Capítulo 41 - Problemas
O primeiro raio de sol mal havia iluminado a janela, tingindo o chão de terra batida da modesta sala com um brilho dourado e pálido. No ar, ainda pairava o cheiro residual da fogueira da noite anterior, misturado ao aroma fresco do capim molhado pelo orvalho. Carlos, Aqua e Tassi se reuniam em torno da mesa rústica, seus rostos iluminados pela luz tenra da manhã.
Aqua quebrou o silêncio, seu olhar sábio percorrendo de Carlos para a guerreira.
— Sabe, menino, você tem uma sorte danada de ter a Tassi ao seu lado — disse, sua voz grave ecoando suavemente na sala. — Sem os poderes dela, esse seu plano ambicioso esbarraria numa fome certa. Mas com ela… a comida deixa de ser um problema. Se a gente quisesse, num único dia dava para produzir o suficiente para alimentar o quilombo inteiro.
Tassi, ouvindo o elogio, estufou o peito com orgulho. Um sorriso largo e confiante estampou seu rosto, seus olhos brilhando como duas esmeraldas.
— Isso fora da guerra! — exclamou, erguendo um punho fechado. — Imaginem o que meu poder poderia fazer durante uma! Vinhas agarrando e prendendo inimigos, a terra sob os pés deles se abrindo, árvores se tornando soldados…
Carlos sorriu, genuinamente impressionado e grato. O som de pássaros cantando do lado de fora parecia ecoar seu contentamento.
— É verdade. Sou sortudo mesmo. E é exatamente por isso que pensar em você só como uma guarda é subestimar demais seu potencial. Você tem usado quantidades enormes de mana ultimamente, e isso só vai aumentar. Seu lugar não é me seguindo o dia inteiro, Tassi. É no coração do que mantém este lugar vivo.
A guerreira bateu o punho no peito com força, fazendo o couro de sua armadura ecoar.
— Isso mesmo! Finalmente estão me enxergando! Precisam me valorizar mais!
— E é isso que vou fazer — Carlos anunciou, seu tom ficando solene. — A partir de hoje, eu te nomeio como minha Primeira Ministra… a Ministra da Agricultura.
Tassi pestanejou várias vezes. O sorriso exuberante se apagou, dando lugar a uma expressão de confusão profunda.
— Ministra? O que é isso?
— Basicamente, você vai cuidar de tudo que envolve a agricultura no nosso país… Que, no momento, não passa desta cidade com dois mil habitantes — explicou Carlos, gesticulando com as mãos. — No futuro, você vai comandar dezenas de pessoas, mas por enquanto, será você quem vai me informar como está a produção de alimentos e grãos, além de aplicar as políticas que eu decidir e realizar experimentos.
O rosto de Tassi se contorceu numa mistura visível de desapontamento e resignação. Ela deixou escapar um suspiro que parecia vir das profundezas de sua alma.
— Parece… chato. Eu queria algo com mais ação, mais emoção.
Ela olhou para as próprias mãos, que faziam brotar vida da terra, como se questionando seu dom.
— Mas sei que meu poder é mais valioso assim. Tá bem, aceito a função.
— Excelente! — Carlos disse, seus olhos cintilando com uma curiosidade científica que Aqua já reconhecia. — E já tenho sua primeira missão. Quero testar se o crescimento mágico que você provoca depende dos nutrientes do solo.
Tassi inclinou a cabeça, interessada, mas ainda cética.
— Para isso — continuou ele, — você vai plantar dois campos idênticos de algodão. Num, use o solo como está. No outro… — ele fez uma pausa dramática, sabendo o que viria a seguir, — você vai mandar coletar os dejetos dos banheiros públicos.
O desgosto foi instantâneo e absoluto no rosto de Tassi.
— Eca! Que nojo! — ela exclamou, fazendo uma careta de repulsa. — Já me arrependi! Por que… fezes humanas?
— Elas são ricas em nutrientes que revitalizam a terra. Sei que é desagradável — admitiu Carlos, adotando um tom mais suave e conciliador. — Mas pensa assim: quando as roupas desse algodão forem vendidas, você vai receber um salário generoso. Poderá comprar todo o sorvete que quiser!
Tassi suspirou profundamente, como se carregasse o peso do mundo em seus ombros largos. Colocou as mãos nos joelhos e se levantou com uma determinação fúnebre.
— Tá bom, tá bom. Tarefa dada é tarefa cumprida. Vou cumprir esta… missão… agora mesmo.Como sou ministra posso encontrar umas almas bem desafortunadas para fazer o trabalho sujo, não é?
Carlos sorriu — Mas é claro que sim!
Ao receber a resposta ela saiu arrastando os pés, e Carlos não pôde conter uma risada baixa depois que a porta se fechou.
— Ha ha ha… ela odeia, mas faz mesmo assim. Sou muito sortudo. Mas, pensando bem, o quilombo ainda é pequeno. Duvido que, mesmo com ela, conseguiríamos alimentar uma cidade grande. Isso vai ser um problema quando a população aumentar… um problema para o Carlos do futuro resolver.
Aqua balançou a cabeça lentamente, seu rosto sério.
— Um líder não pode ficar empurrando os problemas com a barriga, menino… Mas infelizmente, temos problemas maiores no momento. Você não me disse que a produção das suas máquinas não estava indo bem?
— Parte do que ela está fazendo vai ajudar nesse futuro — Carlos explicou, animado. — Se os nutrientes do solo influenciarem na colheita, mesmo com magia, isso quer dizer que talvez, só com a gema da grama e um solo fertilizado, dê para fazer plantas crescerem e produzirem comida. E aí, qualquer um com a gema da grama poderá nos dar uma colheita farta.
— E sobre as máquinas? — Aqua insistiu, trazendo-o de volta ao assunto.
— Ah, sim… a produção das máquinas está mais difícil que o esperado. As Flying Shuttle e as Spinning Jenny foram feitas, testadas e estão funcionando bem. A Cotton Gin tá com as partes de madeira prontas, mas ainda precisa das partes de ferro, que precisam de mais ajustes. Já a máquina de costura… talvez seja impossível. De qualquer forma, vou à oficina verificar isso.
— Eu confio que você vai achar uma solução — disse Aqua, com uma fé inabalável. — Afinal, só você entende dessas coisas.
Após terminarem a conversa, Carlos saiu de casa. O ar quente da manhã bateu em seu rosto, e ele viu Quixotina esperando do lado de fora, encostada na parede de taipa.
— Não acredito que você convenceu a Tassi a aceitar esse trabalho — disse ela, um leve sorriso de surpresa nos lábios.
— Ela reclama, mas faz. É isso que importa. Além disso, não existe função melhor para ela. Sem contar que isso vai me ajudar a entender melhor a magia deste mundo. E se aumentar a produção, melhor ainda.
“Também tive que falar com a Aqua para me ajudar, dando uns elogios para ela… mas tudo que foi dito foi verdade. Ainda assim, me sinto meio mal por usar essa tática.”
Enquanto conversavam, os dois se dirigiram à oficina de Nia. A construção havia crescido, ganhando um novo cômodo. De um lado, vinha o ritmo constante e barulhento dos aprendizes que forjavam armas, o som ritmado dos martelos ecoando como um tambor de guerra.
Do outro lado, no novo espaço, a atmosfera era completamente diferente. O ar, pesado e quente, carregava o cheiro metálico do ferro aquecido. O barulho constante da forja principal dava lugar a um sussurro concentrado: era Nia, murmurando baixinho para si mesma, completamente imersa em seu trabalho. Suas mãos, protegidas por luvas grossas de couro manchadas de fuligem, seguravam com firmeza uma barra de ferro comum. Na ponta, o metal brilhava num vermelho incandescente, aquecido diretamente pelas gemas de fogo embutidas nas próprias luvas. Enquanto isso, o poder da gema de ferro nas luvas fluía de seus dedos, e o metal começava a se mover e se transformar, como uma massa de modelar, tentando tomar a forma que sua mente visualizava. Era como se ela estivesse esculpindo não com ferramentas, mas com a própria vontade. Uma vez satisfeita com o formato, ela usava uma lâmina afiada para separar a peça finalizada do resto da barra, que continuava firmemente presa pela luva. Naquele momento, ela era o coração pulsante da revolução industrial que Carlos tentava trazer à vida.
Entrando no quarto onde Nia estava, Carlos pôde ver inúmeras engrenagens espalhadas pelo chão de terra. Mas essas engrenagens não eram como as de suas memórias; estavam tortas, mal feitas, com os dentes desiguais.
Infelizmente, a magia tinha seus limites. Apesar da aparente facilidade com que o metal se dobrava à sua vontade, Nia já havia explicado a Carlos que as luvas, embora poderosas, não garantiam uma precisão cirúrgica. O metal respondia aos seus comandos mentais, mas como um cavalo selvagem – obedecia a direção geral, mas não cada passo do caminho. Conseguir um acabamento perfeito, com medidas exatas e ângulos precisos, exigia um esforço mental e um consumo de mana desgastantes, um luxo que ela, com sua reserva limitada, raramente podia permitir.
No centro da sala, havia uma máquina de costura aberta, seu mecanismo interno exposto como as entranhas de uma criatura metálica. Nia estava quase com a cabeça enfiada dentro dela, tão focada que nem notou a chegada de Carlos. Ele pôde ver o suor escorrendo por sua nuca, escurecendo o tecido de sua túnica.
— Bom dia… — Carlos tentou usar uma voz suave para não irritá-la. Afinal, desde que chegara ao quilombo, só tinha dado mais e mais trabalho para a ferreira.
Ela se moveu lentamente, virando para ver quem falava. Seu rosto estava marcado pelo cansaço, os olhos fundos, mas ao reconhecer Carlos, um sorriso genuíno e animado iluminou seus traços.
— Essa máquina que você me passou é mesmo desafiante!
Carlos ficou espantado. Esperava encontrá-la irritada, não tão entusiasmada.
— Você… está gostando de trabalhar com ela?
— Mas é claro que sim! — ela exclamou, erguendo os braços, que estavam sujos de graxa. — Sabe o que eu fazia antes de você vir? Panelas e pontas de lança. E depois, mais panelas e pontas de lança! Isso por dez anos, Carlos! Dez anos! Sinceramente, eu não aguentava mais! Agora posso ficar o dia inteiro mexendo com essas gambiarras novas, enquanto deixo as partes chatas para meus aprendizes. Ah, e aliás, finalmente consegui fazer as peças de ferro da Cotton Gin.
— Isso é ótimo! — comemorou Carlos.
— Porém… — Nia continuou, seu rosto ficando sério novamente enquanto apontava para a máquina de costura. — Essa daqui realmente está sendo um desafio. As engrenagens têm que ser perfeitinhas, e algumas são tão pequenas… Mas esse é só o primeiro problema. O segundo me parece quase impossível: a agulha. Eu sei fazer agulhas, mas não com tanta precisão assim… Me pergunto como um ferreiro no seu mundo conseguia peças tão pequenas e precisas. Sorte que minhas mãos são pequenas, mas não o suficiente. Os ferreiros no seu mundo são monstros, por acaso?
Carlos riu, sem jeito.
— Não, não existem mais ferreiros, não desse jeito, no mundo de onde eu vim — ele explicou, relutante. — Você está tendo dificuldade porque o que você está fazendo à mão era feito por máquinas no meu mundo. Provavelmente por uma fresadora e uma perfuradora…
Nia colocou a mão no queixo, manchando-o de graxa. Seus olhos se fixaram no vazio, pensativos.
— Não existem ferreiros? — ela murmurou, como se a ideia fosse incompreensível. — Máquinas que fazem máquinas…
Carlos ia falar algo, mas foi interrompido quando Nia largou a ferramenta que segurava e veio até ele em passos largos, segurando suas mãos com suas próprias mãos ásperas e quentes.
— Isso é sensacional! — ela gritou, seus olhos brilhando com um fogo quase fanático. — Se as máquinas fazem as máquinas, então eu posso ficar inventando e imaginando, enquanto elas fazem o trabalho duro! E ainda vou ter que trabalhar nessas máquinas que fazem outras máquinas, não é mesmo?!
A empolgação dela era contagiante, embora um pouco confusa para Carlos.
— Que bom que gostou da ideia! — ele disse, sorrindo. — De qualquer forma, se não conseguir, não se preocupe. Não vou te pedir o impossível. Posso escolher um modelo de máquina de costura mais arcaico e simples de fazer.
Nia soltou suas mãos de repente e ergueu os braços em sinal de protesto.
— De jeito nenhum! Infelizmente não podemos ficar fazendo máquinas que fazem máquinas agora, então vou ter que fazer essa na mão! E eu vou conseguir! Eu disse que é quase impossível, não que é impossível! Nem que leve cinco, dez anos, eu termino essa máquina, não importa o que aconteça!
“Dez anos?! Não posso esperar dez anos por uma máquina de costura, tenho outros projetos. Mas… ainda vamos produzir muitas roupas sem ela, ou com uma versão mais simples. Espera… se o problema é falta de mana…”
— Nia — ele disse, a ideia se formando em sua voz. — Será que não daria para pedir ajuda de Bentinho, ele ativa a gema de ferro das luvas, e você se foca na gema de fogo?
Ao ouvir isso, Nia parou de repente. Colocou as mãos no queixo novamente, seus olhos se movendo rapidamente enquanto processava a ideia, murmurando baixo para si mesma.
— Isso… pode não ser uma má ideia. Não, pode ser uma ideia ótima! Vou falar com o Bentinho agora mesmo!
Antes que Carlos pudesse dizer outra palavra, ela saiu disparada da oficina como um furacão, direção à carpintaria do outro lado da rua. Carlos saiu andando atrás, sem pressa, mas ao chegar lá, pôde apenas ver Nia sendo repreendida por Seu Vicente na porta da oficina. O velho carpinteiro estava com uma veia na testa saltando de tanta raiva.
— Você tá maluca, mulher! — ele gritava, gesticulando com um formão. — Como é que eu vou ficar fazendo essas peças complexas sem o Bentinho? Não dá!
Ao ver Carlos, a fúria do velho se redirecionou instantaneamente.
— Ah, apareceu o culpado de me dar tanto trabalho! — vociferou Vicente, apontando o formão na direção de Carlos. — Sabe, antes de você aparecer, minha vida era bem mais fácil! Todo dia, fazia umas peças de mesa, umas cadeiras, umas lanças… Agora tenho que ficar fazendo umas gambiarras indecifráveis! E ainda querem me tirar meu ajudante! Todo dia tô trabalhando sem parar! Não sou mais novo como antes!
Em meio aos gritos, a mente de Carlos buscava desesperadamente uma solução para acalmar a situação. A madeira serrada no ar e o som de martelos parando ao fundo mostravam que todos estavam ouvindo.
— Se acalme, Seu Vicente, por favor — Carlos disse, erguendo as mãos em um gesto pacificador. — Eu entendo que o senhor esteja cansado. Mas veja bem, o senhor pode sempre pedir mais assistentes. Aliás, o senhor nem precisa mais trabalhar no pesado. Pode só ensinar o trabalho e supervisionar os ajudantes. E eu não tenho pressa, não precisa se matar de trabalhar.
A respiração ofegante de Vicente começou a baixar. Ele baixou o formão, o rosto ainda carrancudo, mas já menos inflamado.
— É… talvez isso não seja uma má ideia — ele admitiu, relutantemente. — Mas sem o Bentinho…
— Que tal assim? — Carlos propôs, vendo uma abertura. — De manhã, o Bentinho fica com o senhor e corta toda a madeira que precisar. E de tarde, ele vai trabalhar com a Nia. O senhor pode mandar alguém finalizar os detalhes e ficar montando as máquinas. O que acha?
O velho carpinteiro suspirou mais uma vez, um som profundo e resignado. Ele olhou para suas mãos calejadas, depois para as ferramentas, e finalmente para Carlos.
— Tá bem… — ele resmungou. — Mas só tô fazendo isso pelo bem do quilombo, tá? Não é por seu bem. E é melhor que todas essas máquinas funcionem e a gente consiga vender muitas roupas.
“Ufa… Não acredito que consegui lidar com essa situação. Lidar com pessoas é muito, muito difícil.”
Depois de resolver o conflito, Carlos deixou Nia e o carpinteiro se acertando nos detalhes e seguiu em direção ao restaurante da Tia Vera para almoçar, o que havia se tornado seu novo costume.
Dentro do restaurante, o ar estava carregado com o aroma tentador de feijão cozido, mandioca e carne guisada. Vários funcionários das oficinas e da fábrica de pólvora já estavam lá, comendo e conversando em voz baixa. Cada um pegava seu prato de madeira, servia-se das panelas grandes no balcão e se sentava na mesa coletiva. Carlos e Quixotina fizeram o mesmo.
— Quixotina — Carlos perguntou, entre uma garfada de feijão. — Sabe se tem algum outro adepto da gema do ferro no quilombo?
Ela cortava um pedaço de carne com delicadeza antes de responder.
— Sim, há alguns. Mas duvido que os outros mocambos os deixem vir para cá. Afinal, eles trabalham com outros carpinteiros.
Carlos suspirou, o som quase perdido no burburinho do restaurante.
— Aposto que nem fazem tanta coisa assim o dia inteiro. O Mocambo do Tatu precisa de muito mais desses carpinteiros do que os outros.
Quixotina levou o pedaço de carne à boca e mastigou por um momento antes de responder.
— Então leve essa questão ao rei, na próxima reunião do conselho.
Ao ouvir isso, Carlos ficou cabisbaixo, brincando com a comida no prato.
— Melhor não… Já estou pedindo demais. Vou dar um jeito nisso de outro modo.
Depois de terminar sua carne, Quixotina colocou os talheres no prato com um contentamento visível.
— Essa ideia do restaurante é mesmo sensacional, Carlos. Eu odiava cozinhar e lavar louça todo dia. Agora posso só comer e aproveitar!
Ouvir isso aumentou levemente o ânimo de Carlos. Os dois ficaram descansando mais um pouco, observando os trabalhadores voltarem para o serviço. Não demorou muito para que uma mulher adulta entrasse no restaurante, seguida por um bando de crianças do mocambo. Como muitos pais estavam trabalhando nas oficinas, não teriam tempo de preparar o almoço, então as crianças vinham ao restaurante. Entre elas, estava Dulcinéia, que correu para abraçar sua mãe, Quixotina, com um sorriso radiante.
Ver aquela cena simples encheu Carlos de uma calorosa determinação. Ele deixou mãe e filha aproveitando o momento e foi ver o andamento das oficinas. O local era sempre vigiado por guardas, prevenindo contra espiões, então ele se sentia seguro.
Entrando na oficina de pólvora, um cheiro acre de enxofre e carvão atingiu suas narinas. Várias pessoas, com máscaras de pano cobrindo o rosto, trabalhavam com concentração silenciosa. Pesavam a pólvora em balanças rudimentares, colocavam-nas em bolas de ferro junto com pequenas gemas de fogo, formando as granadas. Foi então que Carlos notou: o telhado de palha do galpão estava começando a ceder em um canto, e as paredes de taipa mostravam fissuras profundas, com pedaços de barro se desprendendo.
“O que vem fácil, vai fácil,” ele pensou, com um amargo reconhecimento. “Pelo visto, tenho mais um problema nas mãos… Acho que vou ter que começar a fabricar cimento e tijolos. Isso me lembra da primeira vez que vim aqui… estava cheio de crianças trabalhando.”
Uma pontada de culpa o atingiu. Aqua indicara trabalhadores de confiança, e eles trouxeram seus filhos, vendo o trabalho como um aprendizado natural. A indignação de Carlos ao proibir o trabalho infantil foi recebida com estranheza e até desapontamento por algumas das crianças, que viam a coleta de salitre e pirita como uma diversão.
“A falta que faz um conselho tutelar,” ele refletiu, olhando para as rachaduras nas paredes. “Mas não posso, de jeito nenhum, deixar crianças trabalhando com algo tão perigoso. Mesmo que ninguém aqui entenda o porquê. Se fosse um trabalho simples, como em uma loja, é uma coisa, mas uma fábrica de pólvora é outra história.”

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