Capítulo 43 - Conhecido
Um guarda levou Carlos e Quixotina, Tassi que está treinando no momento, viu a pressa deles e os seguiu também, até a borda do Mocambo do Tatu, onde Espectro estava com mais guardas rodeando um homem baixinho e gordinho, ele tremia de medo perto dos guardas, mas tentava se manter em pé. Assim que Espectro os viu chegando disse:
— Carlos, este homem invadiu o quilombo alegando ser conhecido seu, disse que tem algo importante para conversar com você e apenas com você.
Assim que Carlos e Tassi o viram, o reconheceram na hora era o ambulante que vinha no engenho.
— Ora, ora senhor comerciante, não é que aceitou meu convite de vir ao quilombo.
Espectro com uma cara séria disse:
— Por acaso andou espalhando a localização daqui para todo mundo Carlos, mesmo sendo chefe não posso deixar isso passar.
Carlos balançou a cabeça e disse:
— No dia que nós libertamos da escravidão apenas, o convidei de forma de forma sarcástica a vir fazer comécio conosco no quilombo… Não achei que faria mesmo isso.
Tassi com toda calma complementou:
— Não se preocupe Chefe Espectro, nós o conhecemos no engenho, este homem que foi responsável por entregar as armas que garantiriam nossa liberdade, assim como vendia os livros que usamos. Além disso, nunca nós olhava com desdém, nem nunca maltratou um escravo, claro isso dentro do engenho, já fora não sei…
Tremendo e com a voz rouca, Francisco disse:
— Nunca fiz nada a ninguém! Como já disse antes sou apenas um mero comerciante, estou aqui apenas para passar uma carta a Carlos, a papisa ouviu falar dos seus conhecimentos e gostaria de conversar!
Espectro apontou uma lança para Francisco que se abaixou no chão.
— Você tem sorte que te reconheceram! Espero que suas palavras sejam verdade! Se não, sua vida acaba agora!
— É verdade, eu juro!
Lentamente Francisco tirou a carta de seu bolso e se levantou, algumas gotas de suor cairam em cima da carta, e a entregou para Espectro, que pegou, verificou se o selo era mesmo da cidade sagrada, então repassou a carta para Carlos que abriu a carta e a leu.
“Vossa Mercê, Carlos,”
“Saúde e Paz em Nosso Senhor.”
“Dirijo-me a vós pela mão da Santa Igreja, Eu, a Papisa, Eleita pelo Divino Espírito, Mãe dos Pobres e Refúgio dos Oprimidos, aquela a quem foi revelado, por Graça insondável, o mistério da Gema da Alteração e os segredos mais profundos da Criação.”
Muitas linhas de auto elogios estavam até chegar na parte principal. Aparentemente humildade não era algo que a santidade possuia.
“Em minha infinita misericórdia e sábio entendimento das leis dos homens e de Deus, compreendemos que a luta pela liberdade é um anseio justo da alma. Contudo, o acto de ceifar uma vida, ainda que de um tirano ímpio como o senhor do engenho Jorge e seus capatazes, mancha a alma com o pecado mortal da homicídio. Vós cometestes este grave erro, Carlos, e tal acção não passa despercebida aos Olhos que Tudo Vêem.”
“Todavia, aos olhos de mim a Santa da igreja, nenhum pecado é tão grande que não possa ser expiado por um coração verdadeiramente arrependido e por actos de contrição concretos. Vossa redenção é possível se canalizardes vossa força para combater as verdadeiras mazelas que assolam este mundo.”
“Foi através de um dom intelectual a mim concedido – um entendimento tão vasto que decifra tanto os desígnios de Deus quanto as artimanhas do Adversário – que descobri a verdadeira origem das pestes e moléstias: criaturas chamadas vírus e bactérias. Este conhecimento, paradoxalmente, foi iluminado pelo estudo de livros profanos, de origem diabólica, que tomei para mim a fim de converter sua malícia em utilidade para a humanidade.”
“É aqui que reside vossa oportunidade de absolvição. Se possuís, ou vierdes a possuir, quaisquer livros ou escritos do diabo que versem sobre tais assuntos – seja sobre estas criaturas, sobre vacinas, sobre as doenças que provocam ou os mistérios do corpo humano –, a vossa entrega imediata à Igreja será tomada como um poderoso acto de contrição. Qualquer outro conhecimento relacionado a estes temas será de imenso valor para nossa sagrada missão de curar os enfermos.”
“Sabei que vossas contribuições não serão em vão. A Santa Igreja sabe recompensar aqueles que andam em seu caminho. As armas que adquiristes através de Francisco provieram de nossos arsenais, e muitos mais artefactos de defesa podem ser vossos, fortalecendo vossa causa justa, na medida exacta de vossa cooperação e devoção. Além do suporte marcial, minha influência e conselho estarão à vossa disposição para guiar vossos passos.”
“Que a Luz Divina ilumine o vosso caminho de volta à graça.”
“Sob a Minha Mão e Selo,”
“A Papisa, Mãe dos Pobres,”
“Serva dos Servos de Deus.”
Ao ler a carta Carlos não pode deixar sorrir, e logo começou a rir:
— Ha, ha, ha, isso é perfeito, se a gente conseguir ajuda da Igreja seria perfeito!
Tassi curiosa perguntou:
— O que está escrito para te deixar tão animado?
— A igreja está disposta a nós ajudar em troca dos conhecimentos de meu mundo! Eles também possuem mais armas!
Nessa hora Espectro fez uma cara séria e disse:
— Negativo! Não podemos deixar o inimigo saber nossos truques, até entendo que a papisa seja uma santa e acredito na bondade dela, porém ela faz parte da mesma igreja que apoia e se beneficia da escravização de nosso povo! Além dos contatos dela com europeus e as capitanias.
Essa resposta não o abalou, apenas respondeu sorrindo:
— Nem tudo de meu mundo envolve armas, por exemplo a papisa gostaria de saber sobre doenças e vacinas, e sei sobre isso e até conheço umas invenções que poderiam ajudá-la com isso…
“Aliás, ela obteve essas informações por meio dos livros do diabo pelo que deu a entender nas cartas, só espero que seja a única usando os conhecimentos que estão nesses livros… Será que é de meu mundo? Não, se fosse não estaria perguntando algo tão óbvio, mas se tiver mais alguém que consiga usar os conhecimentos dos livros… Isso poderia facilmente ser um grande problema…”
Espectro ainda estava irritado.
— Isso ainda é ajudar o inimigo!
Ainda calmo Carlos respondeu:
— Você acredita que pela pessoa ser branca, deva morrer de doença, apenas por sua cor de pele? Eu não acredito nisso. Por isso devemos espalhar mais conhecimentos de meu mundo, mesmo aqui no mocambo estou forçando todos a lavarem as mãos com sabonete antes de comerem no restaurante, e eu poderia espalhar isso pelo mundo todo com a ajuda da igreja, diminuindo o risco de epidemias e doenças.
Espectro suspirou e disse:
— Te entendo, mas mesmo assim não podemos decidir isso sozinho, devemos falar com Ganga Zala e os demais chefes do conselho.
───────◇───────◇───────
Dentro da Serra da Vitória Carlos estava sentado no que era antes o lugar de Aqua sob uma mesa com os demais chefes do Mocambo, e na frente da mesa, no centro estava Ganga sentado.
“Não acredito que vou ter que falar na frente de tanta gente importante, não sirvo para isso…”
Enquanto estava perdido em pensamentos, Espectro terminava suas explicações do ocorrido.
— …Basicamente este invasor é um conhecido de Carlos, e como viram na carta traz uma mensagem de cooperação com a igreja se compartilharmos os conhecimentos do outro mundo. No momento Carlos é a favor de aceitarmos tal proposta.
Espectro olhou para Carlos que entendeu a mensagem e começou a falar:
— Nem todo conhecimento que tenho do meu mundo é militar, certas coisas como prevenção de doenças e pragas seriam úteis se fosse de conhecimento geral, Papisa Paula tem conexões que podem permitir esses conhecimentos se espalharem. Além disso, com ela podemos conseguir uma conexão para a venda de materiais produzidos no meu mocambo, além de comprar mais ferro para a produção de armas, isso seria bem mais eficiente do que o sistema atual de escambo com agricultores vizinhos.
— Eu estava pensando em pedir para ela mandar comerciantes para o quilombo para podermos vender roupas e comprarmos ferro, além de outras necessidades para o quilombo. Sem contar que a igreja possui mais armas modernas que nem se compararam aquelas que são produzidas aqui no quilombo, infelizmente acho que seja muito cedo para pedir isso a ela, devemos primeiro conquistar sua confiança com pedidos mais pequenos.
No mesmo momento Chefe Malik exibiu seu descontentamento:
— Isso iria deixar bem claro a localização do quilombo!
Balançando com a cabeça o novo chefe do mocambo respondeu:
— Não precisamos fazer o comércio aqui no quilombo, podemos escolher um ponto entre aqui e a Cidade Sagrada de Santa Maria, além disso o risco é pouco se comparamos com os lucros que teremos com a venda de roupas para conseguir ferro para a produção de armas.
Malik suspirou antes de continuar:
— Não acho que essa tal papisa seja de confiança, e se compartilharmos os conhecimentos e não ganharmos nada em troca?
Carlos não mudou de expressão e respondeu calmamente:
— Não irei compartilhar todo o conhecimento de uma vez, irei compartilhar aos poucos se ela quiser mais deverá manter sua palavra.
Nessa hora Espectro complementou:
— Um espião que está na cidade sagrada nós informou que a papisa inventou algo chamado vacina que impede que pessoas peguem varíola, as pessoas andam pelas ruas comemorando o nome da santa- Nessa hora Carlos o interrompeu:
— Vacinas! Como é possível? Pode me falar em detalhes como é essa vacina?
“Quando li a carta achei que ela tinha lido sobre vacinas, não fabricado elas!”
Espectro ficou surpreso mas logo recuperou a compostura:
— Nosso espião tomou essa tal vacina, disse que apenas fizeram um risco em sua pele e depois aplicaram um líquido, lhe disseram que poderia ter febre e algumas manchas na pele mas logo se recuperaria e depois disso estaria imune de varíola.
Ao ouvir isso Carlos suspirou aliviado.
— Ufa! É apenas uma vacina rudimentar, achei que estavam aplicando vacinas modernas, se estivesse nesse ponto significaria que possuíam tecnologias muito mais avançadas que as nossas.
Todos na mesa ficaram confusos com sua fala, então explicou melhor:
— Desculpem minha falta de educação, apenas fiquei preocupado que tivesse tecnologia o suficiente para fazer vacinas modernas, o que significaria que poderia fazer outras coisas como armas ou produtos para vender, assim tirando a única vantagem do meu mocambo.
— Porém mesmo assim conseguir fazer vacinas é um feito e tanto, a igreja deve estar guardando os livros do diabo para si e os decifrando.
Ao dizer isso se virou para Espectro e continuou:
— Acho melhor colocar mais espiões para verificar que tecnologias que a igreja já descobriu, ainda acho que vai ser vantajoso para nós fazermos esse acordo com a igreja pois não vamos perder nada passando alguns conhecimentos básicos.
— E que conhecimentos que você considera básico estaria disponibilizado para a igreja, tenho certeza que se pode compartilhar com eles, deve poder compartilhar conosco. — Disse o Chefe Fernando.
— Claro, basicamente…. — Carlos entrou em detalhes da carta que escreveria para a papisa.
Chefe Malik ouviu tudo antes de dizer:
— Não tenho objeções, como não são conhecimentos que ajudem em guerra, então não temos nada a perder compartilhando, e se conseguirmos um aliado seria perfeito, nem que seja uma ajuda comercial, ou mesmo de gemas de cura.
Os demais chefes de mocambo pareciam chegar à mesma conclusão que Malik, até que Ganga Zala bateu na mesa e disse:
— Caso este acordo dê certo, você deve repassar 50% dos lucros para o quilombo, estamos entendidos?
Carlos com medo respondeu:
— Sim, Ganga.
Ganga Zala sorriu e continuou a falar:
— Que bom que estamos entendidos, mas temos outra questão a discutir, por exemplo o ataque que o governador planeja fazer contra o quilombo. Como estão os preparativos de nossa defesa?
Espectro bateu em seu peito e disse:
— Ganga, tudo está correndo bem, estamos fazendo mais armadilhas ao redor do quilombo, nossos guerreiros treinam todo dia, cada vez ficando mais fortes e com as novas armas de pólvora e acho que podemos aniquilar qualquer invasor! Apesar de ainda não dominar completamente estas armas, Carlos está me passando informações muito úteis sobre como elas eram usadas em seu mundo estou aplicando elas em meus treinamentos.
Ao ouvir as boas notícias, o líder do quilombo sorriu e voltou seu olhar para o novato.
— Bom, bom… Por falar nisso, Carlos, você é realmente de outro mundo? Quando me falaram isso, achei que estivessem brincando comigo, você não estaria mentindo não é mesmo?
Apesar de estar com medo, se manteve firme para responder.
— Creio que a prática é o critério da verdade, posso dizer o que quiser, mas muitos não vão acreditar, por isso, apenas esperem, vou trazer tantas mudanças a esse mundo que chegará um ponto que não vão conseguir achar outra explicação para as mudanças que trago.
Ganga fixou seu olhar nele por um tempo, a sala ficou em silêncio. Até que começou a rir.
— Ha, ha, ha, você tem razão.
Com isso a reunião foi encerrada. Assim que Carlos saiu da Serra da Vitória suspirou aliviado.
“Finalmente acabou, não sirvo mesmo para isso… Mas 50% dos lucros, mas é um arrombado mesmo, o que vai fazer com o dinheiro? Se quem vai financiar a defesa do quilombo vai ser eu, mas não posso fazer nada, esse rei me dá medo, e manda em tudo aqui, apesar de que no meu mundo um dos rei de palmares não teve um fim muito bonito por ficar contrariando o que o povo do quilombo queria. Apesar de que isso não importa no momento, só tenho que fazer meu trabalho…”
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.