Na Cidade Sagrada de Santa Maria, num dos poucos bares da cidade havia um homem bem vestido bebendo e conversando com um homem baixinho e gordinho:

    — Não acredito que paguei aquela taxa absurda para participar da frota para Portugal, para no fim meu navio ter tido que atracar antes mesmo de sair do Brasil por conta de varíola! E pior, no pouco tempo que tive que sair da frota para voltar, fui atacado por piratas e tive minha carga roubada! Sorte que não acharam meu dinheiro escondido no navio.

    O homem baixinho disse:

    — Por isso que prefiro a vida em terra companheiro, apesar de que admito que te invejo um pouco, navegando em alto mar, conhecendo o mundo todo.

    — Ha, queria que fosse assim, apenas venho no Brasil pego pau brasil ou açúcar já metais preciosos e gemas mágicas ficam para Portugal, depois vou para Portugal pagando taxas altíssimas para participar das frotas protegidas e mesmo assim vou morrendo de medo de um ataque pirata, além das doenças. E chego em Portugal e sou obrigado a pagar mais taxas e vender meus produtos a preços baixos.

    O homem gordinho bebeu um gole de sua cerveja e disse:

    — Aqui em terra não temos piratas, mas temos bandidos a cada esquina, mas realmente doenças não são tanto um problema, ainda mais com essa nova papisa, mas as taxas de Portugal ainda são um problema, se eu não fosse tão covarde eu até tentaria fazer contrabando.

    O homem bem vestido olhou para os lados, antes de falar:

    — Não pode ficar falando essas coisas por aqui! E se algum oficial ouvir?

    O homem gordinho apenas sorriu e disse:

    — Não se preocupe, aqui é a cidade sagrada, eles não ligam pros problemas de Portugal.

    — Mesmo assim… Essa vida não vale a pena, todos meus amigos que tentaram fazer contrabando ou foram atacados por piratas ou foram traídos por seus clientes.

    O homem gordinho sorriu e olhou pro seu amigo bem vestido.

    — Por isso não me envolvo com essas coisas, a não ser que tivesse um cliente de plena confiança… Por exemplo, a igreja…

    Nesse momento o homem bem vestido chegou mais perto para dizer:

    — Não me diga que você está contrabandeando para a igreja? Sabe que se vender açúcar, pau brasil ou minérios eles podem facilmente descobrir a origem desses produtos, e a igreja mesmo assinou um tratado para não comercializar esses bens em cidades santas!

    O homem gordinho, tomou um gole de sua cerveja antes de dizer:

    — Sei disso, mas sabe que é permitido comercializar entre cidades santas, roupas e tecidos. Além disso dá para comprar minérios, só não dá para revender, digo não dá para que ninguém descubra que está revendendo.

    O homem bem vestido suspirou ao ouvir isso.

    — Ah, Francisco, não me deixa com expectativa assim, você sabe que a margem de lucro disso é pequena, a não ser que você tenha uma montanha de roupas, achei que teria um bom negócio.

    Francisco sorriu antes de continuar:

    — Calma Elias, apenas ouça, e se as roupas e tecidos foram bem baratas, de qualidade e principalmente terem uma boa quantidade? Sei que seu navio está vazio… Além disso, no final do mês vai sair uma frota daqui para a Cidade Sagrada de São Vicente, a cidade de lá é gigante e o que chamamos de catedral aqui, lá chamam de igreja de esquina.

    Elias brincou com a borda de seu copo antes de dizer:

    — Me fala mais desse tal negócio.

    Francisco tomou mais um gole antes de continuar.

    — Está vendo aquela pessoa lá fora andando com aquelas roupas? E aquela outra? E mais aquela? São aquelas roupas que eu e mais outros comerciantes estamos vendendo, não são feitas de nenhum tecido luxuoso mas são de qualidade e o mais importante, baratas.

    Elias olhou para as pessoas andando, antes de retomar seu olhar para Francisco.

    — Pelo visto já vendeu bastante por aqui, mas porque quer que venda para fora?

    — Digamos que o meu fornecedor consegue fazer muito mais dessas roupas, bem mais do que conseguimos vender nessa região, apesar da cidade sagrada não ter sido afetada pelas guerras as pessoas ainda não andam cheias de dinheiro nos bolsos. — Disse o comerciante gordinho.

    — Seu fornecedor consegue fazer tantas roupas assim? Por acaso descobriram uma gema capaz de clonar roupas? Aliás, ouvi que na capitania de Minas das Gemas estão usando uma gema preta capaz de ajudar a minerar.

    Francisco o olhou com curiosidade, mas deixou isso de lado.

    — Os detalhes não sei, mas isso não importa, o que importa é que eu posso te vender muitas roupas e tecidos a um preço camarada.

    Elias ainda estava excitante com tal proposta suspeita, mas a ganância falava mais alto.

    — Você realmente é alguém cheio de conhecidos importantes não é mesmo, mas como pode me garantir que a igreja participe de nosso esquema?

    O gordinhou riu e sua barriga tremia a cada risada.

    — Ha ha ha, essa é a parte fácil! Digamos que sou próximo de uma figurona da igreja.

    Ao ouvir isso Elias sorriu.

    — Se for assim então negócio fechado!

    — Excelente, aliás na volta compre muito ferro, que vou comprar tudo de você. 

    — Mas já ganhou tanto dinheiro assim? Acho que você está melhor que eu meu amigo.

    — E você poderá ficar tão bem quanto eu! Vamos brindar a isso.

    Os dois pegaram seus copos de madeira e brindaram enquanto diziam:

    — A um futuro de riquezas!

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    No dia seguinte na catedral num pequeno quarto, no escritório da papisa. Paula relia a carta nova que ganhou do Quilombo da Jabuticaba.

    “Dessa vez ele entrou em bem mais detalhes sobre como esterilizar materiais com álcool e evitar contaminação de doenças… Isso é bem útil, mas queria o livro que fala disso em mãos! Eu estou disposta a pagar qualquer preço! Até porque até o momento as informações tem se demonstrado verdadeiras, a mortalidade da Santa Casa da Misericórdia diminuiu drasticamente com as novas práticas e faz apenas um mês que estamos aplicando elas. E no nosso acordo vou apenas receber uma carta por mês contendo mais conhecimentos… 

    “Por sorte me deu o mecanismo que permite ver seres microscópicos a olho nu, só falta o artesão da cidade terminar ele, graças a Deus os artesãos da igreja são os melhores do mundo. Com o microscópio vou desenhar os micróbios que ver e vou mandar uma carta para a sede da igreja falando de meus feitos! Já estou espalhando todos os conhecimentos que adquiri com as cartas, claro que tudo em meu nome, afinal tô pagando um preço por essas cartas, se Portugal descobrir que estou ajudando quilombolas… Apesar de que, quero ver tentarem algo contra eu! A santa da igreja!”

    Seus pensamentos foram interrompidos por batidas na porta de seu escritório.

    — Papisa, Francisco entregou uma carta destinada a você.

    “Será uma carta do quilombo!?”

    Rapidamente se levantou, abriu a porta e pegou a carta das mãos do cardeal, mas ao começar a ler ficou desapontada.

    “Querida, Misericordiosa, Maravilhosa Santa Papisa Paula”

    “Recentemente fiz um acordo com um colega meu dono de um navio para vender as roupas produzidas do quilombo para outras cidades santas, gostaria que aprovasse a venda para outras cidades santas, eu seria o intermediário, entre ele e o quilombo. Além disso, gostaria que vossa santidade o permitisse acompanhar a frota da igreja, além de vender os produtos.”

    Nesse momento a papisa apertou com fúria a carta.

    “Como ousa! Me usar para conseguir vantagem para si mesmo e para um amigo!”

    Apesar de ter vontade de rasgar a carta em pedaços, continuou lendo.

    “Esse mesmo amigo irá comprar ferro em outras cidades santas e trazer para cá, com isso o acordo com o quilombo será mantido, o que significa mais cartas para você, mais dinheiro no meu bolso e de meu amigo.”

    “Imagino que ainda tenha receios quanto a esse acordo, por isso estou lhe dando tempo para pensar, vou encontrar um conhecido meu que talvez tenha livros divinos para vossa santidade.”

    “Atrás da folha está o endereço temporário de meu colega, quando aceitar o acordo mande uma carta a ele.”

    Na sua fúria jogou a carta em cima de sua mesa enquanto pensava:

    “Não acredito nisso, ele está me usando para ganhar dinheiro! Mas o pior de tudo é que esse acordo é vantajoso para mim! Vou manter a promessa com o quilombo e ainda por cima vou poder taxar todas essas trocas comerciais. Até imagino o sorriso que Francisco tinha ao escrever essa carta, só de pensar nisso me dá um ódio!”

    Segurando toda sua fúria, sentou em sua cadeira, pegou uma pena, olhou o endereço atrás da carta e começou a escrever. 

    Não muito tempo depois mandou seu cardeal entregar a carta. E suspirou sentada.

    “Com isso estarei cumprindo parte de meu acordo, só espero que eles possam continuar cumprindo a parte deles, afinal logo irá acontecer o ataque ao quilombo. E Iinfelizmente eu só posso curar um lado… Se eles sofrerem grandes perdas, estão por si mesmos. Que Deus lhes ajude.”

    ───────◇───────◇───────

    No Quilombo da Jabuticaba, Carlos estava em sua recém construída casa de tijolos, sentado em uma mesa ouvindo o relatório de Aqua.

    — Somando o valor total de todos tecidos vendidos, deu 150 mil réis! O Quilombo nunca viu tanto dinheiro e isso tudo num único mês!

    Carlos sorriu e disse:

    — Isso com apenas uma cotton gin, seis teares e seis jennys, imagine quando enchermos essa fábrica de máquinas e trabalhadores! E com a nova máquina de costura poderemos fazer muitas roupas e as vendermos por um preço bem mais elevado!

    — Sim, mas não fique muito animado, desses 150 mil, metade, 75 mil foram para o quilombo e 25 mil foram usados para comprar ferro e outras necessidades para o mocambo, sobrando assim 50 mil.

    Ao ouvir isso suspirou pesadamente.

    — Só espero que Ganga use esse dinheiro para comprar ferros pros outros mocambos, mas mesmo que todo dinheiro fosse nosso ainda seria muito pouco, agora entendo porque faziam mulheres e crianças trabalharem a troco de nada por 14 horas por dia todos os dias…

    Aqua teve um rosto de surpresa antes de dizer:

    — Mas isso… É horrível, achei que seu mundo fosse diferente do nosso.

    — Não se preocupe é diferente atualmente, mas no passado, era igual, mas só porque é diferente isso não quer dizer que atualmente seja perfeito, ou que todos os lugares tenham o mesmo padrão, mas não se preocupe, não vim aqui para repetir a história. Por isso dou folga aos fins de semana para eles e faço trabalharem apenas 8 horas por dia… Só falta o salário…

    Aqua estava relendo os papéis recém comprados antes de de dizer:

    — Segundo seu plano, não vamos pagar quem vive de agricultura, pelo menos não por enquanto, com os aumento de artesãos e trabalhadores nas indústrias dá um total de 479 trabalhadores.

    “Ainda bem que Aqua sabe ler e escrever por conta de seu passado como princesa que lidou com portugueses, isso me ajuda demais e apesar da idade ela aprende facilmente novos termos.”

    — Podemos pagar 100 réis para cada trabalhador por mês.

    “100 réis não é nada para os trabalhadores fora do quilombo, não da para viver disso, por sorte ninguém paga aluguel e quem contra os preços de tudo sou eu.”

    Aqua suspirou e disse:

    — Eu entendo suas boas intenções, mas acho que devemos usar o dinheiro para outras coisas, afinal todo esse dinheiro pagando salários não nós dará retorno.

    — Aí que você se engana, o dinheiro vai motivar as pessoas a trabalhar mais e movimentar a economia. O restaurante pode começar a cobrar o almoço, claro que será a um preço acessível, mas o suficiente para nós dar lucro e isso também evitaria uns espertinhos que não trabalham para nós de ganharem almoço grátis.

    — Também podemos introduzir lojas, por exemplo, uma loja vendendo sorvete, como estamos no meio do verão isso venderia como água e poderíamos colocar um preço mais elevado. Além disso, temos uma fábrica têxtil mas no momento, ninguém tem dinheiro para comprar roupa nenhuma, Malaika me falou que muitas trabalhadoras têm interesse em comprar tecido e roupas.

    Carlos pegou o papel do lucro bruto antes de continuar a falar:

    — Nós fizemos 150 mil vendendo majoritariamente tecido, mas agora com a máquina de costura, vamos vender muito mais roupas e some isso ao fato de que trabalhadores vão estar bem mais motivados em seu trabalho, com isso teremos mais lucro e com mais lucro poderemos passar a dar salários maiores pros melhores trabalhadores, aumentando a produtividade.

    Aqua estava apenas encarando Carlos, pensando em alguma resposta, mas a resposta não veio.

    — Como desejar chefe.

    Aqua passou a guardar todos os papéis, quando de repente, um guarda entrou na casa de Carlos gritando:

    — Estamos sendo atacados!

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