Capítulo 49 - Derrota
Depois de alguns dias na Cidade Sagrada de Santa Maria, Papisa Paula acordou e tomou seu suntuoso café da manhã antes de se dirigir à Santa Casa da Misericórdia para tratar doentes, normalmente um papa se dirigia aos locais em uma bela carruagem, e nenhum deles iriam se misturar em meio a moribundos, mas Paula se sentia mais confortável andando sozinha dentre o povo da cidade, além de que amava ajudar as pessoas, infelizmente hoje não seria um dia que teria uma caminhada confortável.
No caminho andando pelas ruas pode ouvir algumas mulheres conversando enquanto compravam na feira.
— Você ficou sabendo do que aconteceu no Quilombo da Jabuticaba?
Uma mulher falava para outro com cara de aflita
— Fiquei, um horror né;
Ouvir isso deixou a papisa meio aflita, ainda mais porque continuou andando e não pode ouvir o fim da conversa. Normalmente conflitos assim geralmente não a interessavam, apenas a deixavam de coração pesado, pois não havia nada que pudesse fazer para impedir isso, mas agora que estava fazendo contato com o quilombo começou a ter emoções mais conflitantes quanto a isso.
“Um horror… Será que o quilombo foi destruído?”
Aflita acelerou o passo, enquanto ouvia mais conversas.
— Você viu o estado em que voltou o filho da Maria? Parece que o pessoal do quilombo usou magia negra, só assim para derrotarem todos os soldados!
“O que? Então quem sofreu mais foi o batalhão do governador? E magia negra… Seriam armas de fogo!?”
A aflição começou a ser substituída por um certo alívio, o que a fez aumentar o passo ainda mais.
“Se estão falando dos soldados que voltaram, é porque devem ter ido a Santa Casa da Misericórdia para se curarem, mas porque não me informaram de nada?”
Depois de andar mais um pouco, finalmente chegou no local e rapidamente entrou, apenas para ver diversos padres e freiras cuidando de muitos homens, mal havia espaço para tantos feridos. Essa visão a enfureceu.
— Célia!
Rapidamente uma freira deixou de tratar um doente e foi até a papisa.
— Sim Vossa Santidade.
No momento todos os olhos estavam voltados para as duas, afinal a santa papisa nunca erguia a voz nem ficava irritada.
— Porque não fui informada de que muitos feridos chegaram na cidade?
A expressão de raiva no rosto de Paula assustava a freira que voltou seu olhar para o chão.
— Eles chegaram no meio da noite, e eu informei os cardeais, mas foi decidido que era melhor deixar Vossa Santidade dormindo e tomando seu café da manhã com calma, até porque você sempre vem aqui logo depois do café.
Paula com raiva subiu seu tom de voz.
— Quem decide se eu devo ter uma boa noite de sono ou não sou eu mesma! A partir de hoje relate qualquer problema diretamente a mim, depois quero que me informe quais os cardeais tomaram essa decisão pelas minhas costas! Apenas imagine quantas pessoas eu poderia ter ajudado de noite!
A freira se forçou a olhar para os olhos da papisa antes de responder:
— Sim Vossa Santidade.
Paula voltou com seu sorriso suave e falou de forma casual.
— Agora me fale quem mais precisa de ajuda.
A freira com medo não falou, apenas apontou o dedo para um jovem deitado em uma cama que estava com a cabeça enfaixada, também estava sem mão, apenas havia um pano enrolando em seu pulso, também estava sem uma perna. Se fosse antes da papisa ter descoberto como usar a gema da alteração esse jovem não teria mais futuro, e mesmo até pouco tempo atrás ele poderia facilmente contrair uma infecção e morrer, mas agora as coisas mudaram. Paula primeiro foi lavar suas mãos, pegar algo para cobrir a boca. Segundo Carlos, o correto seria usar luvas, mas para usar a gema da alteração deveria haver contato direto com a vítima.
Paula depois de cumprir os procedimentos, foi andando em meio aos feridos deitados no chão até chegar no jovem que estava acordado e parecia sentir muita dor.
“Meu Deus, o que aconteceu para ficar nesse estado, entenderia se estivesse sem apenas uma parte do corpo mas duas? Parece que o atacaram a ponto de impossibilitar ele de batalhar mas mesmo assim continuaram a mutilá-lo… Será que o povo do quilombo são mesmo bárbaros?”
— Bom dia, jovem, como se chama?
Com dor ele lentamente virou a cabeça para ver a quem a bela voz pertencia, apenas para se deparar com a figura mais importante da cidade.
— Vossa Santidade!? Vai me tratar? Muito obrigado!
A animação ao vê-la parece ter acabado com a dor que sentia.
— Sim, mas me diga seu nome… E também o que aconteceu com você, vai ajudar no tratamento.
“Mentir é um pecado, mas preciso saber em detalhes o que houve!”
Paula começou a tirar o pano que estava em seu pulso, enquanto o jovem começou a falar.
— Me chamo André, e assim como a maioria aqui fui atacar o quilombo a mando do governador, claro que aceitei por conta do dinheiro que seria pago, o dinheiro iria ajudar muito minha família, pensei que seria um trabalho fácil… Eu uso a gema do gelo e sou muito bom com ela, eu tinha um arco que me permitia lançar flechas de gelo -Ai!
Paula havia terminado de tirar o pano do pulso, podia-se ver apenas pedaços de argila fincados onde deveria ficar a mão, assim como partes queimadas. Com uma pinça começou tirando os pedaços de argila e sujeira, o que causava dor mas não havia nenhuma forma de anestesia, então o paciente deveria aguentar a dor.
— Ah, desculpa, esqueci de avisar que pode doer um pouco o tratamento, mas continue a falar, vai ajudar a esquecer da dor.
Infelizmente a dor era tanta que o jovem ficou apenas gemendo de dor, até a papisa retirar toda a sujeira, após isso jogou álcool diretamente na ferida para desinfetar, dentre a lista de antissépticos passados pelas cartas de Carlos, esse era o mais fácil de se obter para a papisa, infelizmente causava muita dor nos pacientes que gritavam. Depois que o ferimento foi desinfectado, ela o tocou diretamente com uma mão e com a outra segurou firme no crucifixo de prata em seu pescoço, quando começou o tratamento a gema azul escuro do crucifixo começou a brilhar. O processo causava um pouco de dor e desconforto, mas o jovem aguentou a dor e continuou a falar.
— Meu poder não adiantou de nada, no meio da mata os pretos jogaram uma coisa que parecia uma laranja em nós, o general disse para jogarmos água nela, no caso os adeptos da gema da água, mas nem deu tempo do general terminar de falar quando a laranja simplesmente explodiu matando alguns companheiros, por sorte eu estava seguro, mas não foi apenas uma explosão apareceu outra e mais outra…
Paula estava terminando de recuperar a mão do paciente, ela parecia nova em folha. Depois de terminar a mão ela foi para a perna fazer o mesmo procedimento, enquanto tirava os panos da perna falava com o paciente.
— Tinha alguma gema mágica nessas “laranjas”?
O paciente, com dor ainda se forçava a falar com a santa da cidade.
— Tinha uma gema laranja, mas não dava para confirmar, talvez fosse uma gema do fogo, mas as gemas do fogo não fazem isso. No meio do caos o capitão nos deu a ordem para atacar, na hora engoli meu medo e apertei o passo para ir ao quilombo, mas uma laranja caiu bem na frente do meu pé e se estilhaçou, tentei me afastar, mas não deu tempo, apenas protegi meu rosto com minha mão, mas sabe, acho que tive sorte, graças a Vossa Santidade irei me recuperar completamente, já meus companheiros que seguiram para atacar o quilombo foram aniquilados por uma enorme explosão na mata, muitos morreram queimados, e os que escaparam da mata se depararam com uma defesa interminável, ninguém viu como eles morreram, os que sobreviveram disseram que eles encontraram uma barreira invisível.
A papisa sentiu medo ao ouvir a fala dele, mas isso não a impediu de finalizar o tratamento na perna.
— Só um momento, vou tratar sua cabeça também.
“Foi um massacre e tudo a distância aparentemente… Será que estou fazendo o certo ao ajudá-los? Não, é muito cedo para julgar, eles estavam se defendendo… Preciso de mais informações…”
Ao dizer isso se levantou, pegou um cálice de prata com uma gema azul e o com água e voltou e derramou na cabeça do paciente enquanto falava:
— Não foi sorte, foi Deus que lhe deu outra chance na vida! Não desperdice essa chance matando pessoas e pecando, arrume um trabalho honesto.
O jovem que parou de sentir dor na cabeça e estava recuperando o movimento das mãos e perna, sorriu e respondeu:
— Sim Vossa Santidade, você tem razão.
Paula ficou o dia todo tratando doentes, ouvindo as mesmas histórias, só voltou para seu quarto ao anoitecer, onde escreveu uma carta destinada ao Quilombo.
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Na capital da capitania de Pernambuco, a cidade de Areia Branca, o governador furioso ouvirá a mesma história de um jovem que foi mandado com uma luneta para a guerra.
— Saia da minha frente seu inútil de merda e Maria, me traga uma cachaça!
O jovem rapidamente saiu da sala e a escrava foi cumprir o pedido do governador.
“Como um bando de preto no meio do mato conseguiu aniquilar um exército? Apenas mil homens conseguiram voltar! Sendo que metade voltou ferida, agora vou ter que pagar uma fortuna para a igreja! Seria melhor se todos tivessem morrido! Além disso, mandei escravos nessa expedição, os donos de engenho irão me cobrar por eles… Merda!”
O governador chutou sua cadeira para longe.
— Se esses vermes inúteis acham que venceram, estão muito enganados! Investi muito nesse ataque para não ganhar nada em troca!
Sua respiração baixou um pouco e conseguiu se acalmar, pegou a cadeira, a colocou no lugar e se sentou.
— Ainda não acredito que meu capitão-mor morreu em batalha! Ele lutou junto comigo contra os holandeses, ele era feroz, o que significa que eles não ganharam por sorte… Se a descrição dos sobreviventes for mesmo verdadeira então não será fácil ganhar, ou talvez tenha tudo uma ilusão, não… É melhor eu chamar alguém que entenda de como matar pretos.
A escrava voltou com uma garrafa de cachaça e um copo com gelo. O governador rapidamente, encheu o copo e tomou.
“Não posso me precipitar, se os donos de engenho reclamarem dos escravos, apenas os lembro do que devem aos holandeses e também garanto que irei recuperá-los. Vou fazer mais um ataque, mas dessa vez irei contratar alguém que tenha experiência em lidar com negros, como não conheço alguém vou mandar uma carta para a metrópole, relatando a derrota e solicitando mais ajuda, também vou informar que eliminar o quilombo vai acalmar o ânimo dos senhores de engenho que estarão mais disposto a pagar suas dívidas a Holanda. Isso mesmo, não preciso pensar em como ganhar dessas armas ou para aprender o que são elas, apenas contrato alguém para isso, não preciso me estressar com essas coisas.”
Após terminar de beber uma garrafa de cachaça, escreveu uma carta.
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