Capítulo 41 - Problemas
O primeiro raio de sol mal havia iluminado a janela quando Carlos, Aqua e Tassi se reuniram na modesta sala de sua casa.
— Sabe menino, tem sorte de ter Tassi ao seu lado, — disse, seu olhar percorrendo de Carlos para a guerreira. — Sem os poderes dela, seu plano ambicioso esbarraria em uma fome certa. Mas com ela… a comida deixa de ser um problema. Se quiséssemos, em um único dia poderíamos produzir o suficiente para alimentar o quilombo inteiro.
Tassi, ouvindo o elogio, estufou o peito com orgulho, um sorriso largo e confiante estampando seu rosto.
— Isso fora da guerra! Imaginem o que meu poder poderia fazer durante uma. Vinhas agarrando e prendendo inimigos, a terra sob seus pés se abrindo…
Carlos sorriu, genuinamente impressionado e grato.
— É verdade. Sou sortudo. E é exatamente por isso que pensar em você apenas como uma guarda é subestimar demais seu potencial. Você tem usado quantidades enormes de mana ultimamente, e isso só vai aumentar. Seu lugar não é o dia inteiro me seguindo, é no coração do que mantém este lugar vivo.
A guerreira bateu o punho no peito, seus olhos brilhando de determinação:
— Isso mesmo! Finalmente estão me vendo! Precisam me valorizar mais!
— E é isso que vou fazer, — Carlos anunciou, seu tom ficando solene. — A partir de hoje, nomeio você como minha Primeira Ministra… a Ministra da Agricultura.
Tassi pestanejou, o sorriso se apagando em troca de uma expressão confusa.
— Ministra? O que é isso?
— Basicamente você vai cuidar de todos os aspectos que envolvem a agricultura em nosso país… Que no momento não passa dessa cidade com dois mil habitantes, no futuro você mandará em dezenas de pessoas, mas no momento, será apenas você que irá me informar de como a produção de alimentos e grãos está além de aplicar políticas que eu desejar, assim como realizará experimentos.
O rosto de Tassi se contorceu em um misto de desapontamento e resignação.
— Parece… chato. Eu queria algo com mais ação, mais emoção.
Ela suspirou, olhando para as próprias mãos, que faziam brotar vida da terra.
— Mas sei que meu dom é mais valioso assim. Está bem, aceito a função.
— Parece chato, queria algo que envolvesse mais ação. Apesar de que sei que meu poder é muito mais valioso para fazer as plantas crescerem… Então vou aceitar a função.
— Excelente! E já tenho sua primeira missão, — Carlos disse, seus olhos cintilando com curiosidade científica.
— Quero testar se o crescimento mágico que você provoca depende dos nutrientes do solo. Para isso, plante dois campos idênticos de algodão. Em um, use o solo como está. No outro…, — ele fez uma pausa dramática, — você mandará coletar os dejetos dos banheiros públicos. Eles serão tratados com gemas de fogo para eliminar qualquer doença e, depois, incorporados ao solo. Quero comparar a produtividade de ambos os campos com sua magia.
O desgosto foi instantâneo no rosto de Tassi.
— Eca! Que nojo! Já me arrependi! Por que… fezes humanas?
— Elas são ricas em nutrientes que revitalizam a terra. Sei que é desagradável, — Admitiu, adotando um tom mais suave e oferecendo um incentivo. — Mas pense assim: quando as roupas desse algodão forem vendidas, você receberá um salário generoso. Poderá comprar todo o sorvete que quiser!
Tassi suspirou profundamente, como se carregasse o peso do mundo. Colocou as mãos nos joelhos e se levantou com determinação fúnebre.
— Tarefa dada é tarefa cumprida. Vou cumprir esta… missão… agora mesmo. Só preciso encontrar algumas almas desafortunadas para o trabalho sujo.
Depois que ela saiu, Carlos riu um pouco.
— Ha ha ha, apesar de odiar faz mesmo assim, sou muito sortudo, apesar de que o quilombo é bem pequeno, dúvido que seria capaz de alimentar uma cidade grande. Isso vai ser um problema quando a população aumentar, isso no futuro, para o Carlos do futuro resolver.
Aqua fez sinal de não com a cabeça antes de dizer:
— Um líder não pode ficar jogando os problemas para o futuro… Mas infelizmente temos problemas maiores atualmente, não me disse que a produção de suas máquinas não estava indo bem?
— Parte do que ela está fazendo vai ajudar nesse futuro, se os nutrientes do solo influenciar no colheita mesmo com magia, isso quer dizer talvez apenas com a gema da grama e um solo fertilizado de para fazer plantas crescerem e com isso qualquer um com a gema da grama poderá nos prover uma farta colheita.
— E sobre as máquinas, sim, a produção das máquinas está mais difícil do que o esperado as Flying Shuttle e Spinning Jenny foram feitas e testadas e estão funcionando bem a Cotton Gin tá com as partes de madeiras prontas, mas ainda precisa das partes de ferro que precisam de mais ajustes, já a máquina de costura talvez seja impossível… De qualquer forma vou à oficina verificar isso.
— Eu confio que vai achar uma solução, afinal só você entende dessas coisas.
Após terminarem a conversa, Carlos saiu de sua casa, Quixotina o esperava do lado de fora.
— Não acredito que convenceu Tassi a aceitar esse trabalho — Disse Quixotina um pouco surpresa.
— Ela reclama mas faz, isso que importa, além disso não existe função melhor para ela. Sem contar que isso vai me ajudar mais a entender a magia deste mundo, e se aumentar a produção, melhor ainda.
“Também tive que falar com Aqua para me ajudar dando uns elogios a ela, mas tudo que foi dito foi verdade, mas ainda me sinto meio mal.”
Enquanto conversavam, se dirigiram à oficina de Nia. A construção havia crescido, ganhando um novo cômodo. De um lado, o ritmo constante e barulhento dos aprendizes que forjavam armas. Do outro, no novo espaço, o som era diferente: o zumbido de ferramentas precisas, onde a própria Nia trabalhava, imersa no coração da revolução industrial que Carlos tentava trazer à vida.
Entrando no quarto onde Nia estava, podia-se ver inúmeras engrenagens no chão, mas essas engrenagens não eram nada como as vistas em fábricas, estavam tortas e mal feitas. No centro da sala havia uma máquina de costura aberta. Nia estava mexendo dentro dessa máquina, estava tão focada que nem notou Carlos entrando, enquanto mexia na máquina limpava o suor que escorria de seu rosto.
— Bom dia… — Carlos tentou usar uma voz suave para não irritá-la, afinal desde de que chegou no quilombo só deu mais e mais trabalho a ela.
Ela lentamente olhou para trás para ver quem falava, seu rosto estava bem cansado, mas ao ver Carlos abriu um sorriso e disse:
— Essa máquina que você me passou é mesmo desafiante!
Com isso ficou espantado, esperava vê-la irritada, não animada.
— Você está gostando de trabalhar com ela?
— Mas é claro que sim! Sabe o que eu fazia antes de você vir? Panelas e pontas de lanças e depois mais panelas e ponta de lanças isso por 10 anos, sinceramente não aguentava mais! Agora posso ficar o dia inteiro mexendo com novas gambiarras enquanto deixo as partes chatas para meus aprendizes. Ah, aliás finalmente consegui fazer as peças da Cotton Gin.
— Porém essa máquina de costura realmente está sendo um desafio, as engrenagens tem que serem perfeitinhas, e algumas delas são muito pequenas, mas esse é só o primeiro desafio o segundo me parece quase impossível que é a agulha, sei fazer agulhas, mas não com tanta precisão assim… Me pergunto como um ferreiro conseguiu peças tão pequenas com tanta precisão, sorte que minhas mãos são pequenas, mas não o suficiente. Os ferreiros em seu mundo são monstros por acaso?
De forma relutante respondeu:
— Não existem mais ferreiros em meu mundo, você está tendo dificuldade porque o que você está fazendo a mão era feito por máquinas em meu mundo, provavelmente uma frisadora e uma perfuradora…
Nia colocou a mão no queixo e murmurou: — Não existem ferreiros? Máquinas que fazem máquinas…
Carlos iria falar algo antes de ser interrompido por Nia largado a máquina e vindo até ele e segurando suas mãos.
— Isso é sensacional! Se as máquinas fizerem as máquinas então só vou poder ficar inventando e imaginando enquanto as máquinas fazem o trabalho duro! Além disso, ainda vou ter que trabalhar nessas máquinas que fazem outras máquinas não é mesmo!
Isso o deixou meio confuso, mas foi uma surpresa agradável:
— Que bom que gostou da idéia, de qualquer se não conseguir, não se preocupe, não vou te pedir o impossível, posso escolher uma máquina de costura mais arcaica e simples de se fazer.
Largado as mãos de Carlos gritou:
— De jeito nenhum! Infelizmente não podemos ficar fazendo máquinas que fazem máquinas no momento, por isso vou ter que fazer essa na mão e vou conseguir! Eu disse que é quase impossível não que é impossível! Nem que leve cinco, dez anos, vou terminar ela não importa o que!
“Mas não vou te esperar por dez anos para terminar uma máquina de costura, tenho tantos outros projetos. De qualquer forma ainda vamos produzir muitas roupas sem a máquina de costura, ou com uma versão mais arcaica com peças mais fáceis de se fazerem… Espera, não tenho a fresadora e perfurada mas talvez com a gema de ferro possa fazer um mecanismo que seja semelhante…”
— Nia, será que não seria possível criar um mecanismo com Bentinho para que com uma gema de ferro seja possível fazer a agulha, ou cortar as engrenagens?
Ao ouvir isso colocou as mãos no queixo e ficou murmurando para si mesma.
— Isso… Pode não ser uma má idéia. Vou falar com Bentinho agora mesmo!
Ao dizer isso zarpou da oficina e foi correndo para o carpinteiro do outro lado da rua. Carlos foi andando atrás sem pressa, mas ao chegar lá pode apenas ver Nia sendo xingada pelo carpinteiro na frente da oficina.
— Você tá maluca! Como vou ficar fazendo essas peças complexas sem Bentinho?
Ao ver Carlos seu ódio foi direcionado a ele:
— Apareceu o culpado de me dar tanto trabalho! Sabe antes de você aparecer minha vida era bem mais fácil, todo dia fazia apenas algumas peças de mesas, cadeiras e lanças, agora tenho que ficar fazendo gambiarras indecifráveis! E ainda quer me tirar meu ajudante! Todo dia tô trabalhando sem parar! Não sou novo como antes…
Em meio aos gritos a mente de Carlos buscava desesperadamente um meio de acalmar a situação, até que encontrou um:
— Se acalme Seu Vicente, entendo que esteja cansado, mas veja bem, pode sempre pedir mais assistentes a mim, aliás o senhor nem precisa trabalhar no pesado mais, apenas ensine o trabalho de seus assistentes e supervisione eles. Sem contar que vou esperar, não precisa ficar se matando.
A respiração de Vicente começou a baixar e com calma disse:
— É, talvez isso não seja ruim, mas sem Bentinho…
— Que tal assim, de manhã ele fica com o senhor, e tu corta todas as madeiras necessárias e de tarde ele vai trabalhar com Nia e você pode ficar mandando alguém finalizar os detalhes e ficar montando as máquinas.
O velho carpinteiro mais um vez suspirou, até responder:
— Tudo bem, mas só estou fazendo isso pelo bem do quilombo, não por seu bem, é melhor todas essas máquinas funcionarem e conseguirmos vender muitas roupas.
“Não acredito que consegui lidar com a situação… Lidar com pessoas é muito difícil.”
Depois de resolver a situação, deixou Nia e o carpinteiro se resolverem e foi em direção ao restaurante da Tia Vera para almoçar, este que virou o novo costume dele.
Dentro dos restaurantes alguns dos funcionários da oficina ou fábrica de pólvora já estavam lá comendo, cada um pegava seu prato ia até as panelas pegava o que gostaria de comer e sentava na mesa grande. Carlos e Quixotina fizeram o mesmo.
— Quixotina sabe se tem algum outro adepto da gema do ferro no quilombo?
De forma delicada ela cortava uma carne enquanto respondia a pergunta:
— Sim, mas dúvido que os deixem vir aqui, afinal trabalham com outros carpinteiros.
Suspirando Carlos disse:
— Aposto que nem fazem muita coisa o dia inteiro, o Mocambo do Tatu precisa de muito mais desses carpinteiros que os demais mocambos.
Antes de levar o pedaço de carne a boca, respondeu:
— Pois fale isso para o rei na próxima reunião.
Ao ouvir isso, ficou cabisbaixo e disse:
—Melhor não, já estou pedindo demais, vou dar um jeito nisso.
Depois de terminar de comer sua carne Quixotina disse:
— Essa idéia do restaurante é mesmo sensacional, odiava cozinhar e lavar louça, agora posso só comer!
Ouvir isso aumentou levemente o ânimo de Carlos. Os dois ficaram descansando mais um pouco enquanto os trabalhadores das oficinas voltavam ao trabalho. Não demorou muito para uma mulher adulta entrar no restaurante sendo seguida pelas crianças do mocambo. Como alguns pais estavam trabalhando nas oficinas não teriam tempo para fazer o almoço para suas crianças, por isso elas podiam vir ao restaurante também. Dentre as crianças estava Dulcinéia que foi correndo abraçar sua mãe.
Ver isso deu mais ânimo a Carlos, que deixou filha e mãe sozinha e foi ver o trabalho nas oficinas. Nas oficinas sempre havia guardas observando tudo para nenhum espião chegar perto então era bem seguro.
Entrando na oficina de pólvora pode ver várias pessoas com máscaras de pano, pesando a pólvora, colocando em potes de argilas junto de gemas de fogo, formando as granadas, até que notou que o telhado do prédio estava começando a desmanchar, as paredes também estavam desmanchando…
“O que vem fácil, sai fácil, pelo visto tenho mais um problema em mãos… Acho que vou ter que começar a fazer cimento e tijolo. Isso me lembra da primeira vez que vim aqui ver os trabalhadores, estava com várias crianças trabalhando. Afinal quem indicou os trabalhadores daqui foi Aqua pois eram de confiança, e os trabalhadores trouxeram suas crianças para trabalhar com pólvora. A falta que faz um conselho tutelar, não posso de jeito nenhum deixar crianças trabalhando com algo tão perigoso, mas ninguém entendeu minha indignação. E pior havia crianças trabalhando na coleta de salitre e pirita, e algumas delas até ficaram bravas que eu tirei a diversão delas.”
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