No caminho entre a Cidade Sagrada de Santa Maria e a capital da capitania de Pernambuco, Areia Branca, podia se ver uma imagem totalmente estranha, uma mulher coberta por um robe branco estava em cima de uma carruagem branca com detalhes dourados, essa mulher era não menos que a papisa da cidade sagrada, mas isso não era uma visão tão rara afinal a papisa tinha o costume de visitar as cidades da região e curar os doentes, o que realmente era estranho eram os animais amarrados a carruagem bela e requintada, havia três vacas doentes com várias machucados em suas tetas.

    Vendo isso todos os mercadores e pessoas que passavam olhavam as vacas com olhares confusos afinal para que a Papisa Paula que por muitos era considerada uma santa necessitaria dessas vacas, afinal poderia comprar o melhor leite que quisesse e não precisaria ser dessas vacas moribundas. Porém logo as pessoas deixavam essas pensamentos de lado pois a Papisa era uma mulher santa e deveria ter seus motivos para fazer um ato desses, em seus corações as pessoas se convenciam que ela iria salvar muitas vidas de alguma forma.

    As pessoas não estavam erradas em pensar isso, pois era exatamente isso que a papisa planejava fazer. Dentro da carruagem Papisa tinha o livro “Vacinas: A invenção que salvou mais vida na história da humanidade” estava lendo e relendo uma mesma página sobre a vacina da varíola. 

    “Tomara que isto esteja certo, se estiver mesmo certo isto vai salvar milhões de vidas… O que significa uma promoção para mim, talvez eu seja recomendada para alguma cidade mais importante, apesar de que prefiro ficar aqui onde tenho mais poder e to longe da sede da igreja o que me permite fazer meus experimentos sobre o conhecimento dos livros divinos.”

    Depois de voltar a cidade sagrada, levou as vacas ao curral onde ficavam os cavalos da igreja, deixou as vacas isoladas dos demais animais. No dia seguinte trouxe vários padres e freiras voluntários, e com todo cuidado cortou as vesícula (bolhas na pele do paciente causadas pela varíola, essas bolhas continham um líquido transparente que continha principalmente o vírus da varíola, plasma do sangue e linfócitos) das tetas das vacas, coletou o líquido que saia da vesícula fazia um risco na pele dos voluntários ou cobaias e esfregava o líquido neles. A papisa queria fazer o experimento nela mesma, mas foi convencida do contrário pelos seus subordinadas, aliás eles até se opunham a ela fazer estes experimentos malucos, mas se negava a ouvi-los.

    Depois de alguns dias nas cobaias cresceu uma vesícula e posteriormente uma pústula (uma bolha na pele cheia de pus) no lugar onde foi feita a infecção, com isso fez o mesmo procedimento e aplicou aos demais membros da igreja. Todos sem exceção exibiam algum nível da doença, como febre, mas logo se recuperavam deixando apenas uma marca da pústula, o que seria um destino bem melhor do que a morte que a varíola humana poderia causar, ou cegueira. Pelo menos essa é a teoria do livro, agora a Papisa iria colocar isto em prática.

    “Há uma semana atrás um navio vindo do sul do Brasil fez uma parada na cidade antes de ir a europa, ou esse era o plano, até que foi descoberto que todos os tripulantes estavam infectados com varíola. O navio foi colocado em quarentena sob minhas ordens, estamos fazendo o possível tratá-los ao mesmo tempo em que impedimos uma epidemia… Esses tripulantes serão perfeitos para testarmos a eficácia dessa tal vacina.“

    Com todo cuidado a papisa foi ao navio mercante, e pegou os fluídos de um dos doentes e colocou num único padre que tinha absoluta confiança nela. 

    Após a exposição a doença, o padre ficou em quarentena por dias… mas nada aconteceu. Então fez outro teste com outra pessoa e nada, e depois outro e outro teste, mas nada ocorreu.

    Em seu escritório, olhando para suas anotações e observações, Paula olhava descrente para o que lia, apesar de ser ela mesma que escrevia.

    “Realmente funciona… Eu encontrei a cura de uma doença que matou milhões de pessoas desde os tempos imemoriais… Com isso vou poder salvar milhões de vidas, entretanto tudo que sinto é tristeza, se tivesse isso antes… Mas não importa, tenho isso agora e vou poder salvar milhões de pessoas.”

    “E pensar que tudo que sabíamos sobre a varíola estava errado, ela não é causada por miasma, nem por desequilíbrio de fluidos corporais, não é um maldição nem punição divina, é um “vírus” que se espalha por contato com as vesículas e pústulas dos pacientes, assim como por gotículas que saiam do infectado ao falar e espirrar. É apenas uma pena que este livro não fale mais das doenças e vírus, ele citam esses tais vírus e doenças muitas vezes, o livro já assume que o leitor saiba o que são, mas deve existir outro livro do diabo que contenha esses conhecimentos.”

    Depois de ter esses pensamentos pegou um papel, uma pena e tinta e escreveu uma carta relatando o que fez para a sede da igreja, certos aspectos como o livro do diabo acabaram sendo omitidos.

    No dia seguinte a papisa ordenou que todos os fiéis deveriam ser vacinados, assim como explicou para que as vacinas serviam e como era necessário se vacinarem. Com essa explicação ninguém se recusou a vacinar, pois viviam numa cidade portuária, epidemias e surtos de varíolas eram comuns, todos tinham conhecidos que morreram por varíola, ou si mesmos já pegaram a doenças e ficaram com sequelas como cegueira.

    Não demorou muito para começarem a vacinação em massa, apesar das vaquinhas não produzirem fluídos suficientes para infectar todo mundo, apenas precisavam pegar o fluido das vesículas dos humanos que se vacinaram e com isso começou a primeira vacinação em massa desse mundo que foi bem popular por conta da voz da papisa, que de vez em quando aparecia para vacinar pessoas além de que ter sido a primeira a ser vacinada na campanha de vacinação em massa o que fez com qualquer um que tivesse dúvidas com essa tal vacina, sumisse com elas imediatamente.

    Apesar da Papisa Paula estar muito animada com a descoberta da vacina ainda estava lamentando algo em sua cabeça. 

    “Se nós tivéssemos esse conhecimento antes, talvez meus pais… Não importa, não posso mudar o passado, mas posso mudar o futuro, já mandei uma carta para todas as cidades sagradas da igreja falando como era feita a vacinação, apenas não posso dizer que retirei esse conhecimento dos livros do diabo, mas infelizmente preciso de mais livros do diabo, preciso saber mais sobre as doenças, já revirei todos os livros do diabo que tem na cidade sagrada e mais nenhum deles fala nem um A sobre doenças, preciso de mais livros, muito mais. Preciso falar com Francisco, fiquei tanto tempo focada nesses experimentos que nem tive tempo de receber suas visitas, se não me engano foi vender uns artefatos do diabo para um escravo que entendia disso, talvez este tal escravo saiba mais, é improvável, porém só virei papisa por acreditar nas coisas improváveis.”

    Justamente quando a Papisa pensava isso que um cardeal veio avisá-la que o comerciante Francisco estava querendo falar com ela. Ao ouvir isso nem perdeu tempo, não quis nem esperar o comerciante vir até ela apenas disse para o padre:

    — Me leve até ele!

    O padre ficou meio confuso com a ordem da Papisa, mas a levou mesmo para o estábulo onde Francisco estava com seu burrinho e sua carroça descarregando suas mercadorias.

    — É um prazer te ver Francisco, acho que Deus te mandou para mim pois estava pensando em você, mas me diga irmão, o que você me trouxe dessa vez, por acaso teria algum livro?

    Francisco ficou meio atordoado pois não esperava ver a Papisa Paula nesse estábulo fedendo a bosta de cavalo, mas logo deixou isto de lado, afinal ela era uma pessoa que não se incomodava com esses detalhes, sendo a formalidade um deles, pois segundo ela, todos são filhos de Deus, portanto irmãos e não se deve tratar seus irmãos de forma diferente, o que era bem diferente do último papa que olhava para todo mundo como se fossem inferiores e ordenaram que tinham que beijar sua mão antes de lhe dirigirem a palavra, lembrando isso Franscisco se recuperou rapidamente e disse:

    — Boa tarde, também estava te procurando, tenho muita coisa para te falar, e também já fiquei sabendo da sua nova descoberta da Santa Paula.

    A Papisa Paula se incomodou que Francisco não comentou dos livros e veio puxar papo furado, apesar disso manteve seu sorriso de santa e respondeu calmamente:

    — Graças a Deus descobri uma forma de evitar que mais pessoas morram por esta doença, imagino que tenha visto filas de pessoas na catedral, estavam indo se vacinar, a vacina é uma forma de prevenção de doenças. Adquiri esse conhecimento através de um dos livros do diabo que o senhor me vendeu, aliás devemos parar de chamar eles de livros do diabo, e sim livros divinos pois devem ser uma mensagem que Deus nos mandou para nós ajudar.

    O cardeal que estava acompanhando a conversa dos dois ficou espantado ao ouvir isso, e Francisco também pois a Papisa Paula geralmente falava isso com ele escondido dos outros, mas isso não foi um erro, foi proposital. Rapidamente olhou para o rosto do cardeal e continuou a falar:

    — Graças a esses livros pude obter o poder da gema da alteração e recuperar membros perdidos de crianças e agora impedir que milhares de pessoas dessa cidade morram de varíola. Apenas me pergunto, se esses livros são do diabo, então porque o conhecimento deles ajudaram tantas pessoas? Eu acho que a igreja errou ao banir esses livros incondicionalmente, claro muitos desses livros devem ser queimados por serem blasfemos mas alguns deles não são.

    “Também pude mudar para para meu corpo ideal e quase fui queimada por isso, mas é melhor deixar esses detalhes de lado, algumas coisas ainda devem permanecer milagres.”

    O cardeal ficou pensativo por uns segundos, e logo sua cara de surpresa sumiu e voltou a ficar com uma cara serena. A Papisa ao ver isto não pode deixar de sorrir internamente e pensar.

    “Foi o que eu pensei… Eu sou A Papisa Santa, o homem que virou mulher, a primeira Papisa da história, a mulher que faz milagres como recuperar membros perdidos e agora estou combatendo uma das maiores pragas da humanidade, que nós atinge a séculos. Em quem o povo confiará mais? Num bando de velhos que estão do outro lado do mundo queimando hereges, ou na pessoa que está aqui na frente de vocês salvando vidas e fazendo milagres? Além disso preciso de mais desses livros para salvar mais pessoas e esta mentalidade da igreja de queimar esses livros está simplesmente errada, a igreja pode me considerar uma papisa rebelde, mas eles vão fazer o que? Me excomungar? Depois de tudo que fiz e ando fazendo? Podem vir! Além disso, essa informação vai demorar meses até chegar na sede da igreja, e talvez até mais, não é como se muita gente aqui vai estar disposta a abrir a boca, para me perder e no fim ter um papa que nem o último.” 

    Francisco ficou sem palavras e demorou para recuperar a compostura e responder:

    — Infelizmente está última viagem foi meio infrutífera, não consegui nenhum livro, porém tenho uma história interessante sobre o escravo que conhecia os artefatos do diabo.

    A Papisa Paula ficou desapontada com a falta de livros, porém esse sentimento logo se esvaiu pois ficou bem interessada na história que Francisco falou desse tal escravo. Afinal ele conseguiu reconhecer o valor e o uso desses artefatos do diabo, algo que ela não conseguiu, infelizmente a Papisa não estava interessada em armas, mas talvez este escravo tenha algum outro conhecimento de artefatos que não seja sobre armas, valia a pena verificar isso.

    — Então o escravo disso que iria para o Quilombo da Jabuticaba? E que você poderia ir visitá-lo? Eu acho uma ótima idéia, você poderia ir lá por mim e entregar uma carta para ele, que apesar de ser escravo deve saber ler, afinal conseguiu entender os conteúdos divinos, pelo menos acho que deve ser daí que tirou o conhecimento dessas armas.

    Só de pensar nisso Francisco sentiu um frio na espinha, afinal não ouviu coisas boas dos quilombos, segundo as histórias eram um bando de pretos ladrões que se juntavam e ficavam assaltando engenhos e comerciantes que se aventuravam próximo deles. Francisco estava pronto para recusar a proposta mas a Papisa acabou falando algo antes.

    — To apenas relembrando que alguém vendeu artefatos do diabo ilegalmente, uma pessoa dessas seria considerado um herege, talvez futuramente esses artefatos sejam legais para se venderem, mas apenas para comerciantes selecionados, e talvez esses comerciantes possam ganhar algumas isenções de taxas da igreja… Ou talvez eu deva queimar todos esses hereges comerciantes de itens ilegais como a sede manda, tantas escolhas…

    Ao dizer isso o rosto da Papisa continha um leve sorriso, porém qualquer um poderia ver a malícia nesse sorriso. Não era o rosto de uma santa.

    Francisco começou a suar mais frio ainda, e relutantemente disse: — Eu aceito sua proposta.

    A papisa ergueu os braços e disse:

    — Que proposta? De qualquer forma fico feliz com isso, vou escrever uma carta agora mesmo!

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