Carlos estava andando andando por seu mocambo, observando como estava a finalização da construção de sua casas de tijolos. Não era uma casa muito grande, era pequena, mas só por ser de tijolos já dava para considerar um aprimoramento, além disso teria móveis de madeira. Carlos também insistiu para que Tassi fizesse vigas de verro para dar suporte para sua casa.

    “Finalmente vou poder ter um espaço de estudo decente, além de reunião. Assim como vou poder guardar meus pertences e artefatos do diabo.”

    Depois de verificar o progresso de sua casa, foi em direção a oficina de Nia ver como estava a produção da máquina de costura. Quando chegou em frente a oficina pode ouvir um grito:

    — Finalmente conseguimos! Ela funciona! Obrigado Ogum!

    “Será que finalmente terminou a máquina de costura?”

    Animado entrou na oficina, e foi na sala de Nia onde pôde vê-la toda suada dançando segurando as mãos de Bentinho, enquanto os aprendizes da oficina olhavam curiosos.

    Ao seu lado estava uma máquina de costura junto de vários panos e trapos  costurados e alguns rasgados.

    — Então finalmente conseguiu! Meus parabéns, achei que fosse impossível!

    Na mesma hora parou de dançar com Bentinho e pegou as mãos de Carlos e começou a dançar com ele que de forma desajeitada tentava dançar também.

    — Isso mesmo! Mas não foi fácil, com a ajuda de Bentinho fiz uma geringonça que podia girar bem rápido, assim como podia cortar ferro facilmente, pelo menos essa era a idéia mas a execução- Ai meu pé!

    Carlos pisou em seu pé e nisso Nia o largou e começou a respirar um pouco.

    — Desculpa, não sou bom em dançar. — Disse Carlos, sem jeito.

    Nia sorriu e olhou para Carlos e disse:

    — Não se preocupe, te ensino!

    No mesmo momento todos os homens do quarto olharam para ele.

    — Melhor não.

    — Que pena. Agora qual outra invenção maluca devo fazer?

    — Desculpa estragar sua felicidade, mas deve fazer mais umas vinte dessas.

    Nesse momento o sorriso de Nia desapareceu.

    — Não se preocupe, vamos fazer um acordo com a igreja e vamos conseguir mais ferro, com isso poderemos mais máquinas diferentes!

    “Pelo menos espero que aceitem o acordo.”

    — Tudo bem, fico agradecida. — Disse Nia antes de se virar aos outros e dizer: — Algum de vocês poderia gentilmente fazer o favor de limpar de tirar essa máquina e por lá fora para nosso chefe e também poderiam limpar a sala enquanto vou descansar um pouco, por favorzinho?

    Na mesma hora vários homens se disponibilizaram ao trabalho. Aproveitando a comoção Quixotina que estava ao lado de Carlos, sussurrou em seu ouvido:

    — Você é muito mole com ela! Não está vendo que está te manipulando!

    Carlos foi pego de surpreso por Quixotina mas já pensou em uma resposta:

    — Ei, não estou sendo manipulado nada. Eu já planejava dar esse trabalho a ela!

    Logo os dois pararam de sussurrar e começaram a discutir.

    — Homens são todos iguais.

    — Ah é, e como sabe disse, com quantos homens você ficou?

    — Quantidade não importa, só de ver que não tem muitos cavaleiros por aí já sei que homens não valem nada!

    — Isso… Tem razão, não sou mesmo um cavaleiro.

    Essa resposta colocou um sorriso na cara da cavaleira.

    —Você realmente é inteligente, reconheceu na hora que tenho razão.

    Carlos foi andando para fora da oficina e ela o seguiu, lá fora os ajudantes de Nia haviam colocado a máquina de costura no chão.

    — Como não sou um cavaleiro, você que é, pode levar essa máquina de costura até a fábrica têxtil.

    Ao ouvir isso, o sorriso no rosto de Quixotina desapareceu.

    — Mas você é homem!

    — Quem é a cavaleira é você! E não tenho gema de força nenhuma.

    A cavaleira mordeu o lábio de raiva e em silêncio pegou a máquina que estava grudada em uma mesa, podia se ver o colar em seu pescoço brilhando.

    — Essa fábrica é longe demais! Porque tudo tinha que ser tão longe?

    — Para ninguém ficar espionando, mas não se preocupe, um dia teremos veículos capazes de nós levar até lá, mas por enquanto vai ter que ser assim.

    Os dois começaram a caminhar em direção à fábrica enquanto conversavam.

    — Veículos, o que seriam eles?

    — Uma máquina capaz de nós levar até os lugares.

    — Nossa, incrível! Essa vai ser a nova máquina que Nia irá fazer?

    — Lamento mas não, isso vai demorar… Aliás nem sei que vou pedir para ela fazer, estava pensando em canhões, mas não sei se serão muito úteis no momento. Talvez uma máquina a vapor para ajudar na mineração?

    — E que tal um cavaleiro mecânico, preciso de um oponente digno para treinos! — Disse Quixotina sorrindo,

    — Claro, daqui cem anos te faço um. — Respondeu Carlos com um tom sarcástico.

    — Você não sabe como tratar uma dama!

    — Damas que pedem o impossível merecem ser tratadas assim.

    Enquanto os dois discutiam, chegaram na fábrica têxtil. Dentro da fábrica podia-se ouvir o barulho das máquinas e dos trabalhadores, e como não havia máquinas de costura, havia diversas pessoas trabalhando sentadas em mesas costurando as roupas. Ajudando as trabalhadoras estavam Gabriel e Malaika ensinando como trabalhar na máquinas e arrumando algumas máquinas que travavam ou mesmo quebravam pois ainda não eram de muita qualidade. Ao verem Carlos deixaram seus afazeres e se dirigiram a ele.

    — Chefinho — Disse Malaika — Que bom te ver, mas que máquina é essa que Quixotina carrega, não vá me dizer que é a tão famosa máquina de costura!?

    Quixotina já cansada, foi no lugar vazio mais próximo e cuidadosamente colocou a máquina lá, e Carlos a seguiu enquanto falava:

    — É sim, achei que Nia não conseguiria, mas conseguiu!

    Gabriel que se aproximou para olhar melhor a máquina disse:

    — Ainda bem porque os panos estavam se amontoando, afinal a produção dos tecidos está sendo muito mais rápida que a costura, foi realmente como você disse essas máquinas aumentam a produção em dezenas de vezes! Tanto que temos tantos tecidos que nem sabemos o que fazer com eles.

    — Eu sei, vender. Espero que a igreja tenha aceitado o acordo, já faz um mês. Precisamos de ferros para fazer mais armas, já que nosso estoque está acabando e logo seremos atacados pelo governador.

    Tanto Malaika quanto Gabriel falaram:

    — Faremos nosso melhor!

    “E pensar que a um mês atrás esses dois me tratavam como um ignorante total, mas só foi usarem essas máquinas que aprenderam a me respeitar.”

    Carlos pegou algumas linhas e tecidos e se aproximou da máquina de costura.

    — Para usar ela é bem simples, você coloca os tecidos e linhas aqui e aqui… — 

    Carlos prosseguiu explicando o uso da máquina nos mínimos detalhes para não restar dúvidas para os dois.

    Gabriel foi o primeiro a testar ela, rapidamente pegou o jeito, e enquanto costurava tecia elogios a ela.

    “Ele pegou o jeito tão rápido, se fosse eu demoraria dias… Ainda bem que dessa vez deixei os testes com Nia.”

    — Realmente é uma máquina magnífica, com ela vamos aumentar muito nossa produção de roupas. Tassi consegue fazer o algodão crescer instantaneamente, temos máquinas para descaroçar o algodão, transformar em fio e tecidos, e agora costurar, só faltava alguma máquina para colorir as roupas, porque o processo atual de limpar e deixar no sol por dia é muito demorado… Bem que podia haver alguém que pudesse mudar isso, com tecnologias de outro mundo.

    Ao ouvir isso o chefe do mocambo tossiu e disse:

    — No futuro, quem sabe, mas no momento temos outras prioridades.

    “Para deixar as roupas brancas precisaria se usar cloro, o que seria muito difícil de produzir, mas quando esse ataque acabar acho que posso me focar nisso, até porque posso usar cloro para criar papel branco para usarmos nas escolas que construiremos e é bom para vender.”

    Depois de ficar por mais um tempo, os dois foram almoçar no restaurante da Tia Vera.

    Depois de almoçar saiu sozinho do restaurante e se deparou com Tassi que estava o esperando.

    — Chefe, o comerciante apareceu de novo, a igreja aceitou nosso acordo!

    “Finalmente! Agora as coisas vão realmente começar a mudar!”

    — Me leve até lá!

    Tassi o levou até a Serra da Vitória, onde Espectro e Francisco estavam lá, o comerciante baixinho parecia tremer de medo, mas tremia um pouco menos do que dá última vez. Assim que viu Carlos retirou uma carta do bolso de suas calças e a entregou.

    O novo chefe pegou a carta e começou a ler em voz alta:

    — “Eu a Santa do Novo Mundo, a benfeitora…” 

    O começo era apenas elogios da papisa para si mesma, eventualmente chegou no ponto.

    — “As informações que me foram dadas foram muito úteis, apesar de ainda não ter sido capaz de fazer muitos experimentos, os resultados iniciais demonstraram que as informações passadas eram verdadeiras.”

    — “Adoraria ter em mãos os livros que citam essas informações, tanto que para isso consegui uma caravana de comerciantes de confiança cheios de ferro importado de Portugal. Se quiser todos esses ferros apenas me entregue os livros do diabo com conteúdo relacionados a doenças, saúde e corpo humano. Assim não será necessário vender roupa nenhuma para os comerciantes.”

    — “Assinado Paula, A única papisa da história da igreja.”

    “Engraçado, dessa vez a carta foi bem menos pomposa, porque será?”

    Espectro falou para Francisco:

    — Fique aqui, vamos discutir um pouco sobre o conteúdo da carta.

    O comerciante amedrontado disse:

    — Sim Senhor!

    Espectro levou os dois para longo do comerciante e disse:

    — Isso é uma ótima notícia, ferro sempre foi algo difícil de obter. Carlos você finalmente solucionou um dos problemas que mais afetavam o Quilombo! Podemos falar com Ganga sobre entregar esses livros que ela quer!

    Carlos suspirou antes de dizer:

    — Não podemos…

    — Mas porque não? — Disse Espectro encucado.

    — Porque não tenho nenhum livro sobre esses assuntos, tudo que escrevi são coisas que sei, o máximo que tenho, é a invenção dos microscópios que foi descrita no livro das invenções que mudaram o mundo, mas isso não é ruim, temos muita roupa que dá para vender rendendo bom dinheiro e uma boa quantidade de ferro.

    — Tudo bem… Nesse caso não precisamos falar com o Ganga, porém não revele que não tem os livros.

    — Certo.

    O pequeno grupo voltou a falar com o comerciante que estava sendo vigiado por guardas.

    — Obrigado por esperar, mas infelizmente não vamos trocar os livros em troca de ferro, os livros que tenho são muito preciosos, mas não se preocupe, temos muita roupa para vender por um preço camarada, aliás onde estão os comerciantes que vieram com ferro?

    Ainda tremendo o gordinho respondeu:

    — Vocês têm roupas o suficiente para vender para todos nós? São seis carroças no total…

    Ao ouvir tal pergunta, Carlos não pode deixar de sorrir.

    — Ha ha ha, temos o suficiente para encher dez carroças e talvez até mais!

    Na mesma hora o comerciante parou de tremer e levantou o queixo para falar:

    — Mas é roupa pronta mesmo, ou tecido? E qual é a qualidade dessas roupas?

    — Temos mais tecidos quanto roupas completas, diria que a qualidade é a mesma das roupas que você está usando, só que novas.

    Carlos apontou para as roupas de Francisco, que já estavam velhas e surradas.

    — Hunf, só acredito vendo, essas roupas que estou usando duraram anos e já aguentaram de tudo! Gastei 20 mil réis nela! É quase o que muitos trabalhadores bem pagos ganham em um ano! Porém isso não importa tanto, sabe que para vir até aqui não é fácil, e mesmo que a igreja permita, Portugal não será tão leniente se descobrir! Por isso, se for mesmo dessa qualidade, vou apenas comprar se por apenas 10 mil réis, e to falando do conjunto completo!

    Carlos ainda sorrindo, colocou a mão no queixo, fingiu ficar em dúvida antes de dizer:

    — E que tal 500 réis por peça de roupa? E 50 réis por metro de tecido, ah, metro é um pouco menos que uma vara de tecido.

    O comerciante ficou em choque ao ouvir isso, e sua boca mal fechava.

    — O preço da roupa está bom, mas do tecido, muito caro, ainda mais considerando a baixa qualidade

    — Mas quem disse que é de baixa qualidade? — Carlos retirou um pano e o entregou ao comerciante, que prontamente o alisou, colocou sobre o sol, cheirou antes de dizer:

    — Se for desta qualidade mesmo… Eu poderia vir aqui mais vezes até zerar o estoque de vocês?

    — Ha, ha, ha, mas é claro, precisamos comprar muita coisa no quilombo, além de ferro poderia vender papel, outros produtos. Então negócio fechado?

    Carlos estendeu a mão para Francisco mas ele recusou.

    — Tudo que é bom demais para ser verdade, acaba no fim não sendo verdade mesmo, por isso vamos esperar e fazer esse primeiro negócio, com o apoio da papisa mesmo que vocês tentem nos enganar ainda não saíremos perdendo.

    Ao ouvir isso Espectro ficou irritado, mas Carlos falou antes dele:

    — Tudo bem, é bom se precaver mesmo.

    Francisco sorriu antes de dizer:

    — Você é mesmo inteligente, os comerciantes estão numa rua próxima da mata, aliás tem vários guardas os protegendo, eles são treinados pela igreja, apesar de não serem que nem as elites do velho mundo, ainda são bem capazes. Não quero que me entendam mal, tudo foi feito por precaução.

    Dessa vez Espectro falou:

    — Vocês acham que somos ladrões!?

    O novo chefe do mocambo mais uma vez tentou acalmar Espectro.

    — Em todo novo negócio com risco tem que tomar certas precauções, e quem tem risco de sair perdendo aqui são eles!

    Seu olhar se voltou para o homem baixinho.

    — Vou pedir para meus homens levarem as roupas e tecidos até o ponto onde seus comerciantes estão, enquanto escrevo uma carta a papisa.

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