Capítulo 45 - Progresso
O sol da tarde dourava o mocambo, e Carlos caminhava pelo canteiro de obras onde sua nova casa de tijolos ganhava forma. A casa não era grande, mas só o fato de ser de tijolos, um material tão raro e durável, já representava uma enorme evolução. Por dentro, móveis de madeira maciça estavam sendo entalhados. E ele mesmo insistira para que Nia criasse vigas de ferro para reforçar toda a casa.
“Finalmente,” pensou ele, esfregando os dedos na textura áspera de um tijolo, “vou ter um espaço decente para estudar e para as reuniões. E, mais importante, um lugar seguro para guardar meus pertences e os artefatos do diabo.”
Satisfeito com o progresso, dirigiu-se à oficina de Nia, ansioso para ver a tal máquina de costura. Ainda a alguns passos de distância, um grito eufórico vazou pelas frestas das paredes de madeira:
— Finalmente! Ela funciona! Obrigado, Ogum!
“Será que conseguiram mesmo?” O coração de Carlos acelerou.
Ele entrou na oficina e seguiu o burburinho até a sala de Nia. Lá dentro, a cena era de pura celebração. Nia, o rosto brilhando de suor e o cabelo desalinhado, dançava desengonçadamente, segurando as mãos de um sorridente Bentinho. Ao redor, os aprendizes observavam com curiosidade e alguma diversão. No centro do caos, repousava a máquina de costura, cercada por uma pilha de panos e trapos — alguns perfeitamente costurados, outros tragicamente rasgados em tentativas anteriores.
— Então conseguiram de verdade! Meus parabéns! — exclamou Carlos, adentrando o espaço. — Eu já começava a achar que era impossível!
Nia soltou as mãos de Bentinho num pulo e agarrou as de Carlos, puxando-o para a dança improvisada.
— Isso mesmo! Mas não foi fácil, não! — ela disse, ofegante, enquanto tentava guiar os pés desajeitados de Carlos. — Com a ajuda do Bentinho, ele usou sua mana para ativar a maior parte das gemas de ferro da luva, já eu apenas usava minha mana para guiar o ferro, além da gema do fogo… pelo menos era a ideia, mas a execução… Ai, meu pé!
Carlos, sem ritmo, pisou forte em seu pé. Nia soltou-o de repente, mancando levemente e respirando fundo.
— Desculpa — disse Carlos, corando. — Dançar… nunca foi meu forte.
Nia esboçou um sorriso dolorido, mas ainda brincalhão.
— Não se preocupe, eu te ensino! — ofereceu, com um olhar malicioso.
Imediatamente, todos os homens na sala voltaram seus olhares para Carlos, expectantes.
— Melhor… melhor não — ele recuou, constrangido.
— Que pena! — Nia suspirou, dramaticamente, antes de se animar novamente. — Então, qual será a próxima invenção maluca que você vai me pedir?
— Sinto estragar a festa — Carlos respondeu, esboçando um sorriso simpático —, mas na verdade, precisamos de mais vinte iguais a essa.
O sorriso de Nia congelou e desapareceu num instante.
— Não se preocupe! — ele se apressou em acrescentar. — Estamos fechando um acordo com a igreja. Vamos conseguir mais ferro e, com isso, poderemos fazer muitas outras máquinas diferentes!
“Pelo menos, eu espero que aceitem o acordo,” pensou, com um frio na espinha.
— Tudo bem… — Nia murmurou, resignada. Ela então se virou para os aprendizes com um sorriso doce e falso. — Algum de vocês poderia gentilmente fazer o favor de levar esta máquina lá para fora para o nosso chefe? E, já que estão aí, que tal limpar um pouco esta sala? Eu vou descansar um pouquinho, por favorzinho?
A resposta foi imediata. Vários homens se avolumaram, ansiosos para agradar. Aproveitando a confusão, Quixotina, que observava tudo de canto, aproximou-se de Carlos e sussurrou em seu ouvido, seu hálito quente carregado de reprovação:
— Você é muito mole com ela! Não está vendo que ela está te manipulando?
Carlos se surpreendeu com a investida, mas recuperou-se rapidamente.
— Ei, não estou sendo manipulado, não! — sussurrou de volta, defensivo. — Eu já planejava dar esse trabalho a ela!
O sussurro rapidamente se transformou em uma discussão audível.
— Homens são todos iguais — cuspiu Quixotina, cruzando os braços.
— Ah, é? E como você sabe? Com quantos homens você já ficou para ter tanta experiência?
— Quantidade não importa! Só de ver que não há muitos cavaleiros por aí de verdade, já sei que homens não valem nada!
— Isso… — Carlos baixou a guarda, surpreendentemente. — Tem razão. Eu não sou mesmo um cavaleiro.
A resposta inesperada colocou um sorriso vitorioso no rosto da cavaleira.
— Você é mais inteligente do que parece. Reconheceu na hora que eu tenho razão.
Carlos não respondeu. Em vez disso, virou-se e saiu da oficina, com Quixotina seguindo-o como uma sombra irritadiça. Lá fora, os ajudantes já haviam colocado a pesada máquina de costura no chão de terra.
— Já que eu não sou um cavaleiro — declarou Carlos, apontando para a máquina —, e você é, pode ter a honra de carregá-la até a fábrica têxtil.
O sorriso de Quixotina evaporou.
— Mas você é homem! — protestou, indignada.
— E você é a cavaleira! Eu não tenho gema de força nenhuma. Você tem.
A cavaleira mordeu o lábio com tanta força que quase sangrou. Em um silêncio carregado de raiva, ela se agachou e, com um esforço visível, ergueu a máquina pesada, que antes estava presa a uma mesa. O colar no seu pescoço brilhou com uma luz suave e interior, testemunhando o uso de sua força aumentada.
— Essa fábrica é longe demais! — ela reclamou, ajustando o peso nos braços. — Por que tudo tem que ser tão longe?
— Para ninguém ficar espionando — explicou Carlos, iniciando a caminhada. — Mas não se preocupe. Um dia teremos veículos para nos levar até lá. Por enquanto, vai ter que ser no esforço braçal mesmo.
— Veículos? O que seriam eles? — perguntou Quixotina, interessada apesar do mau humor.
— Máquinas capazes de nos levar de um lugar a outro.
— Nossa, incrível! — seus olhos brilharam por um segundo. — Essa vai ser a nova invenção que a Nia vai fazer?
— Lamento, mas não. Isso vai demorar… Muito. Aliás, nem sei o que vou pedir a seguir. Estava pensando em canhões, mas não sei se são úteis agora. Talvez uma máquina a vapor para a mineração?
— E que tal um cavaleiro mecânico? — sugeriu Quixotina, seu rosto se iluminando com um sorriso genuíno. — Preciso de um oponente digno para treinar!
— Claro! — Carlos respondeu com um tom sarcástico. — Daqui a cem anos eu te faço um.
— Você não sabe como tratar uma dama!
— Damas que pedem o impossível merecem ser tratadas assim.
Enquanto discutiam, o caminho foi passando, e logo a fábrica têxtil apareceu à frente. De dentro, vinha um ruído constante e ensurdecedor: o zumbido das máquinas se misturava ao burburinho das vozes dos trabalhadores. Como ainda não havia máquinas de costura, dezenas de pessoas, a maioria mulheres, trabalhavam sentadas em longas mesas, costurando roupas à mão. No meio do caos organizado, Gabriel e Malaika circulavam, ensinando o manejo de outros equipamentos e consertando as máquinas que, de tão rudimentares, frequentemente travavam ou quebravam.
Ao avistarem Carlos, os dois interromperam suas tarefas e se aproximaram.
— Chefinho! — cumprimentou Malaika, com um sorriso largo. — Que bom te ver! Mas que máquina é essa que a Quixotina carrega? Não vá me dizer que é a tão famosa máquina de costura!?
Quixotina, exausta, não perdeu tempo. Encontrou um espaço vazio na mesa mais próxima e colocou a máquina com um cuidado que contrastava com sua força.
— É sim! — confirmou Carlos, seguindo-a. — Achei que a Nia não conseguiria, mas ela conseguiu!
Gabriel se aproximou para observar a invenção mais de perto, seus olhos percorrendo cada engrenagem.
— Ainda bem! — ele exclamou. — Os panos estavam se amontoando de tal forma… A produção de tecidos está sendo muito mais rápida que a costura. Foi como você disse: essas máquinas aumentam a produção em dezenas de vezes! Temos tantos tecidos que nem sabemos mais o que fazer com eles.
— Eu sei: vender. Espero que a igreja tenha aceitado nosso acordo, já faz um mês. Precisamos desesperadamente de ferro para fazer mais armas. Nosso estoque está no fim, e o ataque do governador não deve demorar.
Tanto Malaika quanto Gabriel responderam em uníssono, com determinação:
— Faremos nosso melhor!
“E pensar que, um mês atrás, esses dois me tratavam como um ignorante completo,” Carlos refletiu, observando a seriedade em seus rostos. “Mas bastou usarem as máquinas e verem os resultados para aprenderem a me respeitar.”
Ele pegou alguns novelos de linha e pedaços de tecido e se aproximou da máquina.
— Para usá-la é bem simples — começou a explicar. — Vocês colocam os tecidos aqui, e a linha vai por aqui…
Carlos prosseguiu, minucioso, demonstrando cada passo e antevendo cada possível dúvida. Gabriel foi o primeiro a se aventurar. Com uma habilidade natural, pegou o jeito rapidamente, e enquanto costurava, não parava de tecer elogios à engenhoca.
“Ele pegou o jeito tão rápido,” pensou Carlos, impressionado e aliviado. “Se fosse eu, demoraria dias… Ainda bem que, desta vez, deixei os testes por conta da Nia.”
— Realmente é uma máquina magnífica — declarou Gabriel, admirando a costura reta e uniforme que saía da máquina. — Com ela, vamos aumentar muito nossa produção. A Tassi consegue fazer o algodão crescer instantaneamente, temos máquinas para descaroçar, para fiar, para tecer… e agora, para costurar. Só falta alguma máquina para colorir as roupas, porque o processo atual de limpar e deixar no sol por dias é muito demorado. — Ele então olhou diretamente para Carlos, com um sorriso esperançoso. — Bem que podia haver alguém que pudesse mudar isso, com tecnologias de outro mundo…
Ao ouvir a indireta, o chefe do mocambo tossiu, constrangido.
— No futuro, quem sabe. Mas no momento, temos outras prioridades.
“Para deixar as roupas brancas, precisaríamos de cloro,” seu pensamento voou longe, “o que seria muito difícil de produzir agora. Mas, quando esse ataque acabar, talvez eu possa me focar nisso. Até porque o cloro poderia ser usado para criar papel branco para as escolas que vamos construir… e seria um ótimo produto para vender.”
Depois de passar mais um tempo supervisionando os primeiros passos da nova máquina, Carlos e Quixotina se dirigiram ao restaurante da Tia Vera para o almoço. O cheiro de temperos e comidas caseiras enchia o ar, um conforto após uma manhã de trabalho.
Ao sair do restaurante, já sozinho, Carlos deparou-se com Tassi, que parecia tê-lo esperado.
— Chefe! — a jovem disse, seu rosto marcado por uma urgência contida. — O comerciante apareceu de novo! A igreja aceitou nosso acordo!
“Finalmente!” Um alívio quente percorreu o corpo de Carlos. “Agora as coisas vão realmente começar a mudar!”
— Me leve até lá! — ordenou.
Tassi o guiou rapidamente até a Serra da Vitória, onde Espectro e o comerciante Francisco já aguardavam. O homem baixinho e gordinho parecia tremular de medo, mas um pouco menos do que da última vez. Assim que seus olhos pousaram em Carlos, ele tirou uma carta amassada do bolso das calças e a estendeu com mãos trêmulas.
O novo chefe pegou a carta, quebrou o selo de cera e começou a ler em voz alta para o pequeno grupo:
— “Eu, a Santa do Novo Mundo, a Benfeitora…”
O início era um longo e enfadonho desfile de autoelogios. Eventualmente, porém, a carta chegava ao ponto.
— “As informações que me foram dadas foram muito úteis. Apesar de ainda não ter sido capaz de fazer muitos experimentos, os resultados iniciais demonstraram que as informações passadas eram verdadeiras.”
— “Adoraria ter em mãos os livros que citam essas informações. Para tanto, consegui uma caravana de comerciantes de confiança, cheios de ferro importado de Portugal. Se quiser todos esses ferros, apenas me entregue os livros do diabo com conteúdo relacionado a doenças, saúde e corpo humano. Assim, não será necessário vender roupa nenhuma para os comerciantes.”
— “Assinado, Paula, A única papisa da história da igreja.”
“Engraçado,” Carlos pensou, dobrando a carta. “Desta vez, a carta foi bem menos pomposa. Por que será?”
Espectro se virou para o comerciante.
— Fique aqui. Precisamos discutir o conteúdo em privacidade.
O comerciante, aliviado por ser dispensado, balbuciou:
— Sim, senhor!
Espectro afastou Carlos e Tassi alguns metros.
— Isso é uma ótima notícia! — disse ele, seus olhos cintilando sob a máscara. — Ferro sempre foi um dos nossos maiores problemas. Carlos, você finalmente solucionou uma das maiores dificuldades do Quilombo! Podemos falar com Ganga Zumba sobre entregar os livros que ela quer!
Carlos suspirou profundamente antes de responder.
— Não podemos…
— Mas por que não? — Espectro ficou perplexo.
— Porque eu não tenho nenhum livro sobre esses assuntos. Tudo o que escrevi são coisas que sei de cor. O máximo que tenho é a descrição do microscópio, no livro das invenções que mudaram o mundo. Mas não é o fim: temos muita roupa para vender, o que vai render bom dinheiro e uma boa quantidade de ferro.
— Tudo bem… — Espectro assimilou a informação. — Nesse caso, não precisamos envolver o Ganga. Mas não revele que você não tem os livros.
— Certo.
O pequeno grupo retornou até Francisco, que era vigiado de longe por alguns guardas.
— Obrigado por esperar — Carlos retomou a conversa. — Mas, infelizmente, não vamos trocar os livros pelo ferro. Eles são… muito preciosos para mim. No entanto, não se preocupe. Temos roupa de sobra para vender por um preço camarada. Aliás, onde estão os tais comerciantes com o ferro?
O gordinho, ainda um pouco trêmulo, respondeu:
— Vocês têm roupas o suficiente para vender para todos nós? São seis carroças no total…
Ao ouvir a pergunta, Carlos não pôde conter um sorriso largo e confiante.
— Ha ha ha! Temos o suficiente para encher dez carroças! E talvez até mais!
Na mesma hora, o medo no rosto de Francisco deu lugar a um ceticismo comercial. Ele ergueu o queixo.
— Mas são roupas prontas ou apenas tecidos? E qual é a qualidade? — ele questionou, apontando para sua própria roupa, surrada e remendada. — Estas que visto duraram anos e já aguentaram de tudo! Gastei vinte mil réis nelas! Quase o que um trabalhador bem pago ganha num ano! Mas isso não importa agora. Sabe que vir até aqui é arriscado. Mesmo com a permissão da igreja, se Portugal descobrir… Por isso, se a qualidade for mesmo boa, compro o conjunto completo por apenas dez mil réis!
Carlos, ainda sorrindo, colocou a mão no queixo, fingindo ponderar a proposta.
— E que tal… — ele começou, pausando para efeito — quinhentos réis por peça de roupa? E cinquenta réis por metro de tecido — olhou para a expressão confusa de Francisco —, um metro é um pouco menos que uma vara.
O comerciante ficou boquiaberto, seu queixo quase atingiu o peito. Ele parecia em estado de choque.
— O… o preço da roupa está bom — ele gaguejou, recuperando um pouco o fôlego. — Mas o do tecido… muito caro! Ainda mais se for de baixa qualidade.
— Mas quem disse que é de baixa qualidade? — Carlos, preparado, retirou de uma bolsa um pedaço de tecido branco e liso e o entregou a Francisco.
O comerciante pegou o pano com as mãos experientes. Alisou-o entre os dedos, sentindo a textura. Levou-o à luz do sol, examinando a trama. Cheirou-o, buscando qualquer odor de mofo ou acidez.
— Se for tudo desta qualidade… — ele disse, lentamente, sua voz carregada de uma nova e avarenta curiosidade — eu poderia voltar aqui mais vezes? Até zerar o estoque de vocês?
— Ha, ha, ha! Mas é claro! — Carlos riu, satisfeito. — Precisamos de muita coisa aqui no quilombo. Além de ferro, você poderia nos vender papel, ferramentas, outros produtos… Então, negócio fechado?
Ele estendeu a mão para Francisco, mas o comerciante hesitou.
— Tudo que é bom demais para ser verdade… — Francisco disse, com um ar de cautela renascida — geralmente não é. Por isso, vamos fazer apenas este primeiro negócio. Com o apoio da papisa, mesmo que vocês tentem nos enganar, não sairemos perdendo.
Ao ouvir a insinuação, Espectro emitiu um rosnado baixo de raiva, mas Carlos falou primeiro, sua voz calma e diplomática:
— Tudo bem. É sempre bom se precaver. Entendemos perfeitamente.
Francisco sorriu, aliviado.
— Você é mesmo um homem inteligente. Os comerciantes e as carroças estão numa clareira próxima, na beira da mata. Há vários guardas com eles, treinados pela igreja. Não são como as elites do Velho Mundo, mas são capazes. — Ele fez uma pausa, olhando para os dois. — Não me entendam mal. Tudo foi feito por precaução.
Dessa vez, Espectro não se conteve:
— Vocês acham que somos ladrões!?
Mais uma vez, Carlos interveio, colocando uma mão calmante no braço de Espectro.
— Em todo negócio novo e arriscado, é preciso tomar precauções. E, francamente, quem tem mais risco de sair perdendo nesta história são eles! — Seu olhar se voltou para Francisco, e seu sorriso voltou, mas agora com um fio de seriedade. — Vou pedir a meus homens que levem as roupas e os tecidos até o ponto de encontro. Enquanto isso, escreverei uma carta de resposta para a Sua Santidade.

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