Capítulo 55 - Encontro Parte II
O ar no ponto de encontro era leve, carregado do cheiro de poeira seca, suor e o dulçor distante de frutas maduras. Sob a sombra irregular de uma árvore, Carlos conversava com o comerciante Francisco e a Papisa Paula, cujas vestes imaculadas contrastavam com a terra avermelhada.
— Basicamente, vou precisar de aço — explicou Carlos, seus dedos traçando linhas imaginárias na mesa de madeira rústica. — E você pode nos trazer grandes quantidades de minério de ferro, além de um pouco de manganês e outros metais.
Ele entregou uma lista a Francisco, cujo rosto não demonstrava entusiasmo. O comerciante lançou um olhar significativo para a papisa, que respondeu com uma voz suave, porém firme:
— Infelizmente, isso não será possível. As roupas, eu posso comercializar com outras Cidades Santas sem levantar grandes suspeitas, mas minérios brutos são outra questão. A única razão para eu importar minérios seria refiná-los, e Portugal proíbe terminantemente qualquer metalurgia em suas terras. Eles chegaram a destruir um engenho de um senhor que ousava refinar ferro. Mesmo que a Cidade Sagrada de Santa Maria seja um território da Igreja, ainda temos de lidar com certas jurisdições locais. Eu não conseguiria justificar isso perante os meus superiores.
Carlos ouvia, seu rosto um véu de concentração enquanto sua mente trabalhava freneticamente.
“Não dá nem para importar minério de ferro? Isso estragaria todos os meus planos. A revolução industrial precisa de ferro para acontecer, e só vou melhorar a qualidade de vida da população com muito dinheiro… Mas ela é considerada uma santa viva pela Igreja. Talvez…”
Um sorriso astuto iluminou seu rosto.
— Sabe, eu me lembrei de algo que pode ajudar a acabar com todas as doenças ligadas a bactérias. Chama-se antibiótico. Só não comentei nada porque não sabia se você teria a capacidade de adquirilo…
A Papisa Paula inclinou-se ligeiramente para a frente, seus olhos brilhando com uma curiosidade intensa. Ela permaneceu em silêncio, esperando que ele continuasse.
— Mas, acho que eu poderia te passar — ele prosseguiu, o sorriso se tornando mais ousado — se você, por exemplo, usar a notoriedade que tem dentro da Igreja para… digamos, inventar que fará um grande milagre, um que precise de muito minério de ferro para ser realizado.
Paula suspirou profundamente, o som carregado de resignação e cálculo.
— Tudo bem, vou tentar. Mas já adianto para não esperar muito.
Carlos, visivelmente animado, pegou mais alguns papéis de uma pasta de couro.
— Excelente! Mas além dos minérios, também vou precisar de sementes. Por exemplo… — Ele mostrou uma folha com um desenho detalhado de um fruto vermelho e suculento. — Este é um tomate. Deve ser encontrado nas colônias espanholas na América Central junto com um pé de cacau. Este é um repolho, comum na Europa. Também vou precisar de um broto de araucária, uma árvore do sul do Brasil, e de uma muda de seringueira, que encontra-se na Floresta Amazônica. Estarei pagando bem por cada um deles.
“Com tomate e repolho, poderei fazer saladas e, claro, um molho de tomate para uma boa e velha pizza”, pensou Carlos, quase podendo saborear a lembrança. “Já a araucária pode ser usada para fazer papel. Apesar do clima não ser o ideal, ela pode crescer com os poderes da Tassi. O mesmo vale para a seringueira. A borracha será revolucionária.”
Francisco olhou para a lista peculiar de itens, sua sobrancelha arqueada em dúvida. No entanto, o interesse comercial falou mais alto.
— Claro, eu adoraria lhe ajudar. Mas quanto…
Carlos deslizou outra folha de papel em sua direção, com os valores de cada item claramente especificados. O mais barato custava dez mil réis; o mais caro, cinquenta mil.
Os olhos de Francisco iluminaram-se, e seu rosto se abriu em um sorriso largo.
— Considere feito!
Depois disso, os dois grupos trocaram mais algumas formalidades antes de se prepararem para partir. Quando a papisa estava prestes a adentrar sua carruagem, virou-se para trás. Seus olhos encontraram Carlos, que organizava meticulosamente seus papéis.
— Sabe — disse ela, sua voz um pouco mais suave —, esse sorvete realmente é algo divino. Poderia me passar a receita?
Carlos terminou de arrumar os papéis e ergueu o rosto, um sorriso simpático nos lábios.
— Infelizmente, não. Mas basta vir aqui que posso lhe vender. Vou montar uma barraquinha de sorvete neste próprio local.
Desapontada, mas sem demonstrar aborrecimento, a papisa assentiu com a cabeça e subiu na carruagem, que começou a se mover em direção à Cidade Sagrada.
“No futuro, posso até pensar em exportar sorvete”, refletiu Carlos, observando o veículo se afastar. “Mas vou precisar de muitas vacas leiteiras e de adeptos da gema do gelo… Também só será viável com a magia para mantê-lo conservado. Ah, é complicado demais. Melhor focar apenas no quilombo por enquanto.”
Enquanto mergulhava em seus pensamentos, Espectro aproximou-se silenciosamente, sua presença tão sutil quanto uma sombra ao entardecer.
— Se a papisa conseguir os minérios para nós, poderemos considerar isso uma bela vitória!
A visão de Espectro sorrindo era rara, mas ultimamente se tornara mais comum.
— Sim, mas isso é apenas o começo! — respondeu Carlos, seu entusiasmo transbordando. — Se conseguirmos produzir aço, elevaremos o quilombo a outro patamar. Poderemos fabricar muito mais máquinas e estaremos nadando em dinheiro. Poderemos até adquirir armas mágicas com facilidade!
Espectro reassumiu sua expressão séria, embora um leve sorriso ainda pairasse em seus lábios.
— Tudo ocorreu mais ou menos como conversamos na reunião com Ganga Zala.
Carlos riu, um som genuíno e aberto.
— Sim, foi um resultado muito bom! Se tudo der certo, ficaremos muito mais fortes.
O leve sorriso de Espectro desvaneceu-se, substituído por uma sombra de angústia.
— Cuidado, Carlos. São justamente nesses momentos de altas expectativas que estamos mais vulneráveis aos reveses. Nunca cante vitória antes da hora. Isso me lembra que minha informante na capital de Pernambuco não está mais conseguindo informações. Só sei que o novo Capitão-Mor parece ser muito competente — alguém com experiência não apenas em combate, mas em capturar quilombolas e exterminar indígenas.
Carlos perdeu o sorriso, e sua expressão tornou-se séria.
— Estou ciente disso, pelas reuniões com Ganga Zala. E é justamente por isso que quero o aço! Com ele, poderemos fabricar canhões e, eventualmente, até atacar Areia Branca, eliminando essa ameaça de uma vez por todas!
Espectro ficou embasbacado ao ouvir aquilo. Ele quis retrucar, mas, depois da última batalha, a ideia não parecia mais um sonho impossível.
— Mas você tem razão, Espectro — concedeu Carlos, sua voz mais contida. — Devo pensar em outras armas. Não temos aço, mas temos ferro, e Nia está cada vez mais habilidosa com máquinas complexas. Talvez eu consiga desenvolver alguma arma mais avançada. Vou pesquisar mais sobre isso. Obrigado pelo aviso.
Os dois começaram a andar em direção a Tassi e Antônio, que conversavam animadamente mais adiante. Tassi gesticulava com vivacidade, o que surpreendeu Carlos; ele não esperava que fossem tão próximos. Por sorte, o caminho de volta para o Mocambo do Tatu era longo, permitindo que ele se juntasse à conversa. Espectro desapareceu no meio do trajeto, provavelmente para fazer seu relatório a Ganga Zala.
O caminho, àquela hora avançada da tarde, era percorrido por pessoas que retornavam ao mocambo com mercadorias e ferramentas. Antônio observou a cena com interesse.
— Pelo visto, vocês estão vivendo bem. Achei que estivessem na penúria, mas me enganei. Que bom que Deus lhes deu um destino tão próspero.
Tassi, com um sorriso radiante, respondeu:
— Você nem viu nada ainda, padre! Já sabe que o Carlos virou chefe do mocambo, mas eu virei Ministra da Agricultura! Basicamente, cuido de toda a comida do mocambo.
Carlos não pôde deixar de sorrir ao vê-la.
“Ela parece uma criança mostrando orgulhosamente um prêmio escolar para o pai.”
O padre dirigiu-lhe um sorriso paternal.
— Sério? E o que mais você faz?
“Pelo visto, ele já vai começar a sondar… Realmente é um espião. Mas precisamos de alguém que possa curar ferimentos graves, ainda mais com as máquinas pesadas que vou usar. O risco de acidentes é real, e Espectro quer alguém para tratar seus soldados, especialmente com futuros ataques. Querendo ou não, precisamos da Igreja, e isso só estreitará nossos laços. Além disso, com o hospital, vou começar a separar a Igreja da cura. Quem sabe, até conquistar alguns deles para o nosso lado? Embora a Igreja tenha um milênio de experiência e, até agora, ninguém tenha roubado os segredos das gemas de cura e alteração.”
Tassi falava sobre seu trabalho com animação, mas era cuidadosa, dosando as informações que compartilhava.
— Por falar nisso, Tassi, como anda o último experimento? — interveio Carlos.
Tassi exibiu um largo sorriso.
— Deu tudo certo. Ah, Antônio, o Carlos me pediu para tentar fazer trigo crescer no quilombo com meus poderes.
“As coisas andam mesmo muito bem, com isso poderemos fazer farinha.”
— Excelente, agora só preciso achar um jeito melhor de moer o trigo para fazer farinha, acho que um simples moinho de vento vai bastar.
Tassi ainda sorridente agregou.
— E com a farinha você pode me fazer mais comidas de seu mundo!
Depois de caminharem mais um pouco, chegaram ao Mocambo do Tatu. Carlos mostrou a Antônio o local da nova igreja, uma estrutura pequena e funcional de concreto que os pedreiros haviam erguido com rapidez. Dentro, alguns fiéis já se reuniam para suas orações. O quilombo era um caldeirão de crenças: católicos, seguidores de religiões de matriz africana, alguns muçulmanos — uma tapeçaria de fé onde, muitas vezes, as tradições se entrelaçavam.
Antônio entrou pelos fundos, onde ficava seu aposento. A igreja não era luxuosa, toda pintada de branco, com um estilo limpo e moderno que contrastava com a arquitetura colonial e barroca predominante na época.
Sozinho em seu novo quarto, Antônio sentou-se à escrivaninha e, sem hesitar, começou a escrever uma carta para a papisa, detalhando tudo o que vira e ouvira. Ele não nutria má intenção contra o quilombo, mas confiava em Paula e estava determinado a cumprir sua missão.
Nas sombras densas do canto do quarto, escondido pela escuridão que se aprofundava, um dos ajudantes de Espectro observava cada movimento da pena sobre o papel. Em silêncio, o assistente do chefe do exército do quilombo lamentava, mais uma vez, como sua carga de trabalho parecia aumentar a cada dia que passava.
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