realidade prática ainda a assombrava.

    — Entendo seu ponto, moço. Realmente, há valor nisso. Mas mesmo assim, me parece impossível. Onde conseguiríamos pergaminhos e tinta suficientes para todos? Esses materiais custam uma fortuna!

    Carlos sentiu um golpe. “Droga! Esqueci completamente disso. É claro, eles ainda usam pergaminho. Aposto que é caríssimo. Teríamos que fabricar nosso próprio papel primeiro. Pelo visto, a jornada será ainda mais longa e árdua do que imaginei.”

    — Você tem razão — admitiu, frustrado. — Entendo. Vamos deixar a saúde e a educação de lado por enquanto, mas saiba que no futuro elas serão prioridade absoluta. Por agora, vamos focar no que é factível: a industrialização. Pretendo construir fábricas têxteis na zona industrial da cidade. Produzir roupas não é tão difícil; usamos o algodão que nós mesmos cultivamos. O problema será o canal de venda, pois não temos um acesso direto aos mercados. Mas podemos vender para os agricultores livres dos arredores. Se oferecermos um preço baixo, eles podem revender para os mercadores. Aos poucos, a procura vai aumentar, o dinheiro começará a fluir para nossas mãos e, com ele, poderemos comprar ferro para armas, papel e outras necessidades.

    Aqua ouviu atentamente. Metade dos termos que Carlos usou ela não compreendeu, mas a parte final — “o dinheiro começará a fluir” — soou como música para seus ouvidos. Dinheiro significava recursos. Recursos significavam sobrevivência e, talvez, poder.

    — Entendo — disse ela, num tom mais contemplativo. — Infelizmente, não possuo seus conhecimentos estrangeiros, então não posso julgar se é um bom ou mau plano. Só o tempo dirá.

    Ela então ergueu a cabeça, e um novo brilho, mais leve, apareceu em seus olhos.

    — Mas deixando os planos grandiosos de lado, vou lhe falar de algumas vantagens de ser o chefe. Agora você tem acesso a açúcar. cachaça e outros produtos raros por aqui. Pode mandar construir uma casa maior, com móveis de madeira decentes. E também terá guardas para sua proteção a todo momento. Um chefe representa o Ganga Zala perante o quilombo, precisa projetar autoridade e valor.

    Carlos ponderou por um momento.

    — Hummm, entendo. Mas prefiro continuar na minha casa por enquanto. Só vou me mudar quando pudermos erguer uma casa de tijolos. Quanto aos produtos, esses sim, eu aceito. E sobre os guardas… acho que vou pedir à Tassi e à Quixotina. Quero pelo menos ter alguém por perto com quem possa conversar. E, por favor, não me chame de ‘chefe’. É estranho ouvir alguém mais velho sendo tão formal comigo.

    Aqua soltou uma risada genuína.

    — Casa de tijolos, igual à dos senhores de engenho mais ricos? Moço, ainda não chegamos a esse nível de prosperidade! Nem o próprio Zala tem uma casa dessas. Não seja ganancioso! — brincou. — Mas, como desejar. Além disso, você vai precisar de uma assistente, alguém para transmitir seus recados e ajudá-lo nos afazeres. Eu poderia ocupar esse cargo.

    Carlos ficou surpreso novamente. Aqua, notando sua expressão, riu mais uma vez, um som rouco e caloroso que ecoou na sala simples.

    — Ha ha ha! Não se preocupe, jovem, ainda estou bem forte. Não estou com um pé na cova, não! Só quero ver de perto as mudanças que você vai trazer para cá. E, francamente, quero mantê-lo na linha. Conheço todo mundo aqui e tenho o respeito de todos. Conquistar respeito é algo difícil, e imagino que haja muitas pessoas irritadas por ver alguém com menos de um ano no quilombo subir a um cargo tão alto. Com a minha presença ao seu lado, essas vozes se calarão, e ninguém ousará lhe fazer mal.

    — Entendi — disse Carlos, sentindo um peso sair de seus ombros. — Aceito sua ajuda, e agradeço. Só tenho uma última dúvida… Como você descobriu sobre o sorvete que fiz para Quixotina?

    Aqua soltou um leve sorriso, quase uma travessura.

    — Bom, eu tenho meus meios. Guardas me informam sobre muitas coisas. E, além do mais, gosto de passar as tardes conversando com a Quixotina. Já sou uma mulher idosa, não tenho muito o que fazer para passar o tempo. E nada melhor do que comer um pedaço de bolo de fubá, ainda quentinho, enquanto conversamos. Nós duas temos idades muito diferentes, é verdade, mas ambas viemos da nobreza. Nobrezas distintas, de mundos distintos, mas cometemos o mesmo erro: a indiferença com o sofrimento do povo. Ela é… como a filha que eu nunca tive.

    Carlos ficou surpreso ao ouvir aquilo.

    “Não esperava que Quixotina e ela fossem tão próximas. São duas fofoqueiras de alto nível! Nem quero imaginar o que andam falando de mim pelas costas. Mas, no fundo, fico grato por ela estar sendo tão aberta. E ter uma assistente que conhece todos os segredos e meandros deste lugar… isso é mais valioso do que todo o ouro do mundo.”

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